Panorama das queimadas nos biomas brasileiros

“O clima que conhecemos hoje não é mais o mesmo…”

Daniel Silva é especialista em conservação da WWF Brasil, biólogo e mestre pela Aix-Marseille University, com doutorado pela Université de Lorraine.

Daniel Silva, especialista em conservação da WWF Brasil


AgriBrasilis – O que está ocasionando o crescimento dos incêndios nos biomas brasileiros?

Daniel Silva – As queimadas são o resultado de vários fatores. O primeiro é a seca, que está muito relacionada com as mudanças climáticas. Quanto mais duradora e mais intensa a seca, maior o risco de incêndios. O desmatamento e a degradação dos ecossistemas também contribuem muito. Além disso, o uso do fogo nas práticas agrícolas também pode aumentar o risco da ocorrência de incêndios descontrolados quando ocorre na estação seca.

AgriBrasilis – Há tendência de agravamento?

Daniel Silva – Sim, claramente. Estamos vendo que anos com muitos incêndios estão ficando cada vez mais frequentes. Não é mais rara a ocorrência de episódios catastróficos. Os eventos de seca extrema estão se repetindo muito por causa das mudanças climáticas. O clima que conhecemos hoje não é mais o mesmo.

“No Pantanal, os incêndios atingem vegetação nativa em mais de 80%…”

AgriBrasilis – Quanto cada bioma foi afetado em 2024? As queimadas ainda se concentram em áreas de floresta primária?

Daniel Silva – Em número de focos acumulados no ano 2024 detectado pelo Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE (BDQueimadas – Programa Queimadas), os biomas tiveram:

Amazônia

138204

+42%

Caatinga

18155

-11%

Cerrado

80645

+61%

Mata Atlântica

21063

+84%

Pampa

419

-41%

Pantanal 14495

+131%

Todos 272981

+47%

Em área queimada (km²) por bioma em 2024 até novembro:

Amazônia

153277

Caatinga

97502
Cerrado

239268

Mata Atlântica

46698

Pampa

289
Pantanal

27119

Total anual

564153

Dependendo do bioma, os incêndios não vão atingir da mesma forma a vegetação primária. Isso está relacionado com as diferenças de características dos tipos de vegetação entre os biomas. Por exemplo, a Amazônia tem mais florestas úmidas e densas, que não são propícias para a propagação de incêndios. Mas se houver um nível de degradação e/ou uma seca, o incêndio pode entrar.

Segundo os dados do INPE (Queimadas X Desmatamento – Queimadas X CAR):

Na Amazônia, 22% dos focos são incêndios em vegetação nativa. O resto se divide igualmente entre áreas desmatadas recentemente ou mais antigamente. No Cerrado, esse valor já é maior, 35%, porque a vegetação é mais aberta e mais seca. O fogo sempre foi parte da ecologia do Cerrado, ao contrário da Amazônia. No Pantanal, os incêndios atingem vegetação nativa em mais de 80%. Os campos nativos do Pantanal, quando estamos em um momento de seca forte, são muito vulneráveis aos incêndios, com propagação facilitada.

AgriBrasilis – O que está sendo feito para diminuir os focos de incêndio?

Daniel Silva – O Governo fez compromissos, e já aumentou os esforços de prevenção e de controle dos incêndios. A Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, chamada lei do MIF, foi votada e precisa ser regulamentada. Ela prevê uma série de ações preventivas como o manejo integrado do fogo e ações paliativas como apoio às brigadas. A prevenção é crítica, dado que estamos em cenário de crise climática.

O desmatamento é uma das causas do aumento das queimadas: o fogo é usado para limpar as áreas desmatadas e pode escapar para vegetação nativa. Também, o desmatamento agrave ainda mais a crise climática que favorece os incêndios. Erradicar o desmatamento é então essencial no controle dos incêndios.

O compromisso do governo é zerar o desmatamento até 2030, mas apesar de ter observado uma diminuição na Amazônia, a situação está crítica no Cerrado e no Pantanal. Precisamos de medidas urgentes de luta contra o desmatamento rumo ao desmatamento zero.

AgriBrasilis – Quais os custos e tempo necessários para a mitigação desse problema?

Daniel Silva – Os custos da prevenção contra incêndios são, sem dúvida, muito menores do que o custo dos incêndios descontrolados que vivenciamos esse ano. Além de gerar custos para saúde humana, os incêndios geram muitas emissões de gases de efeito estufas, destrói o patrimônio natural dos Brasileiros e demanda uma estrutura e uma logística cara para combate no campo. Se houver esforços necessários dos governos para implementar a lei do MIF, e se o governo e as empresas respeitarem os compromissos de zerar o desmatamento, então sairemos desse cenário catastrófico.

AgriBrasilis – Em que medida é necessária a atuação dos países ricos?

Daniel Silva – Os países ricos têm que contribuir financeiramente para a implementação de políticas públicas do manejo integrado do fogo e para apoiar as agências e as organizações que atuam no combate e controle dos incêndios. As mudanças climáticas que favorecem as secas e então os incêndios, não são só o resultado do desmatamento no Brasil, mas também das emissões de CO2 dos países ricos. É crítico que o Brasil receba apoio financeiro.

AgriBrasilis – O que é e qual é a importância do Manejo Integrado do Fogo?

Daniel Silva – O Manejo Integrado de Fogo (MIF) é uma resposta evidente aos incêndios e ao cenário climático sombrio que se desenha. O MIF abrange muitos aspectos do fogo, como a ecologia, a cultura, a economia e a ciência do fogo. O objetivo do MIF é reduzir os impactos socioeconômicos e ambientais dos incêndios. Para isso, o MIF busca sensibilizar e capacitar os atores do território como as populações locais, no uso do fogo. Ele também inclui ações de prevenção de incêndios, monitoramento e combate a incêndios, uso de queimas controladas e prescritas e reabilitação de ecossistemas.

 

 

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