Titicaca, o lago navegável mais alto do mundo, está secando

“…até dezembro o nível do Lago Titicaca deve continuar diminuindo.”

Sixto Flores Sancho é diretor do Serviço Nacional de Meteorologia e Hidrologia do Peru – Senamhi na região de Puno. Sancho é engenheiro meteorológico, mestre em meteorologia aplicada.

Emily Milagros Quispe Salazar é analista de hidrologia do Senamhi na região de Puno, engenheira agrícola e mestre em engenharia de recursos hídricos pela Universidad Nacional del Altiplano.

Sixto Flores Sancho, diretor do Senamhi


AgriBrasilis – Por que o Lago Titicaca está secando?

Sancho e Salazar – Nos últimos 10 anos, ocorreu na região do planalto de Puno uma menor quantidade de chuvas durante as épocas de cheia, em comparação com a média histórica. Isso se agravou durante a temporada 2022/23 (entre agosto de 2022 e março de 2023), quando ocorreu um déficit pluviométrico de 49%. É durante essa estação chuvosa, que ocorre entre agosto e março, que ocorre a “recarga” dos recursos hídricos do Lago Titicaca. Os níveis do lago têm diminuído gradativamente ao longo dos anos e essa diminuição foi muito maior durante 2022/23.

A perda por evaporação, que ocorre em decorrência da estação seca (entre abril e dezembro) reduz a altura e a superfície do lago. Em 2022, a perda por evaporação no período foi de 0,99 m. Agora, desde abril de 2023 até o presente, a queda foi de 0,59 m, e até dezembro o nível do Lago Titicaca deve continuar diminuindo.

Emily Milagros Quispe Salazar, analista de hidrologia do Senamhi

AgriBrasilis – É possível “salvar” o Lago Titicaca? Quanta água já foi perdida?

Sancho e Salazar – A questão não é “salvar” o lago, mas sim mitigar os efeitos que a queda do nível do Lago Titicaca pode causar. Devem ser realizadas ações coordenadas entre instituições nacionais e subnacionais, entidades técnico-científicas e cidadãos.

Esse é um período de seca de máxima expressão. Se ocorresse um evento completamente oposto, até seria possível recuperar o nível regular do Lago Titicaca, mas antes devemos falar de ações proativas diante desse cenário de seca, que inclusive é muito comum na região. É possível enfrentar essa seca extrema. Devemos lembrar que todos os anos ocorre um período significativo de chuvas, que deve ser aproveitado.

Em agosto, o nível médio da água era de 3.808,264 metros, ante o seu nível normal histórico de 3.809,355 m. Isso significa que houve uma queda de 1,09 m. Em termos de volume, entre agosto de 2022 e agosto de 2023, houve uma perda de aproximadamente 6.255 km3.

Os níveis mais baixos do Lago já registrados ocorreram entre 1939 e 1949, ou seja, em um período de seca que foi de aproximadamente 10 anos.

AgriBrasilis – O Lago Titicaca é o lago navegável mais alto do mundo. Qual a sua importância socioeconômica e quais comunidades estão sendo afetadas pela seca?

Sancho e Salazar – Esse recurso hídrico influencia diretamente toda e qualquer atividade socioeconômica. Vários rios da encosta contribuem para o Lago Titicaca. Quanto maior a contribuição, maior o nível do lago e melhores as condições de umidade na região. Em um cenário de seca, o maior impacto ocorre para a população com maior grau de necessidade, que padece de falta de serviços básicos.

AgriBrasilis – Quais foram as perdas agrícolas devido à seca na safra 2022/23? O que se espera para a safra 2023/24?

Sancho e Salazar – Segundo informações da Direção Agrária Regional de Puno:

  • Em fevereiro foi anunciado que, no caso da quinoa, foram registradas perdas de 65% da produção, o que representa um total de 36.430 hectares.
  • Até março de 2023, foi anunciado que 240.000 agricultores na região de Puno foram afetados pelo déficit hídrico.
  • Em julho de 2023, o chefe da direção agrícola regional de Puno anunciou: “Tivemos uma perda de quase 73% de aveia forrageira, (…). No caso da quinoa, a perda é de 95%. Na batata nativa, a perda foi de 75%”. A queda total dos produtos agrícolas alcançou 60%, o que coloca em risco a safra 2023/24.

AgriBrasilis – Como as mudanças climáticas afetaram o Peru nas últimas décadas?

Sancho e Salazar – No Peru, as alterações climáticas estão apresentando impactos significativos. Dentre os impactos diretos, destaca-se a alteração da temperatura global, que aumentou rapidamente desde 1970, causando aridez em diversas regiões.

As geleiras tropicais andinas no Peru, que representam 68,3% dessas geleiras no mundo, apresentaram diminuição alarmante de 53,56% nas últimas cinco décadas. Isso afeta o turismo e o abastecimento de água, uma vez que essas geleiras funcionam como reservatórios naturais. A redução desses recursos hídricos, além de poder resultar em escassez de água, afeta atividades como a agricultura e a geração de energia elétrica.

Os fenómenos climáticos La Niña e El Niño também desempenham um papel importante. O La Niña tem causado resfriamento e temperaturas baixas recordes nas montanhas e nas florestas do Peru, enquanto o El Niño pode causar efeitos opostos.

 

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