Maior parte do desmatamento atual é ilegal

desmatamento ilegal

“Não há como garantir crime ambiental zero, assim como não há como garantir tráfico zero ou zero homicídios.”

Fernando Sampaio é diretor executivo da Estratégia Produzir, Conservar, Incluir, e engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, com especialização no mercado de carne e leite pela École Supérieure d’Agriculture d’Angers.
Sampaio atuou no mercado internacional de carnes na França, na Société des Viandes Bretagne Anjou – Soviba, e na Meat Import Zandbergen Brothers BV. Foi diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, presidente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável e parte do conselho da Global Roundtable for Sustainable Beef.

Fernando Sampaio, diretor executivo da Estratégia Produzir, Conservar, Incluir


AgriBrasilis – O que é a Estratégia Produzir, Conservar e Incluir? Quais os participantes dessa iniciativa?

Fernando Sampaio – A Estratégia Produzir, Conservar e Incluir foi apresentada em 2015 na COP de Paris como compromisso para o desenvolvimento sustentável do Mato Grosso, focado na mitigação de mudanças climáticas.

A PCI é uma iniciativa de sustentabilidade jurisdicional. A ideia é alcançar um equilíbrio entre a produção e a conservação através do uso eficiente da terra e promover a inclusão socioprodutiva de pequenos produtores, povos indígenas e comunidades tradicionais.

Não se trata de alcançar a sustentabilidade em cadeias produtivas como a da soja ou a da pecuária, mas de trabalhar a sustentabilidade em todo o território de uma jurisdição. Uma coalizão de múltiplos atores incluindo governo, setor privado, sociedade civil e produtores define metas de longo prazo para estes três eixos: produzir, conservar e incluir.

A Estratégia Produzir, Conservar e Incluir é um compromisso do Mato Grosso em relação ao clima; é uma grande colaboração público privada, onde a ideia é articular ações em todos os setores da sociedade para apoiar o desenvolvimento sustentável. A PCI também começou a atuar como um mecanismo financeiro para atrair e canalizar investimentos em agendas prioritárias ligadas à agricultura de baixo carbono, florestas e inclusão. Para isso, está sendo criado o Instituto PCI.

AgriBrasilis – É possível alcançar o “desmatamento ilegal zero”?

Fernando Sampaio – Não há como garantir crime ambiental zero, assim como não há como garantir tráfico zero ou zero homicídios. Quando o estado se propõe uma agenda de desmatamento ilegal zero, a ideia é criar instrumentos que confiram a capacidade de detectar e responsabilizar todo crime ambiental de forma ágil, reduzindo assim a ilegalidade a um nível marginal.

A maior parte do desmatamento atual é ilegal. Um estudo de 2021 conduzido pela UFMG, ICV e Imaflora mostrou que na Amazônia o desmatamento ilegal alcança 94% de toda a área desmatada.

Em Mato Grosso, a abertura legal de áreas chegou a 38% do desmate registrado no estado este ano. Este índice era de cerca de 5% em 2018.

Não há milagres, é necessário investimento e planejamento para enfrentar o desmatamento ilegal. Mato Grosso investiu recursos do Programa REM (recursos internacionais captados via sistema de REDD com a redução de emissões do desmatamento) em um sistema de alerta rápido por satélite, e investiu pesadamente em fiscalização.

O Mato Grosso tem um Plano de Prevenção e Controle de Desmatamento e Incêndios Florestais, o PPCDIF, e um Comitê Estratégico de combate ao desmatamento presidido pelo próprio governador, e que integra agências estaduais e federais com atuação nessa agenda, incluindo as Secretarias de Meio Ambiente, Segurança Pública, Bombeiros, Ibama e Ministério Público.

Como resultado, o desmatamento no último PRODES de 2022 caiu quase 14% em relação ao ano anterior.

AgriBrasilis – Como incluir os produtores rurais na agenda de baixo carbono?

Fernando Sampaio – Nenhum país do mundo tem a capacidade que o Brasil tem de ter uma agricultura que, ao mesmo tempo em que se torna mais eficiente e produtiva, reduz suas emissões. As técnicas de agricultura de baixo carbono permitem isso.

Não é preciso “convencer” produtores a aderirem a essas técnicas, já que elas melhoram a rentabilidade da produção. O grande desafio é que uma parcela muito grande de produtores não tem assistência técnica ou acesso a investimentos, seja por problemas documentais ou pelo risco que representam.

Estamos desenvolvendo modelos de investimento que possam combinar diferentes fontes de recursos, reembolsáveis e não reembolsáveis, para atacar gargalos como regularização fundiária e ambiental, assistência técnica, e linhas de crédito adequadas para os desafios em cada cadeia produtiva.

É preciso trazer valor para a redução de emissões na agropecuária. Quando um produtor recupera áreas degradadas, restaura florestas, melhora pastagens, faz integração ou plantio direto, ele contribui para reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Essa redução de emissões tem valor, e isso precisa chegar ao produtor, seja através do mercado, embutido no valor do que produz, seja através de créditos de carbono. Diferentes empresas estão entendendo isso e criando mecanismos para atrair esse produtor, uma vez que elas também precisam reduzir emissões.

AgriBrasilis – Como a conservação ambiental pode refletir em maior desenvolvimento econômico? Quais os possíveis custos envolvidos na busca por uma produção mais sustentável?

Fernando Sampaio – O mundo está entrando numa nova economia: carbono, biodiversidade e água passarão a ter valor cada vez maior. O Brasil tem a maior floresta tropical e a maior biodiversidade do planeta. É uma estupidez pensar em desenvolvimento como se pensava há um século, nos baseando em ocupação, loteamento, desmatamento, boi, madeira, garimpo, como se os recursos fossem infinitos.

Temos tudo para liderar esse novo modelo de bioeconomia, baseado em biomassa, biodiversidade e biotecnologia. Não precisamos de mais área para produzir, somos plenamente capazes de atender o mercado doméstico e internacional a partir da melhoria da eficiência nas áreas já abertas e desenvolver uma econômica florestal. É obvio que isso demanda investimentos, mas o custo de não fazer isso vai ser bem maior pelo impacto que causaremos. E a agricultura será o principal setor a sofrer com mudanças no clima.

AgriBrasilis – Qual é a avaliação do senhor sobre a participação do Brasil na COP27 e as promessas realizadas pelo país?

Fernando Sampaio – O Brasil teve uma participação fragmentada entre um governo que ignorou o tema de florestas, que é a grande questão que se coloca ao Brasil, uma sociedade civil organizada reivindicando mudanças e os governadores da Amazônia, que querem ser ouvidos.

Agora é um momento de construção de uma agenda comum e que interesse a todos, e principalmente às populações que vivem na Amazônia.

O Brasil tem tudo para liderar um novo modelo de desenvolvimento econômico. Isso se faz com a construção de consensos, inteligência e investimentos, não com polarização.

AgriBrasilis – Por que o senhor considera que as exigências dos mercados europeus e asiáticos irão aumentar? Quais os impactos para o setor agrícola brasileiro?

Fernando Sampaio – A agenda do clima é a grande agenda transversal hoje no mundo. Envolve governos e setor privado em todos os países. Todos têm que contribuir. Os governos tem seus compromissos representados em suas NDCs, mas o setor privado também. Mais de 4.000 mil empresas e instituições financeiras fazem parte da Science Based Targets Initiative, com compromissos de reduzir emissões.

O impacto para a agricultura brasileira, especialmente no setor de commodities, é óbvio. Quem compra nossos produtos quer desvincular as cadeias de produção do desmatamento. Isso não é só “coisa de europeu”.

Além da União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos, Japão e outros estão trabalhando em legislações que atuem contra o desmatamento importado. A China também tem interesse nisso. E as empresas privadas e financiadores também têm suas políticas para reduzir esse risco.

O setor agropecuário brasileiro tem dois instrumentos valiosíssimos nas mãos para garantir seu acesso a qualquer mercado: o Código Florestal e o ABC+. Isso tem que ser mostrado e negociado.

É preciso investir internamente no fim do desmatamento ilegal e na implementação do código florestal, além de criar incentivos e programas de pagamento por serviços ambientais para lidar com o desmatamento legal. É nisso que Mato Grosso está trabalhando.

 

Nota:

PRODES: Sistema de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais para mensurar e monitorar o desmatamento na Amazônia Legal.

REDD:  abreviação para Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa decorrentes de Desmatamento e Degradação Florestal. Iniciativa internacional que visa reduzir as emissões de carbono geradas pelo desmatamento e a degradação florestal, promovendo práticas de conservação e uso sustentável das florestas.

REM: programa que busca captar recursos internacionais via sistema de REDD com a redução de emissões do desmatamento.

NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas): são compromissos voluntários estabelecidos pelos países para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e aumentar a resistência às mudanças climáticas.

 

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