Artigo por docente da Universidade Católica Argentina.
Ernesto A. O’Connor é graduado em Economia pela Universidade de Buenos Aires (UBA), e possui doutorado em Economia pela Universidade Católica Argentina. Já foi consultor internacional da FAO em questões de desenvolvimento regional e rural, durante 7 anos, e também foi consultor do Banco Mundial. É ex-subsecretário de Planejamento Econômico Regional da Argentina.
Hoje, ele é diretor do Departamento de Pesquisas da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Católica Argentina, diretor do mestrado em Economia Aplicada, e docente Catedrático de Crescimento e Desenvolvimento Econômico na Universidade.
O’Connor cedeu o seguinte artigo para a AgriBrasilis.
A atividade econômica da Argentina foi chocada com a crise do coronavírus, talvez mais do que outras economias. Mas os problemas econômicos da Argentina antes da pandemia eram tão profundos que os desafios de curto prazo,
independentemente do longo prazo, são extremos. Este artigo analisa os desafios macroeconômicos, a questão fiscal e a dívida pública, o impacto da cobiça na atividade econômica e os caminhos de recuperação, nos quais as cadeias
agroindustriais têm papel central.
Desafios e expectativas macroeconômicas O ponto de partida em 2020 não foi dos melhores: longos anos de estagflação econômica, parte da dívida pública inadimplente, uma das maiores inflações de taxas do mundo e expectativas incertas em torno da nova coalizão governante, a Frente de Todos. O ciclo econômico vinha acumulando um processo de estagflação desde 2012, pois o Produto Interno Bruto (PIB) em 2019 era semelhante ao PIB de
2010, expressando quase 10 anos de recessão. Além disso, a inflação deverá registrar uma média de quase 50% ao ano, para o período 2018 – 2020.
A atividade econômica deverá contrair 13% em 2020, a pior queda registrada em um ano, com inflação acima de 40%, taxa de desemprego de 15%, e pessoas abaixo da linha de pobreza estimada em 45%, efeitos pós-coronavírus.
As expectativas econômicas e políticas desempenham um papel importante. A Nova Administração aumentou,
no contexto da pandemia, a intervenção estatal, como fizeram quase todos os países do mundo. No entanto, alguns projetos oficiais não têm se mostrado neutros para expectativas convergentes.
O projeto de reforma judicial, a intervenção estatal no exportador de óleo de soja Vicentin – que ainda não foi resolvido -, o projeto de nacionalização da hidrovia do Paraná, o decreto que estabeleceu que internet, televisão por assinatura e telefonia móvel são serviços públicos, são alguns exemplos. A política monetária está lidando com a incerteza: os controles crescentes da taxa de câmbio (Cepo Cambiário) e dos movimentos de capitais geraram taxas de câmbio múltiplas, com uma diferença de 80% entre o oficial e o marginal.

A oferta de reestruturação da dívida da Argentina, em direção a uma solução Após meses de negociações, quase todos os principais grupos de detentores de títulos apoiaram a proposta final de reestruturação da dívida da Argentina, com 99% de aceitação. Esse compromisso com o governo argentino para chegar a um acordo para a reestruturação da dívida pública externa em circulação da Argentina permitiu a reestruturação de US$ 68 bilhões em títulos estrangeiros.
Após meses de disputas com os credores, o Ministério da Economia anunciou um acordo que suspenderia o pagamento do principal após 2026 e daria aos investidores cerca de 55 centavos por dólar, dependendo do vencimento das notas, um aumento importante em relação à oferta original da Argentina em março passado, de 39 centavos. No entanto, o déficit fiscal de 2020 seria de 12% do PIB. O impacto da Covid na atividade econômica O Fundo Monetário Internacional (FMI) adverte que o choque do coronavírus afundará a economia global em 2020, prevendo um colapso global do PIB de 4,9%. Mas para 2021, o FMI prevê um crescimento global de 5,4%.
O FMI estima que a economia do Brasil deverá encolher 9,1% e a do México 10,5%. Para a Argentina, o Fundo previu que a economia cairá 9,9% em 2020. Mas a maioria das estimativas privadas considera uma queda do PIB de 13% em 2020. Em junho passado, a atividade econômica na Argentina caiu 12,3% em relação ao ano anterior, segundo dados do governo publicados pelo INDEC. O governo da Argentina relaxou seu bloqueio desde agosto, após afrouxar algumas restrições de quarentena em junho.
No entanto, a previsão é de que a economia da Argentina contraia 13% este ano, no ritmo da pior queda registrada em um ano, junto com uma inflação em torno de 40%, uma taxa de desemprego de 15% e pessoas abaixo da linha de
pobreza de 45% . Como a economia pode ser reativada?
Os dois componentes da demanda doméstica, investimento e consumo, não mostram perspectivas encorajadoras para 2021. Os efeitos do Covid-19 sobre o emprego, a informalidade do trabalho e a renda são negativos para o consumo privado. Os salários perderam poder de compra com a alta inflação, fazendo com que o consumo não aumentasse fortemente.
Os maiores perdedores da queda econômica após a Covid-19 são os do mercado doméstico. Os custos de produção e financiamento têm subido, principalmente para as pequenas e médias empresas, sem considerar o grande número de falências em setores críticos como varejo, turismo e gastronomia. As expectativas de investimento não estão convergindo, já que os desafios macroeconômicos ainda não foram resolvidos e o governo não apresentou um plano econômico antiinflacionário abrangente até agora.
O setor de energia tem expectativa de recuperação, expansão em 2021, principalmente ligada à exploração de hidrocarbonetos na área de xisto de Vaca Muerta, e à expansão da mineração, em linha com melhores preços internacionais. Por outro lado, a indústria de transformação voltada para o mercado interno depende da recuperação
do consumo, já que as exportações da indústria dependem principalmente de importações do Brasil, cujo crescimento pode impulsionar a demanda por exportações argentinas, principalmente trigo, indústria e veículos. Importância das exportações agrícolas e agroindustriais na recuperação econômica.
A produção agrícola e de alimentos não foi interrompida pelas restrições de quarentena deste ano. A safra passada de trigo, milho e soja está quase registrada, com uma safra total de grãos estimada em 142 milhões de toneladas. Somando todas as cadeias agroindustriais, suas exportações em 2020 equivalem a 70% do total das exportações do país, por US$ 55.000 milhões. No entanto, maiores incertezas, relacionadas à pressão tributária, ao alto nível das alíquotas dos impostos de exportação, intervenções no mercado – como o caso Vicentin e a nacionalização do Portal
do Paraná -, restrições às importações que podem afetar a importação de fertilizantes, preveem que as intenções de plantio e investimento são mais incertas para os próximos meses.
A experiência do ano passado é ilustrativa: a produção total de grãos entre 2009 e 2014, anos de grande intervenção estatal, foi em média 101 milhões de toneladas. Por outro lado, essa produção, entre 2015 e hoje, foi em média de 132 milhões de toneladas, com políticas mais desregulamentadas, como mostra o gráfico. Outra questão importante é a seca que já se faz sentir na região e as previsões de um fenômeno “La Niña” pelo menos até o final do ano. Isso afetará a possibilidade de plantar muito mais. Assim, o papel positivo do setor agrícola como setor líder na reativação pode ser moderado.
Os desafios econômicos da Argentina são relevantes. As oportunidades de investimento e a capacidade de recuperação do país são fortes. As políticas públicas têm a resposta e a oportunidade de quebrar 10 anos de estagflação e aumento da pobreza.
