Percevejos causam até 100% de perdas na soja

“Na soja, essas pragas causam a queda de vagens, a não formação dos grãos e afetam a qualidade de grãos e sementes.”

Germison Vital Tomquelski é pesquisador de fitossanidade na Desafios Agro, engenheiro agrônomo, mestre e doutor em agronomia pela Universidade Estadual Paulista.

Tomquelski foi pesquisador responsável pelo setor de entomologia e plantas daninhas da Fundação Chapadão, e professor de entomologia e acarologia da Universidade Estadual de MS.

Germison Tomquelski, pesquisador de fitossanidade na Desafios Agro


AgriBrasilis – Por que os percevejos fitófagos, antes considerados pragas secundárias, se tornaram as pragas mais importantes para a produção de soja e milho?

Germison Tomquelski – Vários fatores podem ser apontados, mas podemos destacar alguns fundamentais:

  1. O sistema de produção tem se intensificado nas diversas regiões produtoras. Consequentemente, a praga passou por adaptações tanto com relação às culturas (soja, milho, algodão, feijão, etc), como também em hospedeiros alternativos, como as plantas daninhas. As populações cresceram safra após safra.
  2. Após 2015, a entrada da tecnologia Bt na cultura da soja também levou a diminuição de inseticidas, que eram aplicados na fase vegetativa da cultura, e tinham certa ação sobre o inicio da colonização dos insetos. Sem esses inseticidas, a praga aumentou sua infestação na cultura mais “cedo”, causando surtos populacionais maiores ao final da cultura.
  3. Também ocorreram mudanças nas espécies que vem crescendo em infestação, caso do percevejo barriga verde, que apresenta ampla adaptação à diversas plantas daninhas. Consequentemente, o percevejo “sobra” mais no sistema de produção, por exemplo.

AgriBrasilis – Quais as espécies mais relevantes desses percevejos e por quê? Como podem ser detectados?

Germison Tomquelski – Dentre as espécies de maior disseminação no sistema estão o percevejo marrom (Euschistus heros) e o percevejo barriga verde (Diceraeus sp.). Essas pragas apresentam ampla adaptação, sendo muitas vezes nativas de diversas regiões.

A detecção ocorre com avaliações visuais, no inicio desenvolvimento da cultura, ou com uso do pano de batida (pano branco colocado entre fileiras): ao chacoalhar as plantas, os insetos caem nesse pano e são contabilizados. Essa estratégia é fundamental para a soja, quando as plantas encontram no estádio reprodutivo, visando contabilizar a presença de ninfas.

As pragas citadas apresentam distribuição desuniforme. Por isso, a representatividade nas amostragens é fundamental para o manejo (bordaduras – manchas de plantas daninhas podem ter populações maiores).

Outra estratégia em desenvolvimento são os feromônios, que podem auxiliar na fase vegetativa. Para o percevejo barriga verde em milho, o uso de iscas pode auxiliar a contabilizar.

AgriBrasilis – Quais as perdas e injúrias causadas por essas pragas e quais as alternativas de controle?

Germison Tomquelski – Os prejuízos são enormes. Essas são pragas podem gerar até 100% de quebra, causando anomalias nas plantas de soja (soja louca 1 – retenção foliar). Os prejúizos normalmente vistos nesses casos são diminuições na ordem de 5% a 30% de quebra nas culturas.

Na soja, essas pragas causam a queda de vagens, a não formação dos grãos e afetam a qualidade de grãos e sementes. No milho, podem causar anormalidades nas plantas, que vão precisar ser re-semeadas, em função de toxinas e danos ao ponto de crescimento.

As estratégias de controle passam por bom monitoramento, identificação da praga e pela utilização das estratégias de controle químico, biológico, cultural, dentre outras, de forma integrada. O controle químico é muito utilizado no Brasil, com ferramentas de eficiências na ordem de 80% a 90% de controle.

Novos inseticidas são esperados para o manejo dessa praga, podendo chegar na safra 2023/24, ajudando na rotação, além de novas estratégias integradas.

AgriBrasilis – Outra novidade para o manejo integrado de pragas é o crescimento populacional da lagarta Rachiplusia na soja. Por que ocorreu esse fenômeno? Quais seus impactos, em que regiões produtivas?

Germison Tomquelski –Rachiplusia nu é uma praga que ocorreu após o avanço da soja Intacta no Brasil. Nas principais regiões produtoras sua infestação tem aumentado, selecionada pela tecnologia Bt 1 (Intacta), já que não era alvo desse controle.

Hoje, essa praga se encontra em estados como PR, SP, MG, GO, MS, MT. Também está em outros estados, mas com menor população. É uma praga desfolhadora, como a Chrysodeixis includens, que até 2015 era a principal praga da soja.

A Rachiplusia nu pode gerar prejuízos de até 30%, índice verificado em trabalhos da Desafios Agro, sendo importante o seu monitoramento e, se necessário, a adoção de medidas de manejo.

Para o controle químico, já se destacam algumas ferramentas: ingredientes ativos como benzoato de emamectina, indoxacarbe e clorfenapir.

AgriBrasilis – No final de 2022, o senhor alertou sobre a pressão de lagartas do gênero Helicoverpa em lavouras de soja OGM. Essa situação deve continuar em 2023? 

Germison Tomquelski – A ocorrência de Helicoverpa no Brasil nas safras 2012/13 e 2013/14 foi uma das mais altas já detectadas. Esse número diminuiu muito, mas em alguns locais e em certos anos podem ocorrer surtos populacionais. O produtor deve ficar atento com o monitoramento.

Esses surtos podem acontecer em determinada região em um ano e diminuir no ano seguinte, podendo até mesmo mudar durante o ano agrícola, ocorrendo hora no começo, hora no final da safra, por exemplo. Essa questão está relacionada ao manejo adotado regionalmente (inseticidas x inimigos naturais), sendo ponto importante de análise.

Em função do potencial destrutivo, a Helicoverpa é uma praga que não pode ser subestimada, podendo levar a grandes prejuízos em diversas culturas.

AgriBrasilis – Qual o estado da quebra de resistência das variedades de soja BT? A tecnologia está obsoleta?

Germison Tomquelski – As cultivares Bt tem sofrido pelo processo da quebra de resistência ou mesmo pelo acontecimento de pragas secundárias, que não eram alvo dessas tecnologias.

Sobre a soja, podemos falar que as cultivares Bt não estão obsoletas. Elas tem funcionado bem para alguns alvos, por exemplo no caso da espécie Chrysodeixis includens, que até 2015 era a principal praga nessa cultura. Porém, a ocorrência de outras pragas, antes consideradas secundárias, tem levado o produtor a realizar aplicações para o controle das mesmas. O conceito de “pest shift” [troca de pragas] é muito importante, porque uma praga cedeu lugar para outra.

Devemos salientar que a biotecnologia, em conjunto com o melhoramento, tem levado o produtor a alcançar maiores produtividades. A tecnologia Bt é importante no cenário atual.

AgriBrasilis – Qual o trabalho desenvolvido pela Consultoria Desafios Agro?

Germison Tomquelski – Ao longo das três últimas safras, nós temos desenvolvido trabalhos de manejo da maioria das pragas incidentes em soja, milho e algodoeiro, sendo trabalhos de controle quimico, biológicos, atrativos, feromônios, dentre outros.

Buscamos levar inovação para o produtor, alternativas seguras, com menor impacto ao meio ambiente e melhor relação custo-beneficio.

 

Ninfas de percevejo marrom (Euschistus heros)

 

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