“Os produtos biológicos se tornaram uma das apostas mais significativas da agricultura moderna…”
Raphael Godinho, diretor de marketing global da Corteva Biologicals, formado em agronomia pela Universidade Federal de Lavras, mestre em marketing pela ESPM. Atualmente sediado nos EUA.
Gustavo Mamao é head de desenvolvimento de negócios internacionais na IdeeLab, com MBA pelo MIT Sloan School of Management, formado em administração pela UFMG. Atualmente sediado nos EUA.
AgriBrasilis – A experiência internacional mudou sua percepção sobre bioinsumos?
Raphael Godinho – Certamente. Dediquei quase metade da minha carreira ao mercado brasileiro de proteção de cultivos e a outra metade aos mercados globais, em todas as regiões. Nos últimos 5 anos, meu foco tem sido totalmente voltado à construção da Plataforma de Biológicos da Corteva. Essa experiência me proporcionou uma visão ampla. O mercado de biológicos está pronto para um crescimento e uma evolução contínua, a fim de atender às necessidades dos agricultores, independentemente da região, cultura ou mercado.
É claro que esse progresso deve levar em conta as particularidades regulatórias e como essas soluções podem se integrar às práticas agronômicas já existentes. Em nível global, é evidente que os biológicos não são uma “bala de prata”. O sucesso depende da proximidade com os produtores e da garantia de que o conhecimento agronômico adequado esteja presente, não apenas a expertise sobre o produto, mas uma compreensão holística da fertilidade, da fisiologia vegetal e da saúde do solo.
Gustavo Mamao – Morando hoje na região de Boston, a experiência internacional me mostrou a necessidade de construirmos pontes com centros de conhecimento e tecnologia de ponta em setores como saúde humana para o Brasil manter sua liderança nas novas gerações de produtos biológicos. Por outro lado, com a experiência de mercado em bioinsumos do Brasil, com as maiores taxas de adoção de bioinsumos por produtores, e de um jeito brasileiro para gerar inovação, que é mais ágil e prático, podemos ensinar para o mundo os elementos que fizeram do Brasil o líder mundial nesse setor.
AgriBrasilis – Qual o papel do Brasil nesse setor?
Raphael Godinho – O Brasil representa o mercado com o maior potencial de crescimento para produtos biológicos em todo o mundo. Os produtos biológicos se tornaram uma das apostas mais significativas da agricultura moderna e estão se expandindo rapidamente no país, alcançando R$ 19 bilhões em vendas durante a safra 24/25 e registrando uma taxa de crescimento anual de aproximadamente 15%, nos últimos cinco anos. Para o mercado nacional, a Blink projeta que o crescimento anual permanecerá entre 8% e 9% nos próximos anos, ultrapassando R$ 40 bilhões até 2032.
Gustavo Mamao – Há vinte anos, quando pela primeira vez eu tive contato e experiência com uma empresa de controle biológico, eu não imaginava a potência que o Brasil se tornaria neste setor. Nós fomos educados a pensar que tudo o que vem de fora do Brasil é melhor e, nos últimos meses, trabalhando como desenvolvedor de negócios internacionais da IdeeLab, tenho ficado impressionado com como o Brasil é respeitado neste setor. Recentemente eu estive na Califórnia, em um dos eventos de bioinsumos mais influentes, e todos falavam do Brasil como a referência, o exemplo a ser seguido.
Temos que aproveitar essa percepção super positiva e, enquanto setor, precisamos pensar e trabalhar melhor as oportunidades de internacionalização. Como eu digo internamente na IdeeLab, não basta traduzir o que fazemos para o inglês; precisamos ajustar a nossa mentalidade para pensar como quem está em outros mercados.
AgriBrasilis – Quais as diferenças do país ante os outros principais mercados?
Raphael Godinho – Globalmente, cerca de 35% dos agricultores utilizam produtos biológicos em suas operações. De modo geral, espera-se que o mercado global de produtos biológicos alcance cerca de US$ 26 bilhões até 2035, à medida que as taxas de adoção continuem a crescer nos próximos anos.
O Brasil se destaca nesse cenário global pela abertura de seus agricultores em adotar soluções inovadoras que potencializam a produção agrícola. Os produtores brasileiros são reconhecidos por integrar novas tecnologias às suas práticas de manejo, incluindo os biológicos, para aprimorar a sustentabilidade, a produtividade e a resiliência no campo. Essa mentalidade progressista posiciona o Brasil como um dos mercados mais dinâmicos e promissores.
Gustavo Mamao – Todos avaliam as oportunidades em cada mercado levando em consideração o framework regulatório daquele país, que tem grande influência para o setor de bioinsumos. Nos últimos anos, o Brasil evoluiu muito e isso se tornou um ponto positivo. Outra diferença é como cada região leva em consideração suas vocações locais de produção. Por exemplo, o Brasil é o maior produtor mundial de café, enquanto a Califórnia é a maior produtora mundial de amêndoas. Mas tem hora que isso cria também uma visão muito restrita. Será que os produtores de amêndoas dos EUA poderiam aprender práticas de manejo de biológicos com produtores de café brasileiros?
No caso de algumas diferenças mais sutis, a forma de fazer negócios são também diferentes. Uma empresa dos EUA é super racional na hora de tomar suas decisões de testar ou desenvolver um novo produto, com uma mentalidade focana no “que pode dar errado”. Enquanto uma empresa brasileira é mais levada pela emoção, trabalhando mais com a visão do que “pode dar certo”. No fim, a combinação dos estilos pode ser uma ótima fórmula para o sucesso.
AgriBrasilis – O que faz um projeto/produto dar certo no campo?
Raphael Godinho – Para que um produto biológico tenha sucesso no campo, é essencial seguir as recomendações de uso indicadas no rótulo e as orientações do engenheiro agrônomo responsável. O sucesso depende da interação de diversos fatores positivos, desde a qualidade intrínseca do produto até as condições ambientais e o manejo da cultura. A viabilidade dos microrganismos e sua atuação eficaz na lavoura e no ambiente são fundamentais.
A Corteva Agriscience é uma empresa de tecnologia agrícola focada em inovação. Investe globalmente cerca de US$ 4 milhões por dia em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em todas as suas áreas de negócio, incluindo proteção de cultivos e sementes. Além disso, realiza extensas pesquisas e testes com todos os produtos lançados no mercado, assim como as empresas de tecnologia biológica com as quais mantém parcerias. Também trabalhamos com cientistas e agricultores em todo o mundo para testar esses produtos, garantir sua eficácia e identificar como os produtores podem utilizá-los para alcançar os melhores resultados.
Gustavo Mamao – A IdeeLab segue uma abordagem super sistemática e com alto controle de qualidade durante todo o processo. Trabalhamos com um processo de inovação baseado em TRLs (Technology Readiness Levels). Esse processo leva em consideração o efeito do bioinsumo em seus vários estágios de desenvolvimento, do laboratório até o campo, e dialoga fortemente também com a viabilidade econômica do processo produtivo. Um produto biológico com um processo produtivo longo e complexo pode não se demonstrar viável.
Passando por esse processo, nossos clientes que são empresas do setor de bioinsumos fazem o trabalho de “go-to-market”, que precisa ser centrado nas necessidades do produtor. Por exemplo, o produto tem que ser efetivo, fácil de produzir, mas precisa também levar em consideração a conveniência e a manutenção de suas características no momento de sua aplicação.
AgriBrasilis – O que o mercado ainda não entendeu sobre biológicos?
Raphael Godinho – Embora a adoção de biológicos esteja avançando de forma constante em todo o mundo, ainda existem vários desafios que precisam ser superados para acelerar essa adoção global. Por exemplo, a conscientização e o treinamento dos agricultores continuam sendo fundamentais, já que o uso eficaz de produtos biológicos frequentemente, exige uma mudança de mentalidade e de práticas. Nesse contexto, dados robustos, transparentes e com base científica são essenciais para demonstrar a eficácia, além de garantir a conformidade regulatória e fortalecer a confiança entre as partes interessadas. Esforços coordenados em políticas públicas, educação, inovação e investimento são importantes para liberar totalmente os benefícios dos biológicos.
O mercado de produtos biológicos oferece grandes oportunidades, e hoje estamos apenas vendo a ponta do iceberg das inovações que podem ajudar os agricultores no manejo integrado de cultivos. Esses produtos abrem um caminho totalmente novo para o desenvolvimento de soluções que complementam as tecnologias químicas tradicionais, possibilitando avanços tecnológicos significativos que antes não eram possíveis. Na Corteva, consideramos os biológicos um mercado em expansão, com imenso potencial para uma agricultura mais sustentável.
Gustavo Mamao – O mercado já avançou muito. A expectativa que existia dos produtos biológicos era que eles se comportassem como produtos químicos. Lá atrás, já ouvi de um produtor que reclamava do produto biológico com que eu trabalhava, pois ele não matava as formigas no solo.
Estamos em uma outra fase agora. Existe muito mais consciência de que se trata de um produto com natureza distinta. Mesmo assim, ainda há muito espaço para educação dos produtores, principalmente sobre os efeitos de longo prazo do produto.
O produtor brasileiro também está ensinando o mundo que é possível o manejo a partir de biológicos. Um produtor da Califórnia que nos visitou há alguns meses, parte de uma delegação que foi conhecer mais sobre bioinsumos no Brasil, voltou impressionado com o que viu: produtores brasileiros de agricultura convencional trabalhando com 1/3 de biológicos dentre seus insumos de manejo.
AgriBrasilis – Qual decisão marcou sua trajetória e por quê?
Raphael Godinho – Um momento decisivo na minha carreira ocorreu há 5 anos, quando tomei a decisão de fazer uma transição após mais de 15 anos na área de proteção de cultivos, para abraçar uma nova oportunidade na Corteva: ajudar a construir o negócio global de biológicos desde o início. Essa mudança abriu as portas para uma ampla gama de experiências: aprender, contribuir, ouvir e liderar, mantendo-me próximo tanto das necessidades dos agricultores quanto do chamado mais amplo da sociedade por soluções agrícolas mais sustentáveis.
Essa jornada também me permitiu colaborar e aprender com especialistas experientes na área de Biológicos, incluindo aqueles que ingressaram na Corteva no início dessa trajetória e outros que chegaram por meio das aquisições mais recentes.
Gustavo Mamao – Eu empreendi neste setor literalmente há duas décadas. Ano passado, quando eu conheci o Ronaldo Dalio, fundador e CEO da IdeeLab, e ele me contou o que estava acontecendo do ponto de vista de inovação no setor, eu fiquei muito impressionado. Era como se tivesse participado do mercado quando ele ainda usava aquele Motorola na cintura e eu acordei e todo mundo estava migrando para o iPhone.
As mudanças na agricultura não acontecem da noite para o dia; elas são mais lentas, pois precisam respeitar ciclos da natureza, mas eu acredito que, quando estivermos lá na frente, mais uns 10 ou 20 anos, vamos ver, sim, verdadeiros saltos a partir da utilização de bioinsumos, e eu quero ver essa transformação acontecer.
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