“O Brasil pode mais que duplicar sua produção de grãos apenas avançando sobre áreas de pastagens subutilizadas…”
Roberta Carnevalli é chefe de P&D da Embrapa Soja, formada em engenharia agronômica, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo, com pós-doutorado na Massey University.

Roberta Carnevalli, chefe de P&D da Embrapa Soja
AgriBrasilis – O que é soja “baixo carbono”?
Roberta Carnevalli – É a soja que carrega menor emissão de gases de efeito estufa no balanço da sua produção, quando contabilizados o sequestro de carbono pelo sistema de produção e todas as emissões dos insumos utilizados e do processo.
AgriBrasilis – De que formas as plantas conseguem sequestrar carbono da atmosfera?
Roberta Carnevalli – Toda planta verde capta o gás carbônico da atmosfera durante o dia e transforma esse gás em açúcares, o que faz a planta crescer e produzir. Quando pensamos em sequestro de carbono, não somente a captação desse gás importa, mas sua deposição e manutenção no solo ou na madeira. Ao crescer, as plantas formam raízes e parte aérea e, quando morrem, formam matéria orgânica, que fica depositada no solo, superfície e subsuperfície.
Toda matéria orgânica em contato com microrganismos e oxigênio se degrada e, assim, o gás carbônico volta para atmosfera. Quanto menor for o revolvimento do solo com matéria orgânica, maior a preservação do carbono imobilizado, caracterizando o sequestro de carbono efetivo. De toda massa de resíduo da lavoura, apenas parte se torna matéria orgânica, e apenas essa parte preservada é considerada efetivamente sequestrada.
AgriBrasilis – Como mensurar o sequestro e emissão de carbono das lavouras?
Roberta Carnevalli – A ciência tem métodos para medir as emissões de gases advindos das lavouras, mas o processo é caro e demanda muito conhecimento técnico. Para definição das emissões de uma lavoura comercial, por exemplo, são utilizados fatores de emissão para cada insumo utilizado no processo de produção.
Para o sequestro é considerada a evolução do estoque de carbono no solo, por meio de análises, ou por modelos matemáticos aprimorados. Para maior precisão desses cálculos, é preciso utilizar calculadoras que considerem os fatores de emissão mais adequados à realidade de produção brasileira e uma boa qualidade de dados primários fornecidos pelos produtores.
AgriBrasilis – Por que as emissões no Brasil são tão relacionadas com o agro?
Roberta Carnevalli – Esse é um assunto polêmico e complexo. Na contabilidade de emissões de um país, são consideradas fontes como energia, agricultura, mudança do uso da terra, indústria e outras. O Brasil possui uma matriz energética muito limpa, pois geramos energia a partir de usinas hidrelétricas e nossa frota usa substancial quantia de etanol. Assim, na contabilidade brasileira, o que mais se destaca não é a emissão advinda da energia, como a maioria dos países que utiliza petróleo e carvão.
Proporcionalmente, o que se destaca no Brasil são as emissões oriundas da mudança do uso da terra e agropecuária (lavouras e pecuária). Porém, mesmo o país fornecendo ¾ da sua produção agrícola para alimentar o mundo, ele emite apenas 5% das emissões totais do planeta. O Brasil carrega uma imagem ruim relacionada a desmatamentos, mesmo produzindo alimentos em apenas 30% de seu território e conservando 66%, coisa que nenhum outro país faz.
O Brasil pode mais que duplicar sua produção de grãos apenas avançando sobre áreas de pastagens subutilizadas. Dos 30% de área aberta no Brasil, apenas 8% são utilizadas para produção de grãos. Os 22% restantes podem ser intensificados e aumentar a produção nacional, sem nenhuma movimentação sobre florestas.
AgriBrasilis – Que práticas são recomendadas para produção de soja “baixo carbono”?
Roberta Carnevalli – O Programa Soja Baixo Carbono da Embrapa está desenvolvendo um protocolo de certificação para soja produzida em sistemas de produção com baixa emissão de gases de efeito estufa e alto sequestro de carbono, relativo a sistemas típicos regionais.
O certificado de Soja Baixo Carbono está apoiado em Boas Práticas Agrícolas que promovam tanto sequestro de carbono, quanto a redução das emissões de gases de efeito estufa. Assim, algumas práticas recomendadas sao Sistema Plantio Direto, respeitando as premissas de revolvimento mínimo, diversificação e rotação de culturas. Outros pontos são: boas práticas de coinoculação da soja, retirando todo o nitrogênio químico do cultivo; otimização do manejo da fertilidade do solo; manejo integrado de pragas, doenças e plantas daninhas; respeito ao zoneamento de risco climático; uso de bioinsumos; etc.
AgriBrasilis – Quais os benefícios para o sojicultor?
Roberta Carnevalli – O primeiro benefício ao produtor é na própria produção. Os sistemas que são conduzidos utilizando boas práticas são mais produtivos, econômicos e resilientes. Essa resiliência é essencial para suportar as alterações climáticas que já vem impactando as lavouras do Brasil, especialmente nos últimos anos (secas, veranicos, chuvas intensas, ondas de calor). Sistemas mais resilientes toleram variações climáticas com menor impacto para produtividade e bolso do produtor.
Um produtor que tem sua produção certificada e com laudos de emissões terá valor diferenciado no mercado, além de menores taxas de juros em financiamentos e prêmios mais interessantes em seguros agrícolas. O selo Soja Baixo Carbono entrará em vigor a partir de meados de 2026, mas o produtor que tiver intenção de ser reconhecido como baixo carbono, pode adotar e aprimorar suas práticas desde já, para que quando o selo estiver no mercado, os efeitos das boas práticas já possam ser detectados nas avaliações a análises.
É importante ter a consciência que ser um produtor baixo carbono significa utilizar sempre as boas práticas, e não esporadicamente. Muitos produtores no Brasil já são baixo carbono e poderão ser certificados quando o selo for para o mercado.
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