“A COP 30, que ocorrerá em Belém, PA, oferece uma oportunidade adicional para posicionar a agricultura e a segurança alimentar como temas relevantes da agenda climática…”
Jorge Meza é representante da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO no Brasil, engenheiro florestal pela Universidade Federal do Paraná, especialista em engenharia econômica e mestre em silvicultura pela Universidade de Göttingen.
AgriBrasilis – O Brasil vai atingir as metas de redução da fome até 2030?
Jorge Meza – Atingir a meta de fome zero até 2030 é um desafio global, mas apesar de o mundo todo ainda estar muito distante desse objetivo, o Brasil tem mostrado avanços recentes. Após ter saído do Mapa da Fome em 2014, o país voltou a figurar nele em 2021. No entanto, dados recentes da FAO indicam uma inflexão positiva.
O valor médio da prevalência da subalimentação no triênio 2021 – 2023 foi de 4,2%, e no triênio 2022 – 2024, esse valor foi de 3,9%. Para sair novamente do Mapa da Fome, o país precisa reduzir esse valor para menos de 2,5%. Para isso, será crucial manter e intensificar o trabalho com enfoque de duas vias: ações imediatas para populações vulneráveis, como o fortalecimento do Bolsa Família e da alimentação escolar, e políticas estruturais que garantam renda, emprego, produção e acesso à alimentos saudáveis.
AgriBrasilis – Que projetos a FAO comanda nesse sentido?
Jorge Meza – No Brasil, a FAO atua com assistência técnica em projetos voltados à agricultura familiar, segurança alimentar e uso sustentável dos recursos naturais, sempre em parceria com o Governo Federal. São iniciativas que fortalecem práticas agropecuárias sustentáveis, promovem o acesso à alimentação saudável e apoiam políticas públicas como o recém-aprovado Plano Nacional de Abastecimento Alimentar “Alimento no Prato”.
A FAO também participa da articulação do Plano Brasil Sem Fome e da iniciativa global Aliança contra a Fome e a Pobreza, lançada sob a presidência brasileira do G20. Esses projetos funcionam como laboratórios de boas práticas e contribuem para o desenho de políticas públicas duradouras.
AgriBrasilis – O que mudou quanto à segurança alimentar após a pandemia?
Jorge Meza – A pandemia de Covid-19 teve um impacto profundo na segurança alimentar, com aumento da pobreza, desemprego e desigualdade. No mundo, o número de pessoas com fome chegou a 733 milhões em 2023, cerca de 150 milhões a mais do que em 2019.
No Brasil, a insegurança alimentar severa atingiu 9,9% na média do triênio de 2020 a 2022. Desde então, houve recuperação, com a reestruturação de programas sociais e políticas públicas, mas os indicadores ainda estão acima dos níveis pré-pandemia. A principal mudança foi a redescoberta da importância de sistemas públicos de proteção social e de abastecimento alimentar resilientes ante os choques sanitários, climáticos e econômicos.
AgriBrasilis – Quais regiões são mais afetadas pela insegurança alimentar?
Jorge Meza – De acordo com o relatório O Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no Mundo (SOFI) de 2024, as regiões mais afetadas pela insegurança alimentar são a África e partes da Ásia. Em 2023, uma em cada cinco pessoas passando fome no mundo estava na África, a maior proporção entre todas as regiões. A Ásia também enfrenta um grande desafio: embora a taxa de fome tenha se mantido estável em 8,1%, o continente abriga mais da metade das pessoas subnutridas do mundo. Entre 2022 e 2023, a fome aumentou em sub-regiões como a Ásia Ocidental e o Caribe, além da maioria das sub-regiões africanas.
AgriBrasilis – Como esses dados são avaliados e quais os critérios observados?
Jorge Meza – A FAO utiliza duas principais métricas: a subalimentação (PoU) e a insegurança alimentar baseada na Escala de Experiência de Insegurança Alimentar (FIES). A subalimentação mede a proporção da população sem acesso econômico a uma quantidade mínima de calorias por dia, com base em séries estatísticas e modelos que consideram oferta alimentar, desigualdade no consumo e necessidades energéticas. Já a FIES é baseada em entrevistas diretas com a população, avaliando experiências e comportamentos associados à insegurança alimentar. Os dados são coletados em parceria com instituições nacionais, como o IBGE, e seguem metodologias internacionalmente acordadas.
AgriBrasilis – Houve um desmonte das políticas públicas de aquisição de alimentos a partir de 2015. Essas políticas foram retomadas?
Jorge Meza – A partir de 2015, observou-se a descontinuidade de políticas essenciais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o que contribuiu para o retorno da fome. No entanto, a partir de 2023, houve uma retomada significativa dessas políticas. O Programa Bolsa Família foi relançado, agora alcançando 55 milhões de pessoas. O PAA foi fortalecido, ampliando a compra direta da agricultura familiar com destinação a populações em vulnerabilidade. Também houve avanço na alimentação escolar, que hoje atinge cerca de 40 milhões de estudantes, e no financiamento rural por meio do Plano Safra da Agricultura Familiar. Além disso, políticas intersetoriais, como o registro único de 95 milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade, permitiram a integração de 42 programas sociais. Essa reconstrução de políticas públicas é central para alcançar a segurança alimentar de forma estruturante.
AgriBrasilis – Como posicionar a agricultura e a segurança alimentar no centro das negociações climáticas na COP 30?
Jorge Meza – A COP 30, que ocorrerá em Belém, PA, oferece uma oportunidade adicional para posicionar a agricultura e a segurança alimentar como temas relevantes da agenda climática. A produção de alimentos é diretamente afetada pelas mudanças do clima e, ao mesmo tempo, tem grande potencial de mitigação. A agricultura familiar, em especial, desempenha papel estratégico nesse contexto: é responsável por 80% dos alimentos do mundo, conserva a biodiversidade e pode liderar práticas sustentáveis. Para isso, é preciso garantir financiamento climático acessível para pequenos produtores, ampliar o reconhecimento de soluções baseadas na natureza e integrar a alimentação saudável às políticas de adaptação e mitigação. O Brasil pode liderar esse debate com base em sua experiência em políticas públicas integradas e na cooperação Sul-Sul, inspirando ações internacionais.
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