“Dentro do mercado de bioinsumos as principais espécies utilizadas incluem o Bradyrhizobium japonicum e B. elkanii, difundidos na cultura da soja…”
André Nakatani é gerente de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Biosphera AgroSolutions, formado em ciências biológicas pela Universidade Estadual de Londrina e com doutorado em microbiologia agrícola pela ESALQ/USP.
AgriBrasilis – Como tem evoluído o mercado de inoculantes e qual o seu potencial?
André Nakatani – O mercado de inoculantes está em constante expansão ao longo dos últimos anos, com crescimento médio acima de 14% ao ano, segundo dados da ANPII Bio (Associação Nacional dos Produtores e Importadores de Inoculantes), representando um mercado de mais de 141 milhões de doses comercializadas anualmente.
Esse incremento é reflexo, dentre outros fatores, do maior uso da tecnologia pelo agricultor e da busca cada vez maior por práticas agrícolas de menor impacto ambiental. Um bom exemplo é o caso da soja no Brasil, cultura na qual o nível de adoção da inoculação chegou a 85% da área cultivada na safra 2022/23, ao passo que, a prática da coinoculação (uso de Bradyrhizobium e Azospirillum) alcançou 35% da área cultivada. Na cultura do milho, a taxa de adoção chegou a 22,4% da área cultivada nessa mesma safra. Esses dados mostram que ainda existe grande oportunidade de ampliar o nível de adoção dessas tecnologias e expandir o mercado de inoculantes.
A expectativa é que os bioinsumos sejam cada vez mais utilizados nas lavouras, e nas mais diferentes culturas, não só soja e milho, mas também feijão, cana-de-açúcar, trigo, algodão, café, citros, etc. Tanto a indústria quanto as pesquisas públicas e privadas estão empenhadas no desenvolvimento de novas tecnologias e inovações, trazendo soluções inéditas para a agricultura, com melhorias na nutrição, fisiologia e produtividade das plantas, controle de pragas e doenças, e atenuação de estresses climáticos. Tudo isso será impulsionado com a chegada das novas gerações de bioinsumos (consórcios microbianos, produtos multifuncionais, metabólitos, proteínas, edição e melhoramento genético microbiano). A Biosphera já realiza pesquisas avançadas nesse sentido e espera trazer novidades em breve.
“Para se fabricar inoculantes de alta qualidade são necessários elevados conhecimentos em microbiologia, biotecnologia e bioprocessos”
AgriBrasilis – Quais as principais espécies utilizadas e em que situações são recomendadas?
André Nakatani – Dentro do mercado de bioinsumos as principais espécies utilizadas incluem o Bradyrhizobium japonicum e B. elkanii, difundidos na cultura da soja e responsáveis pela fixação biológica de nitrogênio (FBN), bem como microrganismos de uso mais recente como Azospirillum brasilense, Pseudomonas fluorescens, várias espécies de Bacillus, além de fungos, como Trichoderma harzianum e T. asperellum. Todos esses microrganismos atuam por diferentes mecanismos de ação, que em última análise, proporcionarão um melhor desenvolvimento das plantas e consequentemente uma maior produtividade da cultura.
Esses agentes biológicos são utilizados principalmente no momento do plantio, via TS [tratamento de sementes] ou aplicados em sulco de semeadura. No entanto, dependendo do objetivo, podem ser aplicados via pulverização foliar ao longo do ciclo da cultura. O Azospirillum é consagrado como um grande produtor de reguladores de crescimento, os fitormônios, estimulando principalmente o sistema radicular. As espécies de Pseudomonas e Bacillus são amplamente recomendadas como promotores de crescimento de plantas das mais diversas culturas, e algumas estirpes atuam também sobre fitopatógenos e nematoides. O Trichoderma tem ação promotora e no manejo de doenças. Outro aspecto que vale ressaltar é que muitos desses microrganismos possuem a habilidade de amenizar efeitos de estresses abióticos sobre as plantas, situações cada vez mais recorrentes nas lavouras.
AgriBrasilis – De que maneiras os diferentes genótipos de soja e estirpes de rizóbio afetam a Fixação Biológica de Nitrogênio?
André Nakatani – Mais de 300 ensaios conduzidos pela Embrapa nos últimos 30 anos, comparando-se cultivares precoces ou tardias, convencionais ou transgênicas, de crescimento determinado ou indeterminado, etc., mostram que o uso de Bradyrhizobium e a FBN na soja é efetiva desde que sejam seguidas as boas práticas de inoculação, como verificar a procedência do inoculante, transportar e armazenar adequadamente, seguir as orientações técnicas do fabricante, utilizar a carga mínima de bactérias por semente recomendada pela pesquisa, verificar a compatibilidade com outros produtos, evitar a semeadura em condições estressantes, etc.
Evidentemente que novos materiais de soja sempre chegarão ao mercado. Por isso, as pesquisas devem ser incessantes para assegurar o sucesso do Bradyrhizobium no Brasil, que é o país líder mundial nessa prática. Sabe-se que, embora a FBN seja uma tecnologia de baixo custo e de grandes resultados, ela demanda alto conhecimento tecnológico.
AgriBrasilis – Por que apostar em Bradyrhizobium elkanii para cultivo da soja?
André Nakatani – Atualmente existem quatro estirpes de Bradyrhizobium autorizadas pelo Ministério da Agricultura para produção de inoculantes no Brasil, o B. japonicum 5079 e 5080, B. elkanii 587 e 5019. As estirpes de B. elkanii são usadas comercialmente desde 1979, com grande importância por conta do estabelecimento da sojicultura no Cerrado. No início da década de 90, a pesquisa brasileira, após programa de seleção de novas estirpes, selecionou e adotou também as duas estirpes de B. japonicum, sendo usadas com sucesso desde então, ganhando a preferência da indústria e do agricultor.
Todas essas quatro estirpes têm eficiência comprovada no campo e são efetivas em realizar o processo de FBN na soja. No entanto, as pesquisas mostram que o B. elkanii apresenta maior flexibilidade em certas condições ambientais, como altas temperaturas, excesso ou restrição hídrica. Isso pode ser benéfico em regiões onde essas condições podem ocorrer durante o desenvolvimento da cultura.
Em ocasiões estressantes podem haver alterações hormonais na planta, como aumento da produção endógena de etileno, o que prejudica a nodulação. Esse prejuízo pode ser atenuado pelo B. elkanii, que possui mecanismo de limitação da produção de etileno, que não é identificado em outras espécies de rizóbio. Desta forma, o B. elkanii é uma alternativa interessante, podendo ser utilizada em conjunto com o B. japonicum, ainda mais considerando-se o cenário de condições climáticas adversas cada vez mais frequentes. A partir desse contexto, a Biosphera disponibiliza aos agricultores o produto Nitrosphera Fusion, contendo B. elkanii 5019 e B. japonicum 5079.
AgriBrasilis – Como evitar a reprodução e propagação ilegal desses organismos?
André Nakatani – Isso é uma responsabilidade compartilhada entre diversos setores: órgãos reguladores, pesquisadores, indústria e consumidores. Ao adotar uma abordagem abrangente, engloba-se o atendimento à legislação, o monitoramento e controle contínuo, a inovação tecnológica permanente, estudos e validações técnicas rigorosas, e a segurança e resultado no campo. Assim, assegura-se a qualidade dos bioinsumos, para que tragam os benefícios esperados e que os ganhos pelo seu uso sejam visualizados pelo agricultor ao final da colheita.
A indústria de inoculantes segue rígidas exigências legais e tem compromisso com o controle qualidade, sendo esse o pilar central, desde o desenvolvimento, passando pela produção e desempenho no campo. Para se fabricar inoculantes de alta qualidade são necessários elevados conhecimentos em microbiologia, biotecnologia e bioprocessos. Esse rigor e conhecimento garante a presença do microrganismo de interesse, a concentração e a pureza dos produtos que estão sendo ofertados pela indústria.
Ao manter os altos padrões de qualidade, a indústria contribui para a manutenção da credibilidade conquistada pelos bioinsumos ao longo dos anos e para o crescimento desse seguimento, beneficiando agricultores e o meio ambiente.
AgriBrasilis – Qual é a diferença da coinoculação ante o sistema tradicional de inoculação em cultivos agrícolas?
André Nakatani – Especificamente no caso da sojicultura, a forma tradicional de inoculação, adotada por décadas, envolvia usar apenas o Bradyrhizobium no momento da semeadura. Essa bactéria é fundamental para o fornecimento de nitrogênio necessário para a cultura. A mais de dez anos atrás, após pesquisas lideradas pela Embrapa, desenvolveu-se a técnica de coinoculação da soja.
Com a coinoculação, além do Bradyrhizobium, passou-se a utilizar o Azospirillum brasilense na implantação da lavoura de soja. Essa técnica aliou benefícios já conhecidos do Bradyrhizobium com os do Azospirillum, um excelente promotor de crescimento vegetal que melhora o desenvolvimento das raízes e potencializa o desempenho do rizóbio na soja.
As pesquisas não param, e já existe mais inovação, como no caso da coinoculação tripla da soja: associado ao Bradyrhizobium e Azospirillum, agrega-se uma terceira bactéria benéfica, a Pseudomonas fluorescens, com seus mecanismos complementares. Essa bactéria confere, por exemplo, uma maior disponibilização de nutrientes para a soja. Desta forma, os bioinsumos trazem cada vez mais vantagens para a sojicultura nacional, aliando ganhos ambientais e econômicos. Vale destacar que já existe no mercado o produto BioStart, da Biosphera, que entrega na mesma embalagem o Azospirillum e a Pseudomonas, proporcionando inovação e praticidade ao agricultor.
AgriBrasilis – Como essas bactérias interferem na qualidade do solo?
André Nakatani – Os impactos são positivos, visto que, ao introduzirmos diferentes microrganismos benéficos no solo, estamos promovendo o fortalecimento da biodiversidade microbiana, atuando sobre as populações de organismos prejudiciais, retomando o reequilíbrio do agrossistema, propiciando um ambiente mais favorável para que as plantas possam desempenhar o seu potencial genético.
Ao adotar essa abordagem, busca-se replicar as condições presentes em ecossistemas naturais, sustentados pelas interações ecológicas entre as populações microbianas, onde as diversas espécies coexistem em harmonia.
Uma vez na rizosfera, esses seres microscópicos, devido à sua ampla gama de habilidades, podem realizar várias funções que favorecem o sistema solo-planta, por exemplo: favorecendo a fertilidade do solo, promovendo a ciclagem de nutrientes, atuando na estruturação do solo, produzindo diversos compostos bioativos, melhorando significativamente a saúde e o funcionamento do solo.
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