"Apenas 2% dos proprietários rurais apresentam não conformidade com a legislação ambiental" - entrevista com presidente do Ibama

“…o Ibama é uma Autarquia envelhecida, enfrentando déficit significativo em seu quadro de pessoal…”

Rodrigo Antônio de Agostinho Mendonça é presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama desde fevereiro de 2023, graduado pela Faculdade de Direito de Bauru, com mestrado em ciência e tecnologia Ambiental pela Unisagrado e ciências biológicas pela Universidade Metropolitana de Santos.


AgriBrasilis – Quais foram os principais desafios desde que o senhor assumiu a presidência do Ibama?

Rodrigo Agostinho – O Ibama, principal agência ambiental brasileira, desempenha papel crucial na execução da política nacional do meio ambiente. Com 35 anos de existência, o Ibama é uma Autarquia envelhecida, enfrentando déficit significativo em seu quadro de pessoal. Atualmente, o Ibama conta com apenas 50% do quadro completo, queda considerável ante os 6 mil servidores que já teve.

O Ibama é responsável por combater o desmatamento, regular a exploração de madeira, proteger terras indígenas, cuidar da fauna, e abordar temas como segurança química e licenciamento ambiental, e enfrenta desafios significativos em função de sua estrutura envelhecida e escassez de recursos humanos.

“Com 35 anos de existência, o Ibama é uma Autarquia envelhecida, enfrentando déficit significativo em seu quadro de pessoal”

AgriBrasilis – O que motivou o desmonte dos órgãos ambientais no Brasil?

Rodrigo Agostinho – O governo anterior desferiu ataques significativos contra o Ibama, minando suas operações de fiscalização e impactando áreas como o licenciamento, resultando em uma crise na Autarquia. A nomeação excessiva de policiais militares em diversas superintendências e cargos de direção no Ibama gerou redução extrema na fiscalização. Apesar disso, parte dos servidores, que são profissionais de carreira com funções típicas de Estado, continuou trabalhando em diversas regiões, independentemente da orientação governamental, mas de forma desorganizada.

Essa desorganização contribuiu para um aumento alarmante dos crimes ambientais, incluindo exploração ilegal de madeira, garimpo ilegal, desmatamento e tráfico de animais. Desde o início da gestão atual, estamos empenhados na reestruturação e na reorganização do Ibama, implementando estratégias inteligentes para lidar com esses desafios.

AgriBrasilis – Quais ações do Ibama visam reduzir o desmatamento e o garimpo ilegal?

Rodrigo Agostinho – O Ibama tem atuado de forma estratégica na área de fiscalização para combater ilícitos ambientais em todos os biomas do país, dentre eles a Amazônia e o Cerrado. De acordo com dados do sistema Deter-B do Inpe, houve uma redução de 49,9% na área sob alertas de desmatamento na Amazônia no ano de 2023, ante 2022, resultado das ações da Autarquia. Esse número é resultado da retomada da política ambiental e climática, e das ações de fiscalização após quatro anos de retrocesso.

Dentre as linhas de ação adotadas no combate ao desmatamento, estão a presença de agentes ambientais em áreas críticas, a fiscalização remota do desmatamento, a fiscalização de fraudes nos sistemas de controle florestal e a apreensão de bens e produtos produzidos em áreas embargadas por desmatamento ilegal.

Entre janeiro e dezembro de 2023, o Ibama aumentou os autos de infração por crimes contra a flora na Amazônia em 106%, ante a média de 2019 a 2022. Na destruição de bens e dos embargos houve crescimento de 161% e 64%, respectivamente, no mesmo período. Apreensões aumentaram 79%. No Cerrado, autos de infração aplicados pelo Ibama por crimes contra a flora aumentaram 45% ante a média para o mesmo período dos quatro anos anteriores. Embargos subiram 43%, as apreensões, 25%, e a destruição de equipamentos, 124%, no Cerrado. O Ibama também tem atuado na fiscalização da cadeia produtiva associada ao desmatamento ilegal, a exemplo da pecuária, conforme prevê a linha de atuação descrita no Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia.

Sobre o combate ao garimpo ilegal, a nova gestão do Ibama tem desempenhado papel essencial na fiscalização, coordenação e execução das ações nas Terras Indígenas, dentre elas a Yanomami e a Tapajós. Isso envolve a mobilização de equipes de campo, a aplicação de multas e penalidades, e a coordenação com outras agências e organizações, como PRF, Funai, Força Nacional de Segurança Pública e FAB. As operações também visam enfraquecer atividades de garimpo e solucionar a crise humanitária que assola as Terras Indígenas, por meio da inutilização de materiais utilizados pelos garimpeiros.

Na Terra Indígena Yanomami, o Ibama atua desde fevereiro de 2023. As principais linhas de ação para acabar com o garimpo ilegal são: bloqueio do fluxo de suprimentos para a mineração ilegal (combustível, alimentos, peças de reposição etc.), com o objetivo de inviabilizar a permanência dos garimpeiros; apreensão e destruição da infraestrutura para mineração ilegal (aeronaves, motores, barcos, acampamentos, equipamentos etc.), com o objetivo de descapitalizar e incapacitar os infratores. Houve redução de 85% das áreas para mineração ilegal na Terra Indígena Yanomami de fevereiro a dezembro de 2023 ante o mesmo período do ano anterior.

Entre fevereiro e dezembro de 2023, o Ibama realizou 310 ações de fiscalização ambiental, que resultaram em:

Atuações ambientais: 6.907 hectares embargados; R$ 61,2 milhões em multas; 245 termos de apreensão; R$ 96,3 milhões em bens apreendidos; 194 termos de destruição.

Apreensão e destruição de bens: 34 aeronaves (aviões e helicópteros); 362 acampamentos; 310 motores; 37 toneladas de cassiterita; 48 mil litros de combustível; 32 balsas; 43 barcos; 82 motores de popa; 172 equipamentos de comunicação; 151 estruturas logísticas e portos de apoio; 3 tratores; 6 veículos leves; 45 motosserras; 87 geradores de energia; 6,3 kg de mercúrio; 838 gramas de ouro; 5 mil metros de mangueiras; 14 armas de fogo; 451 cartuchos de munição; diversos outros equipamentos e materiais.

Outras ações de fiscalização ambiental: 205 vistorias em pistas de pouso na TIY e entorno; 31 pistas embargadas; 209 pistas monitoradas no entorno na TIY. Em 2023, o Ibama combateu crimes ambientais em 98 terras indígenas, incluindo a TIY.

AgriBrasilis – Quais os riscos da exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas?

Rodrigo Agostinho – Trata-se de uma região extremamente sensível, destacando-se por sua vasta biodiversidade. Ali, encontram-se as maiores áreas de manguezais do mundo, além de abrigar espécies como o peixe-boi, o boto-cor-de-rosa e diversas espécies migratórias. Devido à sua proximidade com a linha do Equador e à influência da corrente do norte do Brasil, uma corrente marítima robusta, somada às águas do Rio Amazonas durante a cheia, a região é caracterizada por uma notável sensibilidade ambiental.

AgriBrasilis – O senhor considera que as penas e multas para crimes ambientais são razoáveis? Por quê?

AgriBrasilis – A adequação das penas e multas para crimes ambientais é um tema amplamente discutido. Ao avaliar a razoabilidade dessas sanções, é crucial levar em conta diversos fatores, como a gravidade do impacto ambiental causado pelo infrator, sua reincidência e a eficácia do sistema legal na aplicação das leis ambientais.

A legislação ambiental frequentemente passa por atualizações para refletir crescentes preocupações com a preservação do meio ambiente, resultando em ajustes nas penalidades aplicadas. A avaliação da razoabilidade das penas para crimes ambientais é complexa e envolve considerações éticas, sociais, econômicas e ambientais.

Uma abordagem equilibrada se faz necessária, buscando simultaneamente proteger o meio ambiente, punir violações de forma proporcional e incentivar a conformidade com as leis ambientais. Em muitos casos, a eficácia do sistema legal é crucial para garantir que as penas e multas sejam aplicadas de maneira justa e efetiva, contribuindo para a preservação sustentável do meio ambiente.

AgriBrasilis – O agro é “inimigo” das pautas ambientais? Como se dá o diálogo do Ibama com o setor?

Rodrigo Agostinho – A agricultura brasileira desempenha papel crucial em nossa economia, e uma parte substancial dela cumpre as normas estabelecidas. Embora apenas 2% dos proprietários rurais apresentem não conformidade com a legislação ambiental, enfrentamos resistências em alguns setores.

Sou veementemente contra generalizações, pois a responsabilidade não deve recair sobre o agronegócio como um todo. Enfrentamos o desafio de conciliar atividades econômicas. Destaco que implementamos o maior Plano Safra da história e o maior projeto de agricultura de baixo carbono do mundo. Portanto, essas iniciativas não são mutuamente excludentes.

AgriBrasilis – Caso os vetos do presidente Lula à Lei nº 14.785/2023 sejam derrubados, o que muda para o Ibama no registro e fiscalização de agrotóxicos?

Rodrigo Agostinho – A Lei nº 14.785/23 promove atualizações na legislação de agrotóxicos, notadamente na normativa de 1989. Onze vetos foram aplicados, a maioria deles atendendo solicitações do Ibama. Em conjunto com a Anvisa e o MAPA, o Ibama desempenha papel crucial no registro, análise e reanálise desses produtos.

Nosso objetivo é viabilizar a comercialização desses produtos, garantindo a preservação da saúde da população, a qualidade ambiental e a segurança das práticas agrícolas. Se os vetos forem derrubados, o Ibama manterá seu compromisso prioritário com a preservação do meio ambiente e da saúde humana.

 

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