“Estamos perante um parceiro cuja economia é mais complexa, a sua estrutura produtiva mais sofisticada, com um mercado de maior rendimento…”
Guido D’Angelo é economista sênior na Bolsa de Comércio de Rosário, formado em economia pela Universidade Nacional de Rosário, com mestrado pela Università degli Studi di Roma.
Patricia Bergero é subdiretora de informações e estudos econômicos na Bolsa de Comércio de Rosário, membro do Comitê Executivo do Programa Carbono Neutro da Argentina, e colunista de agricultura.

Bergero e D’Angelo, subdiretora e economista na Bolsa de Comércio de Rosário, respectivamente
AgriBrasilis – Quais os impactos do acordo Mercosul – União Europeia para o agro da Argentina?
D’Angelo e Bergero – A conclusão do acordo Mercosul-UE deve ser favorável para a agricultura argentina. Estamos perante um parceiro cuja economia é mais complexa, a sua estrutura produtiva mais sofisticada, com um mercado de maior rendimento.
A Argentina tem um nível de exportações relativamente baixo, com um crescimento lento, e uma cesta de exportações concentrada com relação aos produtos e destinos. O acordo facilitaria não só a expansão dos volumes de produtos que já se destinam à UE, mas também a abertura de mercado para outros produtos, principalmente oriundos de economias regionais. O desenvolvimento de boas políticas, a aquisição de tecnologia e a entrada de investimentos impulsionarão os processos de crescimento e modernização nas cadeias de valor agroindustriais argentinas.
AgriBrasilis – Por que haverá redução gradual dos direitos de exportação de soja e quais as consequências?
D’Angelo e Bergero – A redução gradual dos direitos de exportação do complexo soja ocorre durante um período mais longo do que para outros produtos. Isso é motivado pela importância dos recursos aduaneiros para esse grupo de produtos, uma vez que foram – e ainda são – uma parcela importante da arrecadação tributária argentina. Na verdade, o complexo soja constitui 80% dos recursos dos direitos de exportação agroindustriais.
AgriBrasilis – Como deve funcionar o sistema de alíquotas de exportação?
D’Angelo e Bergero – A Argentina impõe taxas de exportação sobre o complexo da soja há décadas. Essas taxas não têm sido inferiores a 20% do FOB para qualquer produto do complexo há mais de 23 anos.
A recente redução das tarifas de exportação é um alívio temporário para o setor, que terá uma redução nos pagamentos de 33% para 26% pela soja, enquanto os produtos industriais, como óleo e farelo de soja, passarão de 31% para 24,5%, até junho de 2025. É necessário continuar a reduzir os direitos de exportação até que sejam completamente eliminados.
AgriBrasilis – A UE impõe maiores tarifas sobre o óleo de soja argentino, com taxas mais elevadas quanto mais processado é o produto. O que muda com o acordo Mercosul-UE?
D’Angelo e Bergero – Isso mesmo, o óleo de soja argentino é penalizado com alíquotas mais altas quanto mais processado for. O óleo bruto para usos industriais tem atualmente a tarifa mais baixa; com o acordo, essa tarifa deve passar de 3,2% para 0%.
O óleo bruto para outros usos, excluindo usos industriais, tem uma tarifa de 6,4%, enquanto o óleo refinado para usos industriais tem 5,1% e o óleo refinado para outros usos não industriais tem uma tarifa de 9,6%. Esse último será reduzido para 7,68% com a aplicação do acordo, para 5,76% no 1º ano, com reduções sucessivas até atingir 0% no início do quarto ano.
Os três últimos tipos de óleo citados terão um processo de redução de impostos de cinco períodos anuais de eliminação após o começo da vigência do acordo, até chegar a zero. As perdas serão da mesma magnitude em todos os períodos.
AgriBrasilis – Em quanto devem ser reduzidas as retenciones? Quais as possíveis consequências?
D’Angelo e Bergero – No caso do complexo soja, as posições mais relevantes serão consolidadas em uma tarifa de exportação de 18% no primeiro dia do 5º ano após o início da vigência do acordo. A partir de então, as alíquotas deverão ser reduzidas em cortes lineares anuais de 1 ponto percentual a partir do 1º dia do 7º ano de vigência do contrato, até o início do 10º ano, quando a alíquota final será de 14%. Todas são taxas máximas a serem aplicadas, uma vez que não há obstáculo para a Argentina estabelecer uma taxa de exportação inferior ao que é explicado aqui. Esse regime inclui, dentre os principais produtos, tanto a farinha de soja como os pellets, bem como o biodiesel, o óleo de soja e os grãos de soja, sendo que existe a possibilidade de aumentar o volume de alguns desses produtos no mercado europeu.
AgriBrasilis – Quais as expectativas para a safra de soja e como competir com a soja brasileira?
D’Angelo e Bergero – As perspectivas para a soja 2024/25 foram inicialmente muito favoráveis, com área de 18 milhões de ha. O regime de chuvas foi deficiente durante grande parte do verão até o momento, o que afetou as reservas de água do solo em superfície e em profundidade, aumentando as incertezas sobre a produção final. Contudo, na primeira semana de fevereiro, fundamental para a definição dos rendimentos, dois eventos de precipitação de curto prazo, mas com boa cobertura espacial, melhoraram as perspectivas.
Os aumentos de área e rendimento para campanhas futuras dependem em grande parte dos direitos de exportação que a Argentina aplica ao complexo soja – e culturas concorrentes – uma vez que uma taxa de 33% nas exportações (regime atual) afeta a competitividade da oleaginosa.
LEIA MAIS: