Os problemas de armazenagem e escoamento do Agro podem se repetir em 2024?

“É uma razão clara para que o agronegócio brasileiro trabalhe em planos mais robustos de investimento em logística…”

Marcos Rubin é fundador da Veeries, empresa de inteligência do agronegócio especializada em gerar valor a partir de dados.

Rubin é especialista em agronegócio, formado em engenharia industrial pela Universidade Federal de Santa Catarina, com MBA pela Fundação Dom Cabral.

Marcos Rubin, fundador da Veeries


AgriBrasilis – Os problemas de armazenagem e escoamento de 2023 podem se repetir em 2024?

Marcos Rubin – Havia esse risco no início da safra, mas de lá para cá uma série de fatores amenizaram essa pressão. A estiagem e as altas temperaturas no Centro-Oeste no fim do ano passado tiveram três efeitos: primeiro, reduziram a produtividade em algumas regiões de soja precoce; depois, encurtaram o ciclo das lavouras, antecipando a colheita; por último, atrasaram o plantio das lavouras de ciclo médio e tardio. Ou seja, a colheita começou mais cedo e vai terminar mais tarde do que na safra passada, para uma produção total que deve ser mais ou menos parecida em volume.

AgriBrasilis – Podemos ver novamente uma situação de forte pressão sobre a logística agrícola?

Marcos Rubin – É preciso ter em mente que a situação de forte pressão sobre a logística que tivemos no ano passado, embora tenha tudo para não se repetir neste ano, poderá voltar mais adiante.

Considerando as projeções de crescimento de área plantada e uma evolução da produtividade das lavouras sob condições normais de desenvolvimento, poderemos ver novamente aquilo que aconteceu em 2023: vias, terminais e berços portuários próximos do limite de capacidade nos portos brasileiros. É uma razão clara para que o agronegócio brasileiro trabalhe em planos mais robustos de investimento em logística para os próximos anos.

AgriBrasilis – O senhor disse que tivemos um início complicado para safra de soja no Brasil? Qual a situação agora?

Marcos Rubin – O início da safra foi de fato complicado. O clima foi seco e quente na maior parte do Centro-Oeste, principalmente no MT. Isso prejudicou especialmente as áreas de soja precoce, e os danos ao potencial produtivo estão sendo confirmados agora na colheita. A soja de ciclo médio e tardio, porém, se desenvolveu sob condições melhores e ainda pode ter bons níveis de produtividade.

Pelo menos neste momento da safra, acreditamos numa safra de tamanho muito próximo ao da anterior. Não teremos mais um recorde de produção, mas também não vemos um cenário tão catastrófico quanto aquele que uma parte do mercado tem defendido.

“…podemos dizer que a lucratividade dos produtores nesta safra será aproximadamente a metade do que foi na temporada anterior.”

AgriBrasilis – As importações chinesas de soja do Brasil estão voltando com toda força. O que limitou as importações da China nos últimos anos? 

Marcos Rubin – De fato, as importações chinesas de soja passaram de 100 milhões de toneladas em 2023. Podemos dizer que foi uma volta à normalidade depois de um período marcado por restrições, seja do ponto de vista da oferta ou da demanda, que limitaram a importação pela China a uma média de 93 milhões de toneladas anuais nos últimos cinco anos.

Em 2018, começou a guerra comercial que limitou as compras chinesas de soja americana, criando uma limitação de oferta. Quase ao mesmo tempo surgiu a epidemia de febre suína africana, que dizimou 30% do rebanho chinês, reduzindo a demanda. Logo depois, a safra americana 2019/20 sofreu uma quebra de 20% devido à problemas climáticos. Na sequência, veio a covid-19. O que os resultados do ano passado mostram é que, tendo oferta, e na ausência de choques de demanda, as importações chinesas de soja vão continuar crescendo.

AgriBrasilis – Levando em consideração a queda das margens do produtor rural em 2023, estamos em um período de crise, ou de “ajuste” do setor agrícola? O que podemos esperar para o futuro próximo?

Marcos Rubin – Estamos num momento que pode ser considerado de ajuste para as cadeias do agro – e que é perfeitamente natural na sequência de uma fase de margens elevadas como a que vivemos nos últimos anos.

De modo geral, podemos dizer que a lucratividade dos produtores nesta safra será aproximadamente a metade do que foi na temporada anterior. É verdade que, em outros momentos da nossa história, essas fases de ajuste coincidiram com fortes crises do setor agrícola brasileiro. Mas isso não necessariamente vai se repetir agora.

A agricultura brasileira se consolidou e hoje é muito mais resistente do que no passado, principalmente do ponto de vista agronômico. Além disso, a gestão das propriedades rurais se aprimorou e o setor agrícola tem à disposição mais alternativas de financiamento do que no passado. Economicamente, o fato de o Brasil estar saindo de um ciclo de aperto monetário também ajuda. O ajuste vai mudar algumas coisas, sem dúvida: a taxa de investimento no campo tende a cair e a própria dinâmica do mercado de insumos, marcada nos anos recentes por aquisições bastante antecipadas, tende a ser alterada. Mas o setor está muito bem-posicionado para atravessar essa fase e emergir mais forte para a próxima onda de crescimento.

 

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