Bioeconomia é a solução para a Amazônia?

“Enquanto ONGs, organismos internacionais, movimentos sociais e pesquisadores defendem a nova bioeconomia apoiada na ‘floresta em pé’, baseada na coleta extrativa como salvação para a Amazônia, estamos assistindo na região o fenômeno da domesticação.”

Alfredo Homma é pesquisador da Embrapa Amazônia, agrônomo, mestre e doutor pela Universidade Federal de Viçosa, além de colaborador no curso de mestrado em ciências ambientais da Universidade do Estado do Pará.

Alfredo Homma, pesquisador da Embrapa Amazônia


AgriBrasilis – Qual o panorama histórico da agricultura na Amazônia?
Alfredo Homma – A agricultura da Amazônia ganhou relevância nacional e internacional. Mato Grosso é o maior produtor nacional de soja, milho, algodão e tem o maior rebanho bovino. O Pará é o maior produtor de açaí, jambu e mandioca desde 1992, de abacaxi desde 2015, cacau a partir de 2017, do rebanho bubalino, etc.
Rondônia é a maior criadora de peixes nativos, segunda produtora de café conilon e urucum. Tocantins está em terceiro na produção de arroz. Amazônia não é só desmatamento e queimadas. Naturalmente que esses resultados vieram com grandes custos sociais e ambientais.
Com alguns produtos emblemáticos da região, ocorreu o inverso. Desde a década de 1980, a Bahia concentra 70 a 75% da produção brasileira de guaraná; São Paulo, Santa Catarina, Goiás, Paraná e Bahia concentram 90% da produção nacional de palmito de pupunheira; Espírito Santo tornou-se o maior produtor de pimenta do reino em 2017 e São Paulo é o maior produtor de borracha (látex).
Em São Paulo existem nove municípios em que cada um produz mais borracha do que a Região Norte. O mamão hawai introduzido pelos imigrantes japoneses no Pará foi transferido para o Espírito Santo, tornando-o o maior produtor e exportador nacional.
Enquanto ONGs, organismos internacionais, movimentos sociais e pesquisadores defendem a nova bioeconomia apoiada na “floresta em pé”, baseada na coleta extrativa como salvação para a Amazônia, estamos assistindo na região o fenômeno da domesticação.
O cacaueiro foi levado para a Bahia em 1746, levando a perda da competitividade com os plantios. A seringueira foi levada pelos ingleses em 1876 para o Sudeste asiático e em 1910 a produção de borracha daquela região superou a da Amazônia, conduzindo ao maior caos econômico, social e político decorrente da biopirataria de um produto ativo da economia.
A partir de 1974, a produção de guaraná plantado superou o extrativismo. Em 1990, a produção de borracha dos plantios no país superou a produção extrativa. A madeira plantada ultrapassou a madeira extrativa, sem falar da pupunheira, malva, cupuaçu, jambu. A despeito do forte lobby, a borracha extrativa não representa nem 0,5% do total de borracha natural produzida no país.

AgriBrasilis – Qual a situação do desmatamento e a degradação da Amazônia? É possível a restauração das áreas degradadas?
Alfredo Homma – Está ocorrendo uma mudança da pecuária para agricultura nas áreas mais dinâmicas dos estados da Amazônia integrantes do Matopiba, além de Rondônia e Pará, utilizando as áreas de pastos degradados para plantio de grãos, reflorestamento, plantio de dendê, café, cacau, etc.
Para médios e grandes empresários não compensa deixar um boi por hectare frente às alternativas mais competitivas. Entre os pequenos produtores, como no Sudeste Paraense, o movimento é inverso: os mais eficientes, procuram mudar da “agricultura de toco” para uma pequena pecuária de baixa produtividade.
É necessário reduzir o custo de recuperação de áreas degradadas na Amazônia. Este foi o equívoco das políticas ambientais brasileiras entre 2004 e 2015, quando saímos de um patamar de desmatamento de 2,5 milhões de hectares para menos de 500 mil hectares.
A redução do desmatamento não foi acompanhada de uma política concreta de utilização das áreas já desmatadas. Infelizmente, a partir do segundo governo Dilma Rousseff, o desmatamento começou a crescer e, em 2021 alcançou 1,3 milhão de hectares. Desde 1986, Pará lidera com quase metade do desmatamento, seguido de Mato Grosso e Rondônia. A grande novidade em 2021 é o Amazonas assumir a segunda colocação.
Pastos representam 61% das áreas desmatadas na Amazônia, uma área superior a dois estados de São Paulo, onde se concentra 43% do rebanho bovino nacional. Esses pastos se caracterizam pela heterogeneidade tecnológica, de produtores efetuando transplante de embriões a pequenos produtores obtendo um litro de leite vaca/dia. Há necessidade de modernização do setor para reduzir a pressão de desmatamentos de floresta densa ou vegetação secundária. É possível reduzir as áreas de pastos, dobrando a taxa de lotação do rebanho bovino.
Precisamos utilizar as jazidas de calcário, fosfato e potássio existentes na região amazônica para a recuperação de mais de 10 milhões de hectares de pastos degradados, área superior ao Pernambuco. Como temos 40 milhões de hectares de pastos em bom estado, que duram de 10 a 12 anos, significa que todo ano precisamos recuperar 10% da área para cobrir a depreciação, algo em torno de 2 a 3 milhões de hectares/ano.
O Pará adquiriu, a metade dos fertilizantes e dos tratores de rodas vendidos por Santa Catarina em 2020. O atual conflito entre Rússia e Ucrânia e a concentração da venda de adubos para soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e café, que responderam por 83% do consumo de fertilizantes no país em 2020, vai prejudicar as culturas menores e a recuperação de pastos.

AgriBrasilis – Quais medidas devem ser adotadas para reduzir os impactos do desmatamento, queimadas e extrativismo predatório?
Alfredo Homma – Há necessidade de aumentar fiscalização e monitoramento. Todos sabem onde ocorre desmatamento, garimpo, extração madeireira, invasões de áreas indígenas e quilombolas, narcoeconomia, contrabando de flora e fauna.
Qualquer comerciante desses locais percebe quando e onde está ocorrendo movimentação de peões, deslocamento de motosserras, tratores, alimentos, indicando a necessidade de fiscalizar e monitorar os principais eixos rodoviários e fluviais.
A presença das Forças Armadas nestes locais estratégicos é importante, nos quais a ausência do Estado apresenta uma linha tênue, sem garantias quanto a segurança pessoal para técnicos do Ibama, ICMBio, Secretarias Estaduais e Municipais de Meio Ambiente.
Não vejo dificuldade para reduzir os desmatamentos de médios e grandes produtores, pois representa apenas 17% do universo de produtores identificados no Censo Agropecuário 2017. Já para os pequenos produtores (83%), pela sua pulverização, é mais difícil de monitorar e fiscalizar. Neste caso, o próprio desmatamento deve fazer parte da politica ambiental até que surjam alternativas tecnológicas e econômicas para este segmento produtivo.

AgriBrasilis – Qual o caminho para aliar a produção sustentável com o desenvolvimento agrícola na região?
Alfredo Homma – Desenvolvimento sustentável não existe, mas um desenvolvimento mais sustentável é possível. Já há muito desmatamento na Amazônia e precisamos sair do discurso para a prática.
Imigrantes japoneses que se estabeleceram em 1929 no município de Tomé-Açu continuam no mesmo local até hoje, após 93 anos, indicando que a permanência depende do tipo de atividade, nível tecnológico, educação formal, esforço e da existência de mercados.
Sem mercados e rentabilidade não é possível garantir sustentabilidade econômica, social, política ou ambiental. Muitas propostas colocadas em prática na Amazônia são imaginárias, dependentes de outras ações ou de transferências governamentais.
Devemos apoiar a segurança alimentar das populações na região (hortaliças, arroz, pequenos animais, fruteiras), acabar com importações de cacau, óleo de dendê e borracha, que juntam somam US$ 1 bilhão e 600 mil hectares que poderiam ser plantados com essas três culturas nos próximos 5 a 10 anos, com mercado assegurado.
Devemos promover uma revolução na piscicultura, aumentar a produtividade da pecuária no médio prazo para reduzir as áreas de pastos pela metade e dobrar a atual área reflorestada de um milhão de hectares.

AgriBrasilis – O que diz a legislação a respeito da obtenção de novas terras para cultivo?
Alfredo Homma – Defendo que é mais lucrativo utilizar terras para fins produtivos do que adquirir a terra para fins especulativos.
Cresceu nos últimos anos na Amazônia o mercado de arrendamento de terras para grãos, reflorestamento, dendezeiro, cacaueiro, pastos, etc.
Maior monitoramento e fiscalização poderiam quebrar o mecanismo de criação de novas fronteiras agrícolas, acabar com a compensação de Área de Reserva Legal e Área de Preservação Permanente, cumprir os requisitos do Cadastro Ambiental Rural e acabar com ação de grupos reduzidos de produtores e especuladores, que estão denegrindo a imagem do conjunto de produtores da Amazônia.

AgriBrasilis – Quais as espécies de maior relevância econômica e como se dá o combate da biopirataria?
Alfredo Homma – Plantas que apresentam perspectivas de serem plantadas nos locais mais próximos de consumo são o açaizeiro, bacurizeiro, cupuaçuzeiro, uxizeiro, jambu, entre outras, e são um convite a biopirataria.
Sobre a fauna: o pirarucu, tambaqui e outros peixes amazônicos de valor gastonômico. Os locais própícios para biopirataria seriam o Vietnã, além de outros países asiáticos e africanos. O Vietnã se tornou em um grande centro produtor de produtos tropicais (pimenta do reino, borracha, café, cacau, castanha do caju), com mão de obra mais barata, menores restrições ambientais e próximo de grandes mercados consumidores como a China e Japão.
Biopirataria existe há milênios. A agricultura brasileira é praticamente exótica (cafeeiro, soja, milho, bovinos, bubalinos, aves, laranjeira, bananeira, pimenta do reino). A contribuição do Novo Mundo para a agricultura mundial foi a mandioca, batata inglesa, milho, seringueira, cacaueiro, tambaqui, entre as principais.
A formação de um parque produtivo forte, com a domesticação dos recursos da flora e da fauna amazônica que tenham mercados é a melhor segurança com relação a biopirataria. Existe a velha bioeconomia já conhecida: alcool carburante, vinhos, cervejas, cachaça, queijos, iorgutes, etc. Quanto a nova bioeconomia na Amazônia, ela vai depender do plantio des espécies extrativas que chegaram no limite da capacidade de oferta, tentar a sua verticalização e descobrir novos produtos. Não é através da coleta da floresta em pé.

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