“É fato, do ponto de vista do Direito Comparado, que o produtor brasileiro é o que mais preserva florestas dentro do imóvel rural…”
Leonardo Munhoz é pesquisador e professor da FGV Agro e FGV OCBio, mestre em direito empresarial pela FGV, com mestrado e doutorado em legislação ambiental pela Elisabeth Haub School of Law – Pace University.

Leonardo Munhoz, pesquisador e professor da FGV Agro
AgriBrasilis – O que falta para a implementação do Código Florestal (CFlor) de 2012?
Leonardo Munhoz – O Código Florestal de 2012 teve sua implementação atrasada devido a juridicização no STF e problemas na validação do Cadastro Ambiental Rural – CAR. Agora com a judicialização quase encerrada (i.e., aguardo do julgamento sobre a questão de identidade ecológica para critério de compensação de Reserva Legal) a implementação está ganhando força. Entretanto, alguns problemas ainda persistem com o CAR, principalmente no caso dos desafios fundiários e sobreposições de imóveis rurais.
AgriBrasilis – O senhor disse que a União Europeia deveria aprender com o código florestal brasileiro. Em que sentido?
Leonardo Munhoz – A UE, com muito esforço, conseguiu passar uma norma para reparar algumas áreas específicas de mangues (Nature Restoration Law), enquanto o Código Florestal, com a figura da Área de Preservação Permanente APP e da Reserva Legal consegue preservar uma área grande de cobertura vegetal de vários biomas, dentro da propriedade rural.
O CFLor é a única regulação florestal no mundo que consegue atingir esse objetivo. A maioria dos outros países trabalha com a preservação de florestas utilizando programas de pagamentos de serviços ambientais públicos, em que governos pagam para agricultores preservarem, de forma voluntária, pequenas áreas dentro da fazenda e/ou por boas práticas agrícolas (Conservation Programs no EUA e Eco -Schemes na EU). É fato, do ponto de vista do Direito Comparado, que o produtor brasileiro é o que mais preserva florestas dentro do imóvel rural.
AgriBrasilis – Em 2023 o Parlamento Europeu adotou uma medida de grande impacto para as exportações do Brasil, a Deforestation Regulation (EUDR). Poderia comentar sobre essa resolução e seus efeitos até agora?
Leonardo Munhoz – A EUDR visa proibir a comercialização e importação em território europeu de produtos agropecuários derivados da produção de gado, café, óleo de palma, madeira, borracha, soja e cacau, oriundos de desmatamento ocorrido depois de 2020, com o objetivo de preservar florestas, biodiversidade e combater as mudanças climáticas. Entretanto, para a EU o conceito de desmatamento engloba tanto o ilegal como o legal.
No Brasil o CFlor permite a supressão autorizada pelo órgão ambiental competente, portanto, nesse ponto, a EUDR confronta nossa lei, gerando prejuízos para produtores que estão regularizados no Brasil. A UE sinalizou a possibilidade de prorrogação de prazo de início da lei, algo que pode ser visto como oportunidade para que o Brasil negocie melhor esse ponto, evitando conflito com a lei nacional.
AgriBrasilis – Qual é o papel da pecuária na agenda climática brasileira?
Leonardo Munhoz – A pecuária tem papel relevante na agenda climática, uma vez que pode deixar de ser emissora de gases de efeito estufa, para ser parte da solução. O programa de Recuperação de Pastagens Degradadas tem grande potencial de permitir que as áreas de pecuária tenham grande capacidade de estoque de carbono no solo.
AgriBrasilis – Estamos avançando na recuperação de pastagens degradadas no país?
Leonardo Munhoz – Recentemente foi publicado o Decreto Federal 11.815/2023, instituindo o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários Florestais e Sustentáveis (PNCPD). Esse programa tem o objetivo claro e direto de recuperar as pastagens degradadas do país. Hoje estima-se que o Brasil tenha por volta de 28 milhões de hectares de pastagens degradas, ou seja, o PNCPD, se eficaz, possibilitará que o Brasil também atinja suas metas de recuperação de pastagens na sua Contribuição Nacionalmente Determinada – NDC (i.e., 15 milhões de hectares). O programa tem relação direta com a descarbonização da economia brasileira no campo.
AgriBrasilis – Por que a Coalização Brasil, Clima, Floresta e Agricultura considera que rediscutir o CFlor incorreria em riscos para a agropecuária?
Leonardo Munhoz – A Coalizão entende, de forma correta, que novos questionamentos e mudanças de interpretação no CFlor não são compatíveis com o que de fato precisamos nesse momento. O Brasil precisa avançar na sua agenda de implantação da lei, inclusive porque essa faz parte da própria meta do clima do Brasil dentro do escopo do Acordo de Paris (NDC). Rediscutir o CFlor, não só atrasa a agenda de sustentabilidade (a qual o Brasil tem compromissos assumidos), como também gera insegurança jurídica no campo, especialmente no papel do produtor rural nessa agenda.
LEIA MAIS: