Em muitas regiões brasileiras que permitem o plantio em sucessão da soja e do milho, ocorreram atrasos tanto no plantio quanto na colheita da soja, em razão das chuvas no período.
Assim, a janela de plantio do milho foi estreitada ou até mesmo se inviabilizou seu cultivo em algumas regiões. Isto fez com que os produtores buscassem uma alternativa de cultivo ao milho. Dessa maneira, o sorgo, cultura mais resistente ao clima seco, surgiu como excelente opção, pois o grão é o principal substituto do milho na composição de rações e seu preço de comercialização esta atrelado ao preço pago no milho, cujos valores registram recordes, elevando também o preço do sorgo.
A AgriBrasilis entrevistou três pesquisadores da Embrapa Sorgo e Milho: Flávio Dessaune Tardin, Engenheiro Agrônomo, da Área de Melhoramento Genético Vegetal; Simone Martins Mendes, Engenheira Agrônoma, da área de Entomologia e Manejo Integrado de Pragas e Valéria Aparecida Vieira Queiroz, Nutricionista, da área de Segurança Alimentar, Nutrição e Saúde, subárea Propriedades Funcionais dos Alimentos, para falar sobre esse cultivo.

Flávio Dessaune Tardin, Engenheiro Agrônomo, da Área de Melhoramento Genético Vegetal

Simone Martins Mendes, Engenheira Agrônoma, da área de Entomologia e Manejo Integrado de Pragas

Valéria Aparecida Vieira Queiroz, Nutricionista, da área de Segurança Alimentar, Nutrição e Saúde, subárea Propriedades Funcionais dos Alimentos
AgriBrasilis – Quais os motivos do aumento da produção de sorgo no Brasil?
Flavio Tardin – Esta escalada na produção de grãos de sorgo ocorreu principalmente em razão de dois eventos principais: a ocorrência de atipicidades climáticas presenciadas desde o início da safra de verão 2020 e a valorização do grão pelo mercado.
Atipicidades climáticas ocorridas na safra 2020 promoveram um aumento da área plantada com sorgo, cultura mais resistente ao clima seco e quente, na segunda safra 2021, em regiões onde os produtores perderam a janela de plantio do milho. Entrando como principal substituto do grão de milho na alimentação animal, o sorgo tem seu preço correlacionado ao do milho, cujos valores registram recordes, o que consequentemente promove elevação no preço do sorgo, atraindo os produtores. Além disso, pelo preço de comercialização do sorgo ser atrelado ao do milho (70% a 85% do valor do milho) e estarmos vendo preços recordes pagos neste cereal, promoveu-se, além da expansão da área cultivada, um maior investimento nas lavouras de sorgo, com aumento da produtividade e consequentemente da produção nacional.
AgriBrasilis – O que explica a opção pelo sorgo mesmo com preços tão altos de milho? Qual a rentabilidade do cultivo de sorgo por hectare?
Flavio Tardin – Foi a necessidade, pela impossibilidade de plantio seguro do milho. Com base no Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) e atipicidades climáticas ocorridas desde a última safra 2020, produtores das principais regiões de plantio de milho em sucessão à soja ficaram sem janela de plantio do cereal. com intervalo maior para plantio por causa da sua maior resistência à seca, o sorgo, cuja cotação é correlacionada com à do milho, surgiu como boa opção.
Pode-se mencionar que o sorgo possui custo de produção bem inferior ao do milho, ou seja, o investimento inicial é bem menor. Como exemplo, apresentam-se as estimativas de custo elaboradas pela Conab para a região de Unaí-MG, em março de 2020. Uma lavoura de milho de alta tecnologia para produção de 100 sacas/ha custava R$ 2.924,78, enquanto uma lavoura de sorgo para 3.800 kg/ha custava R$ 1.441,56, ou seja, 49,2% do custo do milho.
AgriBrasilis – Qual a destinação da produção?
Flavio Tardin e Valéria Queiroz – No Brasil, o principal destino é o consumo interno principalmente para alimentação animal. O grão de sorgo entra como o principal substituto do milho na alimentação de animais, seja pela possibilidade de oferta direta do grão ou como ingrediente de rações para aves, bovinos, suínos, pets (cães e gatos), entre outros (peixes, por exemplo).
Vale uma ressalva: outros mercados existem e podem se expandir, dentre eles, a utilização do sorgo para alimentação humana e como matéria-prima substituta do milho na produção de etanol.
AgriBrasilis – Quais as principais pragas e como se dá o manejo?
Simone Martins Mendes – Existem três grupos de insetos-pragas que podem ser encontrados causando problemas em lavouras de sorgo, contudo, para todos eles existem estratégias de manejo disponíveis. Esses insetos são:
- A lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), que, como em lavouras de milho, causa desfolha no estádio vegetativo da planta. A maior preocupação vai até em torno de 40 dias após a germinação. Essas lagartas ficam dentro do cartucho do sorgo se alimentando, por isso podem ser de difícil controle. Em geral, maiores prejuízos causados por essa praga são percebidos em lavouras de sorgo granífero.
- A broca-da-cana (Diatraea saccharalis), que se desenvolve dentro do colmo da planta, onde cava galerias, dificultando o translocação dos fotoassimilados pela planta. Essa é uma praga cuja infestação pode muitas vezes passar despercebida, sem deixar de causar prejuízos. Além disso, para sorgo de maior porte, como o sorgo energia (granífero e biomassa), esse inseto pode, ao enfraquecer o colmo, predispor a planta ao tombamento.
- Os pulgões sugam a seiva da planta e, quando em grandes colônias, podem causar prejuízos. A planta fica coberta por uma espécie de mela (“honeydew”), sobre a qual pode crescer um fungo (fumagina) que dificulta a fotossíntese. Podemos observar em lavouras de sorgo três espécies: o pulgão-do-milho ou pulgão-preto (Rhopalosiphum maidis), que ocorre no cartucho da planta e causa menos problemas às lavouras; e o pulgão-verde (Schizaphis gramimum) e o pulgão-da-cana (Melanaphis sp.), que ocorrem na parte inferior da planta e na parte inferior da folha e têm potencial para causar grandes prejuízos se não controlados em tempo. Nesse sentido, é preciso alertar o produtor para manter o monitoramento das lavouras na parte baixeira da planta e adotar as medidas de controle quando necessário, para não deixar que essa espécie cause grandes prejuízos.
Para todas as pragas supracitadas, o monitoramento é etapa fundamental para tomada de decisão assertiva de controle. No caso das duas primeiras pragas, além do controle químico com inseticida, existem ferramentas de controle biológico que podem ser usadas com sucesso. Vários bioinseticidas estão disponíveis comercialmente e têm registro para uso em S. frugiperda, como bioinseticidas à base de Bacillus thuringiensis e à base de baculovírus. Também parasitoides podem ser usados para o controle biológico de D. saccharalis. Já para o pulgão-da-cana, ainda não existem inseticidas químicos registrados, mas existe registro para o pulgão-verde. Assim, o manejo dessas pragas é possível, sem que ocorra o prejuízo.
AgriBrasilis – As empresas de insumos estão preparadas para o crescimento desse mercado?
Flavio Tardin – Sim, muitos insumos utilizados para cultivo do sorgo são os mesmos utilizados para outras grandes culturas, como milho, arroz, soja, algodão, inclusive defensivos químicos. Empresas de defensivos têm enxergado no sorgo um mercado em expansão e vêm solicitando registros de produtos (herbicidas, fungicidas, inseticidas, por exemplo) para uso nas lavouras.
Uma ressalva deve ser feita quanto ao quesito semente. Sua produção pelas empresas é realizada em função de demandas de mercado. O não planejamento prévio do cultivo, ou seja, a busca de última hora por sementes de sorgo, e a ocorrência de um aumento repentino nesta demanda, como se viu nesta última safra, fizeram com que produtores não encontrassem sementes de muitas variedades de interesse, ficando o produtor à mercê da compra de qualquer material disponível.
AgriBrasilis – O pulgão-da-cana está migrando para o sorgo, demandando mais pulverizações e aumentando os custos. Isso pode afetar a atratividade do cultivo?
Simone Martins Mendes – Acredita-se que não afetará a atratividade de cultivo, pois o manejo dessa espécie de pulgão é possível sem grandes prejuízos ou aumento elevado dos custos, mas vale a ressalva de que este controle deve ser feito com atenção e cuidado.
A ocorrência do pulgão-da-cana em lavouras de sorgo no País, desde a safra de 2019, tem trazido algumas dúvidas ao produtor, sobretudo quanto às estratégias de manejo. Nesse cenário, vale ressaltar que o ponto fundamental é monitorar as lavouras para detectar a presença do pulgão. Esse monitoramento deve ser feito com cuidado, vistoriando as folhas baixeiras da planta, para não perder o momento certo do controle, que é de 20% das plantas com colônias médias.
AgriBrasilis – A cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) transmite patógenos ao sorgo?
Simone Martins Mendes – Embora a cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) possa sobreviver em torno de 15 dias (Oliveira et al 2018) se alimentando em sorgo, essa planta não é o que podemos chamar de hospedeira da cigarrinha, porque esse inseto não completa o ciclo se alimentando de sorgo. É planta de alojamento. Além disso, não é acometido pelas doenças transmitidas pela cigarrinha, ou seja, não apresenta problemas com os enfezamentos, como acontece no milho.
AgriBrasilis – Quais as perspectivas do sorgo no médio prazo?
Especificamente falando do sorgo granífero, poderão ser observadas oscilações anuais da área plantada com a cultura, muitas vezes correlacionadas com as condições climáticas e as possibilidades ou não do plantio seguro do milho dentro da janela de plantio recomendada pelo Zarc.
Aumentos de problemas causados pelas cigarrinhas-do-milho (Dalbulus maidis), podem limitar o plantio do milho em muitas regiões ou épocas de cultivo. Pelo sorgo não ser acometido pelas doenças transmitidas pela cigarrinha -os enfezamentos, poderá ter sua área de cultivo expandida.
Existe tendência de crescimento de cultivo com maiores investimentos nas lavouras e ampliação das exportações, principalmente para a China, que aponta demanda crescente de consumo e importação de grãos até 2030.
