Os produtos do setor sucroenergético configuram o quarto principal produto exportado pelo agro Brasileiro entre janeiro e julho de 2021,atingindo US$ 5,75 bilhões de dólares, cerca de 7% do total de US$ 72 bilhões exportados, segundo dados do governo.
Nos últimos meses, contudo, as lavouras de cana-de-açúcar têm sofrido com as intempéries climáticas, primeiro a seca e posteriormente geadas.
Entrevistamos Denis Arroyo Alves, Diretor Executivo da ORPLANA – Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil que representa aproximadamente 11 mil fornecedores de cana em toda Região Centro-Sul do Brasil, para comentar esse cenário, bem como algumas tendências do setor.
AgriBrasilis – Qual o impacto da seca e frio (geadas) nas lavouras de cana de açúcar?
Denis Alves – Já viemos de uma safra ano passado bastante seca, que acabou não trazendo naquela safra momentaneamente prejuízos maiores, mas já sinalizava para essa próxima, de hoje, uma safra menor. Nós começamos a safra falando em 605 milhões de toneladas da centro-sul, a gente deveria estar próximo a 570, no horizonte mais catastrófico de 530 milhões para esse ano. Então veio mais um verão muito seco que não era esperado, perto do final de safra, que comprometeu a cana de início de safra e em desenvolvimento, então entrou com uma expectativa ainda mais baixa quando começou. E foi uma safra que já começou mais tardia por ter um volume menor, a quebra real é em torno de 7% .
E aí tivemos diversos episódios de geada, em alguns lugares tivemos 7 episódios de geada. Vou falar em 2 ou 3; a primeira de intensidade não tão forte, mas abrangência muito grande, ela pegou do Paraná até Goiás, e essa afetou principalmente o Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, que eram regiões onde a quebra estava sendo pequena por causa da seca.
Passa algumas semanas vem uma segunda de intensidade maior, mas abrangência menor, e que pegou algumas regiões de São Paulo que ainda não tinha atingido, como Ribeirão Preto, Piracicaba, o polo Jaú, Assis muito forte, e – estamos muito próximo da segunda metade da safra – pega alguma parte de cana já pronta, a gente brinca que isso traz um efeito até de maturação para essa cana que já está pronta, ela concentra mais o açúcar, mas pega muita cana que estava crescendo ainda, chegando para o final da safra, pegou um pouco de áreas de plantio, e algumas áreas de brota, onde já tinha sido colhido, vinha crescendo e foi atingido.
O pessoal precisou mudar muito o planejamento de colheita, correr atrás de cana que tomou mais impacto da geada para tirar o quanto antes. É importante colher, tirar essa cana se não ela começa até a apodrecer no campo. Você começa tirar canas não tão maduras e de uma pureza menor, isso começa a trazer um ATR mais baixo de qualidade , e um problema até para as usinas em fabricação de açúcar, por que entra muita impureza junto.
Aí veio um terceiro episódio e ficou tudo ruim, a grande maioria vai colher cana com geada até o final da safra, o final da safra tende a ser curto, a gente imagina um volume hoje em torno de 530 milhões, com risco ainda de ser abaixo disso. Uma safra que se der esse número termina em meio de outubro, começou tarde, terminará cedo. E essa terceira geada compromete mais a visão que temos da próxima safra, começa a ficar no risco de não ter muda suficiente para o próximo plantio.
Essa cana que vinha se desenvolvendo seria cana de muda, a rebrota que vinha acontecendo para iniciar uma safra entre março e abril, você tem que roçar e ela começa de novo todo o ciclo vegetativo, então eu imagino que seja uma entressafra longa, o que normalmente é custoso tanto pro produtor quanto para as usinas. Há também o risco de uma renovação menor de canavial por que o produtor olha e pensa que a melhor coisa nessa hora é não gastar quase nada, não vou gastar muda para plantio, vou moer essa cana e fazer mais dinheiro.
É importante dizer que apesar dos preços estarem muito fortes, 85% do custo do produtor é fixo, precisa de preço, mas precisa de volume para diluição desse custo fixo. Então o tanto que o preço está subindo, talvez numa usina ainda equilibre um pouco essa quebra para a cana própria da usina, mas para o produtor ainda ele não é suficiente, então a gente tem entrado até com o pleito junto ao Ministério da Agricultura, ver se consegue algum estímulo, socorro alguma linha desse tipo, diferente do que pode conseguir pra usina, o produtor é bastante importante.
Até para não deixar que ocorra o envelhecimento desse canavial no próximo ano e com isso ter um ciclo de baixa por 4 ou 5 anos por uma renovação ruim.
AgriBrasilis –Como o mercado está reagindo a isso?
Denis Alves – Estão tomando pé das notícias aos poucos , os preços subiram muito já enxergando esses sinais de quebra, tem muita gente nos procurando todos os dias pra falar sobre isso. O mercado começa a perceber agora uma escassez mais forte do que imaginava, um risco aí do açúcar, por que temos compromissos internos com a matriz energética, de manter etanol anidro suficiente para frota brasileira, com isso tem que desviar um pouco mais para uma safra mais alcooleira, então o volume de açúcar ofertado dever reduzir razoavelmente.
Nós temos depois o mercado olhando ai uma safra que termina muito cedo os estoques de passagem podem ser baixos e botar mais pressão, e uma quebra de 70 milhões de toneladas não tem ninguém no mundo que consegue recolocar, o Brasil é o primeiro com muita vantagem em volume. Então tem pressão de preço de açúcar que se reflete em pressão no preço do etanol, mas o etanol tem seu limite, ligado ao preço da gasolina, então ele sobe até um determinado patamar, passou daquela paridade de 70% o mercado se ajusta .
Mas mesmo assim a gente vê que ainda é uma safra altista esse ano, e provavelmente a do ano que vem também vai ser de preço bastante alto.
AgriBrasilis – Novas tecnologias estão proporcionando o desenvolvimento de “plástico verde” a partir da cana de açúcar. Isso deve estimular a produção de cana? Em que horizonte de tempo?
Denis Alves – Para o produtor de cana, não, nós recebemos pelo Consecana, um pagamento que as usinas fazem para os produtores baseado no mercado de açúcar e álcool. Então nesse caso, e por exemplo a bioeletricidade, o produtor não participa , não recebe.
A gente vem discutindo muito isso, que o consecana teve um papel importantíssimo no desenvolvimento do setor sucroenergético, mas ele precisa de uma revisão para incorporar outros produtos, se não ele fica muito fora de mercado, e quando chega uma cultura muito de mercado perto da gente, as vezes ela acaba deslocando áreas para essa cultura. Exemplo do que está acontecendo com a soja, principalmente no estado de São Paulo, ela vem a mercado com preços extremamente remuneradores, mesmo em um ano de pico de preços de cana a soja, vem com sobra em cima disso, então se o produtor não participa desses demais produtos e isso não traz pressão de preço para o negócio, o produtor não tem estímulo, ele está olhando somente para o mercado de açúcar e etanol,
AgriBrasilis – Quais as oportunidades no mercado de bioeletricidade?
Denis Alves – Pro Brasil é um mercado muito mal explorado, tem um potencial gigantesco, eu fui diretor agrícola de uma usina não muito tempo atrás, nós explorávamos muito a cogeração, era talvez o principal produto das usinas em termos de resultado. A usina é antes de tudo uma termelétrica, é uma e está por todo o país, é uma geração descentralizada, não precisa estar investindo em redes de longa distância. Também confere à rede uma estabilidade imensa, graças à produção constante, 24 horas.
Estamos atrás de novidades, mas às vezes viramos as costas para algo que já tem pronto. Óbvio que fotovoltaica e eólica é interessante, mas a biomassa já está pronta e há pouco estimulo. Acabou de sair um leilão recentemente com deságio de mais de 30%, com preços abaixo de uma capacidade normal de remuneração, então isso acaba trazendo pouca atratividade para as empresas que ainda não cogeram ou cogeram no mercado spot.
É um desperdício, a gente só lembra da bioeletricidade nos anos de muita seca, e além de tudo ela tem uma inteligência complementar, as usinas cogeram principalmente na época de seca quando o nível dos reservatórios hídricos está baixo, seria uma energia de complementariedade fantástica à hidrelétrica.
AgriBrasilis – Qual o balanço do RenovaBio para o setor até agora?
Denis Alves – Um pouco parecido com o dos outros produtos que a gente já comentou, é uma lei que nasce do governo, super interessante, o mundo está buscando esse tipo de regulamentação. Porém o produtor de cana ficou fora disso, na lei ele não está presente, embora basta um pouquinho de bom senso para entender que em um biocombustível não tem como a parte bio não estar presente, a parte de produção de biomassa no geral. Não é só o etanol, mas biodiesel também, foi um primeiro ano bastante interessante, o segundo um volume maior também, bastante remunerador, mas agora ele está em um ano já mais de baixa, o mercado aprendendo a lidar com isso ainda, é normal, dentro de uma regulamentação. Mas temos uma discussão muito grande hoje, se o produtor recebe direito dele do crédito de carbono, o CBio ou não, se a usina vai pagar só 50%, e a gente quer o direito, uma vez que o fundo agrícola é a referência da geração dessa questão, a cana compensa toda a emissão do etanol gerado, então como o produtor não está recebendo? Mas acho um programa fantástico, acho que é uma questão de tempo, de ajuste, e ele pra ser mais que ambientalmente correto, pra ter sustentabilidade- e hoje a gente gosta tanto da sigla ESG – não dá para deixar o produtor de fora, se tem uma parte social desse negócio no Brasil, é o produtor de cana.
