Quebra da safra de soja: o que esperar do mercado de grãos?

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“…a estimativa para a safra nacional caiu para 153 milhões de toneladas, redução de 6% ante o potencial…”

Francisco Queiroz é analista de grãos da Consultoria Agro do Itaú BBA, engenheiro agrônomo pela Universidade Estadual Paulista, com pós-graduação em administração de empresas pela FGV e mestrado pela Universidade Federal do ABC.

Francisco Queiroz, analista da Consultoria Agro do Itaú BBA


AgriBrasilis – Por que deve haver quebra de 20% da safra no MT?

Francisco Queiroz – Dado todo o contexto de irregularidade das chuvas no MT desde o início da safra, com episódios de calor excessivo e chuvas em dezembro que, mais uma vez, ficaram aquém da expectativa e da média para o período, fizemos uma nova revisão para a safra do estado, com impacto para a safra total de soja do Brasil.

Além disso, depois de vários meses consecutivos com temperaturas acima da média, o mês de dezembro se comportou da mesma forma, inclusive com a ocorrência de mais uma onda de calor, que trouxe temperaturas acima de 40°C em diversas áreas do país.

Por isso, reduzimos a produtividade para as lavouras do MT, com uma quebra de safra estimada ao redor de 20% em relação ao potencial e uma safra projetada abaixo das 40 milhões de toneladas. A maior quebra de safra já ocorrida em MT, de acordo com a série histórica da Conab, foi da ordem de 11% (safra 1989/90), de modo que, se nossa estimativa for correta, esse deverá ser o pior ano da história da soja no MT.

AgriBrasilis – De quanto deve ser a queda da produção de grãos no Brasil?

Francisco Queiroz – Estimávamos o potencial da safra brasileira de soja em 163 milhões de toneladas. Com a irregularidade climática, que afetou de forma bastante importante o MT, que é principal produtor de grãos do país, a estimativa para a safra nacional caiu para 153 milhões de toneladas, redução de 6% ante o potencial.

AgriBrasilis – Qual a previsão de produção do PR e RS?

Francisco Queiroz – Para o PR, a Conab projeta uma produção de 21,8 milhões de toneladas, o que representa queda de 3% ante a safra passada, apesar de um leve incremento da área plantada em 2023/24. Porém, o calor intenso e a falta de chuvas têm impactado negativamente as lavouras de soja do estado desde o final de dezembro, o que pode resultar em perdas de produtividade. O Departamento de Economia Rural do PR estima que, caso as chuvas não voltem para o estado nos próximos dias, a colheita poderia atingir menos de 21 milhões de toneladas.

Já o RS deve ter uma importante retomada dos números de produção de soja, depois de duas safras seguidas que foram frustradas por conta da atuação do La Niña, que ocasionou chuvas abaixo da média no estado. Nesse ano, com a atuação do El Niño e boas condições climáticas, a Conab projeta para o estado uma produção de 21,9 milhões de toneladas, 68% acima do produzido em 2022/23.

“…reduzimos a produtividade para as lavouras do MT, com uma quebra de safra estimada ao redor de 20% em relação ao potencial…”

AgriBrasilis – Até que ponto o El Niño contribuiu para esses resultados?

Francisco Queiroz – O El Niño é caracterizado pelo aquecimento do oceano Pacífico e, geralmente, anos de El Niño são favoráveis à ocorrência de chuva no sul da América do Sul. Esse ano, diante da atuação do fenômeno, a região sul do Brasil, bem como a Argentina, tem sido beneficiada com boas chuvas durante a safra, o que deve favorecer a colheita nessas regiões.

Por outro lado, anos de El Niño normalmente são mais secos no Norte e Nordeste do Brasil. Estamos observando exatamente isso, com chuvas abaixo da média há alguns meses nessa parte do Brasil e atraso da chegada de bons volumes de precipitação para o MATOPIBA.

Apesar da influência do fenômeno, as chuvas começaram a acontecer em maiores volumes e mais bem distribuídas sobre o MATOPIBA desde o começo do ano, o que irá favorecer a finalização do plantio e o desenvolvimento inicial das lavouras na região. Projeções da National Oceanic and Atmospheric Administration mostram que o fenômeno deve começar a enfraquecer a partir de agora e isso tende a favorecer a formação das chuvas no Norte e Nordeste do Brasil.

AgriBrasilis – O cenário para o agro nacional ainda é positivo?

Francisco Queiroz – O cenário para as principais cadeias do agro nacional, em geral, deve seguir positivo em 2024, com bons volumes de produção agrícola e pecuária. Exportações também devem seguir elevadas, com a boa competitividade brasileira no mercado internacional e uma demanda externa que tende a seguir firme, com condições macro globais que sugerem melhora no decorrer do ano.

Na produção de soja e milho, para 2023/24 a expectativa é de margens melhores, principalmente em função da baixa dos insumos.

O ponto de atenção fica para as proteínas animais, diante de um cenário que se desenha para menor produção de milho. Se o milho de fato ficar mais caro no Brasil, como tudo indica que vai acontecer, a pressão sobre a rentabilidade da produção de aves e suínos deve voltar.

AgriBrasilis – O que exatamente podemos esperar para o milho?

Francisco Queiroz – O atraso na semeadura da safra de verão do Brasil tira parte da área de milho segunda safra da janela ideal de plantio e isso impõe maior risco climático para a cultura.

Devemos observar queda na área plantada e redução da produção brasileira do cereal na safra 2023/24. A última atualização da Conab (dezembro) projeta queda de 5,3% para a área total e redução de 10,2% para a produção, para 118,5 milhões de toneladas.

Os preços do milho seguem apresentando valorização desde setembro, diante desse cenário de menor produção projetada, e acompanhando a valorização para os contratos futuros do cereal na B3, que também seguem valorizando. Ainda tem muita coisa para acontecer até que o panorama da segunda safra se consolide. Podemos até mesmo ver alguma correção para cima na área plantada esperada, diante da elevação dos preços, porém o cenário climático será determinante para a definição do número de produção.

Caso o clima não seja favorável durante o desenvolvimento da segunda safra, não podemos descartar preços ainda mais altos para o milho no Brasil. O mercado brasileiro de milho voltará para a condição de preços internos com prêmio em relação à paridade de exportação, se descolando do mercado internacional.

Diante disso, será um ano mais desafiador para as proteínas animais, que tem no milho um dos principais insumos para a produção. O cenário para o cereal deve trazer um reflexo altista para as rações e baixista para a rentabilidade da pecuária.

AgriBrasilis – Por que a Argentina pode ser a “fiel da balança” para a soja?

Francisco Queiroz – A expectativa é de uma retomada na produção argentina nessa safra, com uma colheita próxima de 50 milhões de toneladas. Isso será importante para aumentar a oferta mundial do grão. Quando olhamos para o balanço global de oferta e demanda da soja, é importante que uma retomada da produção argentina aconteça, principalmente diante da sinalização de redução de safra do Brasil. O balanço global pode não apresentar folga na safra 2023/24 em relação à 2022/23 como era esperado, a depender do tamanho da safra da América do Sul. Considerando uma safra americana em 112 milhões de toneladas, brasileira em 153 milhões de toneladas e argentina em 48 milhões de toneladas, a relação estoque/consumo global de soja se manteria em 28% na safra 2023/24, a mesma de 2022/23.

O mercado está considerando, neste momento, o incremento da oferta da América do Sul para o atual ano-safra em relação ao ano passado. Considerando os números citados anteriormente, Brasil e Argentina podem colocar esse ano 16 milhões de toneladas de soja a mais no mercado global em relação à 2022/23, quando o Brasil colheu uma safra recorde e a Argentina apresentou a maior quebra de safra de sua história.

 

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