Aumento da frequência do ácaro-verde-da-cana (S. sacharum) no Brasil

S. sacharum

“…a espécie S. sacharum (ácaro-verde-da-cana) tem sido relatada com maior frequência nas últimas décadas nos canaviais…”

Daniel Júnior de Andrade é professor na Universidade Estadual Paulista – Unesp, coordenador do AcaroLab – Laboratório de Acarologia, engenheiro agrônomo e doutor em entomologia e acarologia pela Unesp.

Gabriel Ramos é graduando em engenharia agronômica pela Universidade Estadual Paulista – Unesp, estagiário e bolsista do setor de acarologia da Unesp.

Daniel de Andrade, professor na Unesp


AgriBrasilis – Ácaros em cana-de-açúcar são motivo de preocupação?

Andrade e Ramos – No momento não há razões para desespero quanto à ocorrência de ácaros-praga em cana-de-açúcar. No entanto, devido às mudanças recentes no manejo da cultura, assim como as mudanças climáticas vivenciadas nas últimas décadas, espera-se que os surtos de ácaros aumentem. Sendo assim, é fundamental o investimento em pesquisas para melhor compreensão desses organismos na cultura. Essas pesquisas podem garantir suporte para estratégias de manejo mais eficientes e de menor custo.

AgriBrasilis – Quais as principais espécies de ácaros fitófagos que ocorrem nos canaviais do  Brasil?

Andrade e Ramos – Diversas espécies de ácaros fitófagos ocorrem em cana-de-açúcar no Brasil. Podemos citar: Abacarus sacchari, Steneotarsonemus bancrofti, Monoceronychus linki, Schizotetranychus sacharum e Oligonychus grypus. Entretanto, a espécie S. sacharum (ácaro-verde-da-cana) tem sido relatada com maior frequência nas últimas décadas nos canaviais do Brasil. Essa espécie já foi relatada nos estados de SP, RJ, PR e MS. Em SP, tem sido encontrada com certa frequência nas regiões de Ribeirão Preto, Jaboticabal e Piracicaba, cidades que possuem grande destaque no setor sucroenergético.

Gabriel Ramos, graduando em engenharia agronômica pela Unesp

AgriBrasilis – O ciclo biológico do ácaro-verde-da-cana é semelhante ao ciclo de outros ácaros tetraniquídeos? Além de cana-de-açúcar, o ácaro-verde infesta outras espécies de plantas?

Andrade e Ramos – Sim, o ciclo biológico do ácaro-verde-da-cana é muito semelhante ao dos demais tetraniquídeos. Durante o desenvolvimento biológico, S. sacharum passa pelas fases de ovo, larva, protoninfa, deutoninfa e adulto (fêmeas e machos).

Resultados preliminares de Ramos (2023) demonstraram que as fases de ovo, larva, protoninfa e deutoninfa apresentam tempo de duração médio de 6,3, 1,9, 3,1 e 4,2 dias, respectivamente. Portanto, a duração do ciclo biológico (ovo até adulto) é de aproximadamente 9,3 dias. As fêmeas apresentam longevidade média de 18,6 dias e fecundidade de 9,4 ovos (ovos/fêmea).

Sobre a segunda pergunta, até o momento sabe-se que o ácaro-verde infesta somente cana-de-açúcar. Contudo, isso ainda não foi estudado adequadamente e podem existir outras plantas hospedeiras.

Ciclo biológico do ácaro-verde-da-cana

AgriBrasilis – Como o ácaro-verde-da-cana pode ser reconhecido no campo? Quais os sintomas e os possíveis prejuízos causados por esta espécie?

Andrade e Ramos – O ácaro-verde-da-cana infesta sempre a superfície inferior das folhas (abaxial), preferencialmente ao longo das nervuras central e secundárias. Além da coloração esverdeada característica, o ácaro pode ser reconhecido por suas teias em forma de X na superfície abaxial das folhas.

Altas infestações desse ácaro provocam o surgimento de estrias de coloração marrom, avermelhadas ou arroxeadas ao longo das nervuras, o que acarreta em seca das folhas.

Resultados de pesquisas indicaram que essa espécie é capaz de reduzir o diâmetro do colmo, porcentagem de fibra e até os açúcares redutores totais (ATR).

Mais detalhes em Silva (2021)

Teias em forma de “X” do ácaro-verde-da-cana

AgriBrasilis – Quais fatores podem explicar o aumento repentino das populações do ácaro-verde-da-cana?

Andrade e Ramos – Diversos fatores podem explicar esses surtos populacionais: a proibição das queimadas, o uso excessivo de defensivos agrícolas (principalmente inseticidas), adubação inadequada (principalmente nitrogenada), plantio de variedades mais suscetíveis ao ácaro, mudanças climáticas, entre outros fatores ainda desconhecidos.

“O ácaro-verde-da-cana infesta sempre a superfície inferior das folhas (abaxial), preferencialmente ao longo das nervuras central e secundárias”

AgriBrasilis – Esse ácaro já foi encontrado em viveiros de mudas pré-brotadas (MPB)?    

Andrade e Ramos – Sim. Levantamos de campo realizados por Silva e Andrade (2022) em viveiros próximos a Ribeirão Preto, SP, revelaram a existência do ácaro em viveiros de produção de mudas pré-brotadas. O ácaro-verde foi encontrado em 13 variedades de cana-de-açúcar: RB975992, CTC22994, CT013377, RB975775, RB995198, RB925279, IACSP911099, CTC20, RB987935, RB867515, IACSP955094, IACC1C52562, CV7870.

Esses resultados causaram preocupação, uma vez que o ácaro poderia estar sendo disseminado via mudas. A boa notícia é que em 2023 foram realizados novos levantamentos nos viveiros e o ácaro-verde não foi encontrado em mais nenhuma variedade. Após os resultados da pesquisa, houve melhorias no processo de sanitização das mudas, o que explica porque o ácaro não foi mais encontrado.

Mais detalhes em Silva e Andrade (2022)

AgriBrasilis – Os sintomas e danos causados pelo ácaro-verde-da-cana podem ser confundidos com sintomas causados por outros ácaros?

Andrade e Ramos – Sim, podem. Os sintomas iniciais do ataque do ácaro-verde-da-cana (S. sacharum) podem ser confundidos com o ataque do tetraniquídeo Oligonychus grypus, conhecido como ácaro-africano-da-cana, relatado inicialmente em poáceas [gramíneas] no leste da África.

Inicialmente ambas as lesões são apresentadas por pequenas manchas esbranquiçadas nas folhas, com a evolução dos sintomas é possível diferenciar os danos causados pelos dois tipos de ácaros. Com o tempo, as lesões causadas pelo ácaro-verde-da-cana se assemelham com estrias avermelhadas por conta da oxidação do tecido vegetal. As lesões causadas pelo ácaro-africano-da-cana, quando evoluídas, apresentam um “mosqueamento” de amarelado a esbranquiçado ao longo do limbo foliar.

Sintomas foliares causados por Oligonychus grypus

AgriBrasilis – Existem acaricidas registrados no MAPA para o controle dessa espécie? Como deve ser o manejo do ácaro-verde-da-cana?

Andrade e Ramos – Diferentemente de outras culturas, como citros e soja, que sofrem constantemente com o ataque de ácaros-praga, no MAPA não existe até o momento nenhum acaricida registrado para o controle do ácaro-verde-da-cana.

Quanto ao manejo, os conhecimentos sobre a espécie e seu potencial de dano são bastante limitados. Portanto, recomenda-se fortemente a utilização de mudas sadias e livres de ácaros-praga. Além disso, o produtor deve ficar atento ao uso exagerado de inseticidas e de fertilizantes, que podem desencadear surtos do ácaro.

Quanto a variedade a ser escolhida, ainda não há informações sobre a existência de variedades resistentes. Em áreas muito infestadas com o ácaro, às vezes é necessário a aplicação de acaricidas biológicos à base de fungos entomopatogênicos, com o objetivo de reduzir as infestações.

 

LEIA MAIS:

Ácaros são mais difíceis de controlar do que outras pragas?