“No caso da Mata Atlântica, qualquer área que a gente perde possui um valor muito grande…”
Luís Fernando Guedes Pinto é diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, engenheiro agrônomo, mestre em engenharia ambiental e doutor em fitotecnia pela Universidade de São Paulo.
Pinto é professor da Escola Superior de Sustentabilidade e Conservação e membro da Rede Folha de Empreendedores Sociais.
Luís Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica
AgriBrasilis – Por que preservar a Mata Atlântica?
Luís Guedes – A Mata Atlântica contém a árvore que deu nome ao nosso país, o Pau-Brasil. Mesmo assim, ela também é o bioma que foi mais devastado ao longo da nossa história: somente 24% da cobertura florestal original ainda persiste.
A Mata Atlântica é uma das regiões com maior biodiversidade no mundo e responsável por mais da metade da produção de alimentos do Brasil. Quase 70% da população brasileira vive nesse bioma, o que representa 80% do PIB nacional. Essa população depende dos serviços ecossistêmicos da Mata Atlântica, como o fornecimento de água, elemento esse que gera energia elétrica, garante a produção de alimentos, etc.
A restauração da Mata Atlântica é muito importante para sequestrar os gases de efeito estufa da atmosfera. Além disso, proteger e restaurar a floresta evita tragédias, como enchentes e deslizamentos de terra. Essas tragédias que têm acontecido recentemente no Brasil, por exemplo, aconteceram em grande parte em áreas da Mata Atlântica.
As florestas da Mata Atlântica dão identidade para nosso país. É fundamental a gente manter e preservar essa região para garantir nosso futuro.
AgriBrasilis – Por que o desmatamento continua na região?
Luís Guedes – Ele continua principalmente por conta da expansão da agropecuária, que é o principal vetor de pressão sobre o desmatamento, principalmente nos estados de MG, BA, PR, SC, MS e PI, onde existem grandes áreas sendo desmatadas ainda, apesar desse ser um bioma protegido pela Lei nº 11.428/2006, conhecida como Lei da Mata Atlântica.
O segundo vetor de pressão de desmatamento é a expansão das cidades, das grandes metrópoles, além da expansão do turismo.
AgriBrasilis – Esse é o bioma mais habitado do país. Existe solução para o problema do desmatamento?
Luís Guedes – Sim, quase 70% da população vive nessa região, onde estão as principais grandes cidades e metrópoles. Do norte ao sul do país, a Mata Atlântica está em 17 estados brasileiros.
Sou otimista e considero que existe, sim, solução para o desmatamento. Esse é um problema que a gente consegue resolver e a Mata Atlântica é o bioma onde temos mais condições de alcançar o desmatamento zero. Nós temos a Lei da Mata Atlântica e o Código Florestal, por exemplo, então já foram criadas as principais políticas públicas. Não é necessário desmatar a Mata Atlântica para o Brasil poder crescer, se desenvolver, produzir alimentos, ter boas cidades, etc.
Nós temos muito a ganhar com a proteção e a restauração da Mata Atlântica, visando combater as mudanças climáticas e garantir melhor qualidade de vida nas cidades, podendo até manter e aumentar a produção agropecuária dessa forma.
AgriBrasilis – Qual é a área desmatada anualmente?
Luís Guedes – Nós temos uma iniciativa consolidada de monitoramento do desmatamento da Mata Atlântica, liderada há algumas décadas pela fundação SOS Mata Atlântica e pelo INPE.
Anualmente, nós elaboramos um relatório com os dados do desmatamento no bioma. Por exemplo, no início dos anos 2000, a taxa de desmatamento era de 100 mil hectares por ano, ou seja, era muito alta. Isso diminuiu muito até o menor valor observado da série histórica, que ocorreu entre 2017-2018, alcançando 11,39 mil hectares, muito menos que nos períodos anteriores.
Infelizmente, ocorreu uma retomada do crescimento do desmatamento nos últimos quatro anos, ultrapassando os 23 mil hectares em 2021-2022, com uma média de aproximadamente 20 mil hectares por ano no período.
Nós acabamos de lançar os dados de desmatamento dos primeiros cinco meses de 2023, entre janeiro e maio, e houve uma redução de 42% do desmatamento em relação ao ano anterior. Os dados, consolidados na plataforma MapBiomas Alerta, mostram que a área desflorestada entre janeiro e maio foi de 7.088 hectares, contra 12.166 hectares registrados no mesmo período de 2022.
Fonte: alerta.mapbiomas.org
AgriBrasilis – A legislação é suficiente para a preservação da Mata Atlântica?
Luís Guedes – Nós já temos uma legislação suficiente pra preservação da Mata Atlântica. Ela é considerada patrimônio nacional pela nossa constituição, protegida por legislação especial. A Lei da Mata Atlântica trata da conservação, uso e restauração do bioma. Essa Lei determina que o desmatamento somente poderá ser aprovado em situações excepcionais.
Além disso, nós também temos o Código Florestal, que é uma política pública, uma lei muito importante para conduzir a restauração do bioma, principalmente das Áreas de Preservação Permanente – APPs, que são florestas que protegem as nascentes dos nossos rios.
AgriBrasilis – O senhor disse que existe uma “nuvem de pequenos desmatamentos” na região. Por quê?
Luís Guedes – Existem dois padrões de desmatamento. As áreas de expansão da agropecuária, principalmente na transição da Mata Atlântica com o Cerrado, são onde temos grandes áreas desmatadas, de 50-100 hectares desmatados, que têm grande impacto na área total desmatada. Já o padrão de desmatamento no PR e SC, por exemplo, é definido por pequenas áreas. Essas são muitas áreas bem pequenas de desmatamento, ou uma “nuvem”. Essas áreas são pequenas e isoladas umas das outras, mas, quando somadas, acabam se tornando uma grande área desmatada, e, no caso da Mata Atlântica, qualquer área que a gente perde possui um valor muito grande.