“…proteger direitos fundamentais e assegurar que o licenciamento ambiental não fosse fragilizado.”
Mariana Cuzziol Longo é sócia da Daniel Law, especializada em contencioso cível, direito público, direito regulatório e life sciences. Cuzziol é bacharel em direito pela Mackenzie, com MBA pela FGV.

Mariana Cuzziol, sócia Daniel Law
A sanção da Lei nº 15.190, de 8 de agosto de 2025 – originada do antigo Projeto de Lei nº 2.159/2021 – marca um momento decisivo na modernização do licenciamento ambiental no Brasil. O novo marco legal estabelece regras mais claras e uniformes, buscando equilibrar a proteção ambiental com a necessidade de eficiência regulatória e segurança jurídica para empreendimentos estratégicos, especialmente no agronegócio. Ao substituir dispositivos fragmentados por diretrizes nacionais, a lei promete reduzir entraves burocráticos e ampliar a previsibilidade para investidores e produtores.
O setor agroindustrial, responsável por parcela expressiva do PIB brasileiro e essencial para a balança comercial, há anos demanda processos de licenciamento mais ágeis, sem perda de qualidade técnica ou de salvaguardas socioambientais. Nesse contexto, a nova legislação – aliada à Medida Provisória nº 1.308/2025, que institui a Licença Ambiental Especial (LAE) – representa não apenas um avanço regulatório, mas também um reposicionamento estratégico do Brasil frente a cadeias globais de valor cada vez mais exigentes em rastreabilidade e sustentabilidade.
“A padronização nacional e a definição de prazos claros trazem previsibilidade e segurança jurídica, reduzindo incertezas…”
Apesar do avanço normativo, a sanção presidencial foi acompanhada de vetos significativos. Ao todo, 63 dispositivos foram excluídos pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sob a justificativa de proteger direitos fundamentais e assegurar que o licenciamento ambiental não fosse fragilizado. Os principais vetos mantiveram restrições e padrões considerados essenciais:
- Limitação da LAC (Licença por Adesão e Compromisso): o uso deste procedimento simplificado continuará restrito a empreendimentos de baixo impacto ambiental, impedindo sua aplicação para atividades de médio potencial poluidor. Isso preserva a exigência de análises mais detalhadas para empreendimentos com maior risco ambiental.
- Padronização nacional obrigatória: foi vetada a possibilidade de estados e o Distrito Federal definirem critérios próprios de licenciamento sem observar diretrizes nacionais uniformes. Essa medida evita disparidades regulatórias que poderiam gerar insegurança jurídica e competição regulatória prejudicial.
- Proteção de ecossistemas e comunidades: foram mantidas exigências de consulta prévia a povos indígenas e comunidades quilombolas, regras específicas para a proteção da Mata Atlântica e a preservação da autoridade das unidades de conservação. Além disso, continua a responsabilidade das instituições financeiras em avaliar riscos socioambientais antes de conceder crédito.
Esses vetos preservam um núcleo duro de proteção ambiental e direitos sociais, evitando que a flexibilização do licenciamento resulte em perda de salvaguardas essenciais.
Um dos elementos mais relevantes da conjuntura legislativa foi a publicação simultânea da Medida Provisória nº 1.308/2025, que cria a Licença Ambiental Especial (LAE). Diferentemente da Lei nº 15.190/2025, que entrará em vigor 180 dias após sua publicação (fevereiro de 2026), a LAE já possui vigência imediata.
O novo instrumento foi concebido para projetos considerados estratégicos para o país, oferecendo maior celeridade sem renunciar a estudos técnicos robustos. Seus principais pontos incluem:
- Prazos definidos: o licenciamento via LAE terá prazo máximo de 12 meses para conclusão, contados a partir da entrega de todos os estudos e documentos exigidos. Essa previsibilidade reduz gargalos que, em alguns casos, estendiam-se por anos.
- Exigência de EIA/RIMA: mesmo com maior agilidade, o processo mantém a obrigatoriedade de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, garantindo uma base técnica sólida para a decisão administrativa.
- Etapas claras: o procedimento prevê fases definidas e prazos intermediários, conferindo transparência e organização ao processo.
- Priorização técnica: um decreto regulamentará quais projetos terão prioridade, considerando sua relevância estratégica e impacto socioeconômico.
A padronização nacional e a definição de prazos claros trazem previsibilidade e segurança jurídica, reduzindo incertezas, diminuindo riscos de judicialização e fortalecendo a confiança de investidores e parceiros. A nova lei, aliada à Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAE), agiliza o licenciamento de projetos estratégicos em infraestrutura, logística e processamento, ampliando a competitividade do setor. Um licenciamento mais rápido e tecnicamente consistente também reforça a imagem do Brasil como fornecedor sustentável, ajudando a superar barreiras não tarifárias e atender a normas como a Lei Europeia de Cadeias Livres de Desmatamento. Além disso, ao manter instrumentos de avaliação técnica e consulta social, o novo marco facilita a aderência a padrões ESG, integrando due diligence e relatórios às exigências de financiadores e compradores globais.
Apesar dos benefícios, alguns desafios permanecem. A aplicação prática da LAE exigirá estrutura administrativa adequada, com capacidade técnica e recursos humanos suficientes para atender aos prazos. Há também a necessidade de evitar que a priorização de projetos estratégicos crie distorções ou prejudique o tratamento de outras demandas relevantes.
Além disso, a articulação entre órgãos ambientais federais, estaduais e municipais será determinante para que a padronização nacional se converta em resultados concretos, evitando conflitos de competência e interpretações divergentes.
A sanção da Lei nº 15.190/2025, combinada à entrada em vigor imediata da MP nº 1.308/2025, representa um marco regulatório que busca equilibrar desenvolvimento econômico, proteção ambiental e segurança jurídica. Para o agronegócio, trata-se de uma oportunidade de transformar o licenciamento ambiental em um aliado da expansão sustentável, e não em um entrave.
O sucesso dessa transformação dependerá da implementação efetiva das novas regras, da capacitação dos órgãos licenciadores e do compromisso do setor produtivo em adotar as melhores práticas socioambientais. Se bem conduzido, este novo arranjo normativo poderá consolidar o Brasil como referência internacional em produção agroindustrial sustentável e competitiva.
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