Manejo Integrado de Pragas da soja aumenta lucratividade e economiza pesticidas químicos

“Desde a safra 2019/20, a ocorrência de lagartas Rachiplusia nu vem sendo observada em cultivares de soja Bt de primeira geração…”

Adeney de Freitas Bueno é pesquisador em entomologia e chefe de P&D da Embrapa Soja, engenheiro agrônomo pela Faculdade de Agronomia Manoel Carlos Gonçalves, mestre em agronomia pela Unesp, com doutorado em entomologia pela USP.  


AgriBrasilis – Qual é o panorama das pragas resistentes na soja?

Adeney Bueno – A resistência de pragas às táticas de controle é certamente um dos principais desafios que é enfrentando no manejo integrado de pragas da soja (MIP-Soja) em campo. Na prática, a adoção de qualquer tática de controle de pragas em campo sem uma estratégia de manejo de resistência acaba homogeneizando o ambiente, favorecendo a sobrevivência e multiplicação dos insetos mais adaptados àquele ambiente (no caso ao ambiente com determinada estratégia de controle).

No início, os insetos resistentes são minoria na população e passam desapercebidos. Ao longo das safras, os insetos resistentes, que eram inicialmente minoria, se multiplicam e, sendo os únicos que sobreviveram as táticas de controle adotadas, tornam-se a maioria da população. Esse é o momento em que a população é considerada resistente.

Para falarmos do panorama de pragas resistentes na soja, no Brasil, é importante dividirmos esse panorama entre os principais grupos de pragas hoje existentes na cultura (lagartas e percevejos) e também entre os principais métodos de controle de pragas adotados na soja em maior escala: a adoção da soja Bt; e a adoção de inseticidas químicos.

“…a adoção de qualquer tática de controle de pragas em campo sem uma estratégia de manejo de resistência acaba homogeneizando o ambiente, favorecendo a sobrevivência e multiplicação dos insetos mais adaptados…”

a) Resistência de pragas contra a soja Bt:

A soja Bt de primeira geração expressa a proteína inseticida Cry1Ac e é cultivada no Brasil desde 2013 como estratégia de controle das principais lagartas que atacam a cultura. Diferentemente de um inseticida que controla a praga apenas por alguns dias depois de aplicado em campo, o cultivo da soja Bt controla as pragas alvo da tecnologia por todo o tempo em que a cultura está plantada (24 horas por dia, 7 dias da semana). Por isso, é possível dizer que a pressão de seleção para insetos resistentes a soja Bt é enorme, selecionando para resistência populações de pragas-alvo por todo o tempo que a planta estiver em campo.

Recomenda-se que não se cultive soja Bt em 100% da área. É necessário que o cultivo seja realizado em no máximo 80% da área, reservando pelo menos 20% da área para cultivo de soja não Bt, no que é chamado de área de refúgio. A área de refúgio irá produzir soja normalmente, mas com o controle de pragas sendo feito da maneira tradicional, com o devido monitoramento de pragas e a aplicação de inseticidas apenas quando necessário (quando as pragas atingirem os níveis de ação recomendados). O refúgio irá produzir soja de maneira lucrativa e eficiente, como sempre foi feito, com o uso de inseticidas quando necessário para controle de lagartas. Além de produzir soja, a área de refúgio também irá produzir alguns insetos que vão sobreviver ao uso dos inseticidas, e que serão suscetíveis a soja Bt. Esses insetos suscetíveis irão cruzar com insetos resistentes oriundos da área Bt, dando origem a uma geração de insetos heterozigotos, que podem ser controlados pela soja Bt. É isso que irá garantir a preservação da eficiência da soja Bt ao longo do tempo.

Ilustração da área de refúgio manejada com adoção de MIP-Soja na preservação da eficiência da tecnologia Bt. (FONTE: Embrapa Soja)

A adoção da soja Bt vem trazendo grandes benefícios para a cultura, incluindo principalmente a redução do uso de inseticidas (anteriormente usados para controle das lagartas) e das perdas econômicas causadas pelo ataque das lagartas controladas por essa tecnologia. Além disso, o manejo da lavoura é facilitado pela redução da demanda de aplicações com inseticidas. Esses benefícios têm sido tão atrativos que infelizmente (e erroneamente) a maioria dos produtores de soja vêm adotando a tecnologia da soja Bt em 100% de sua área. Diante desse cenário de não adoção da área de refúgio, as primeiras populações de lagartas resistentes a soja Bt de primeira geração (que expressa unicamente a proteína inseticida Cry1Ac) vem ocorrendo no Brasil.

Desde a safra 2019/20, a ocorrência de lagartas Rachiplusia nu vem sendo observada em cultivares de soja Bt de primeira geração. Além de Rachiplusia nu, que é uma lagarta desfolhadora, a ocorrência de uma outra espécie de lagarta, que é uma pequena broca conhecida como broca-das-axilas (Crocidosema aporema) também vem aumentando na soja Bt de primeira geração. Essas duas espécies são reconhecidas como as duas primeiras espécies de lagartas resistentes a soja Bt de primeira geração.

Mais recentemente, principalmente depois da safra 2021/22, duas novas tecnologias de soja Bt vem ganhando espaço no mercado, sendo conhecidas como soja Bt de segunda geração. A soja Intacta 2, que expressa as proteínas Cry1Ac, Cry1A.105 e Cry2Ab2, e a soja Conkesta que expressa Cry1Ac e Cry1F. A expressão de mais proteínas inseticidas na mesma tecnologia tem a função de aumentar o espectro de ação (controlar mais espécies alvos de pragas – mais lagartas controladas) além de reduzir a velocidade de seleção de insetos resistentes.

Para um inseto sobreviver às novas tecnologias de soja Bt ele precisa ser resistente a todas as proteínas inseticidas presentes na nova tecnologia. Isso reduz significativamente o número inicial de insetos resistentes e aumenta o tempo para que as populações resistentes ocorram (o tempo de seleção será significativamente maior).

b) Resistência de pragas contra inseticidas:

Assim como ocorre com a planta Bt, o uso do mesmo inseticida vai selecionar populações da praga resistente ao inseticida que vai passar a não mais funcionar.

Representação do processo de seleção de insetos resistentes devido a aplicação sucessiva do mesmo inseticida ou de inseticidas com mesmo modo de ação. (FONTE: Embrapa Soja)

Para o controle de percevejos na soja, não existe nenhuma tecnologia de soja Bt ou até mesmo outra soja geneticamente modificada/editada para resistência aos percevejos. O uso de inseticidas é ainda a principal ferramenta de controle dessa praga. Atualmente, aproximadamente 50% – 60% do número de aplicações de inseticidas em soja ocorrem para o controle de percevejos.

Diante dessa maior dependência dos inseticidas para controle de percevejos em soja, é de suma importância rotacionar os diferentes modos de ação. Para evitar ou retardar a resistência de percevejos (ou de qualquer outra praga) aos inseticidas é importante rotacionar, entre as aplicações, inseticidas com diferentes modos de ação. Essa recomendação popularmente conhecida como rotação de produtos – na verdade deveria ser chamada de rotação de modos de ação, pois não basta rotacionar o produto se o modo de ação for igual – evita (ou retarda) a seleção de populações de insetos resistentes, preservando a eficácia dos produtos ao longo das safras e anos.

Ilustração da rotação de inseticidas com diferentes modos de ação e sua função na preservação da eficácia dos ingredientes ativos. (FONTE: Embrapa Soja)

A rotação de inseticidas com diferentes modos de ação é importante para todas as pragas da soja. Estudos recentes têm demonstrado redução significativa na suscetibilidade da lagarta Chrysodeixis includens aos inseticidas inibidores da biossíntese de quitina, e do percevejo-marrom (Euschistus heros) aos inseticidas do grupo dos piretroides e neonicotinoides.

Especificamente para E. heros e outros percevejos da soja, os inseticidas registrados pertencem a poucos grupos químicos. Portanto, essa disponibilidade limitada de modos de ação favorece a evolução da resistência, em decorrência da frequente exposição da praga aos ingredientes ativos de mesmo modo de ação a cada safra, tornando o desafio do manejo ainda maior.

Resumindo o panorama das pragas resistentes na soja: atualmente os principais desafios são a adoção da área de refúgio de soja Bt para manejo de lagartas e a rotação de princípios ativos para manejo de percevejos. Em ambos os casos é de crucial importância a adoção do MIP-Soja com contínuo monitoramento de pragas na lavoura e a aplicação de uma ou mais estratégias de controle apenas quando necessário e recomendado pela pesquisa.

AgriBrasilis – Por que aumentou a ocorrência de percevejos na safra 2023/24? O que podemos esperar para a próxima safra? 

Adeney Bueno – A ocorrência de percevejos na lavoura varia normalmente ao longo dos anos, principalmente em função das condições climáticas e das estratégias de manejo adotadas.

Climas mais quentes e secos em geral favorecem a ocorrência de pragas na lavoura, incluindo os percevejos. Quando temos climas mais favoráveis, teremos maior ocorrência das pragas, o que vai exigir maior adoção de estratégias de manejo, o que inclui maior aplicação de inseticidas, que é a estratégia de manejo mais adotada em larga escala na lavoura.

Além do clima, precisamos considerar as dificuldades do manejo de percevejos por conta das populações resistentes aos inseticidas utilizados, além dos desafios na tecnologia de aplicação desses inseticidas. Os percevejos são pragas do período reprodutivo da soja, onde conseguem maior abrigo e proteção dentro da lavoura, o que reduz a eficiência de seu controle.

Diante desses pontos destacados, podemos dizer que a maior incidência de percevejos na safra 2023/24 ocorre devido a associação de alguns fatores: esses fatores incluem principalmente o clima mais quente e seco em várias regiões e as dificuldades de manejo da praga (tecnologia de aplicação de inseticidas e ocorrência de populações resistentes). A baixa adoção de MIP-Soja leva a falhas de monitoramento de pragas na lavoura e também favorece a maior ocorrência da praga. Falhas de monitoramento levam ao controle realizado na hora errada, o que reduz sua eficiência.

AgriBrasilis – Quais são os prejuízos causados por essa praga?

Adeney Bueno – Os percevejos se alimentam diretamente das vagens, danificando os grãos da soja, que perdem peso e qualidade. A intensidade dos prejuízos vai depender da intensidade do ataque e do manejo adotado.

AgriBrasilis – O que são parasitoides e como são utilizados para manejo de lagartas? Como tem evoluído a adoção desse método de controle?

Adeney Bueno – Parasitoides são pequenos insetos que depositam seus ovos dentro de hospedeiros, que são as pragas. As larvas dos parasitoides eclodem dentro de seus hospedeiros. Os parasitoides vão se alimentar desses insetos hospedeiros, levando-os à morte.

Na agricultura, os parasitoides ocorrem de maneira natural e sua população vai ser preservada com a maior adoção de MIP, que reduz o uso de inseticidas para quando for realmente necessário. O MIP também sempre prioriza os inseticidas mais seletivos, que prejudicam menos os parasitoides.

Alguns parasitoides podem ser usados de forma aplicada na lavoura, multiplicados em larga escala e liberados de forma massiva para reduzir as pragas em campo. No caso da soja, existem os parasitoides de ovos, que são pequenas “vespinhas” que podem ser compradas de biofábricas e massivamente liberadas na lavoura.

Existem duas espécies de parasitoides de ovos que são massivamente criadas por biofábricas e comercializadas e liberadas na soja, sendo uma espécie para controle de lagartas e outra para controle de percevejos.

O parasitoide de ovos para controle de lagartas é a espécie Trichogramma pretiosum, e o parasitoide de ovos para controle de percevejos é a espécie Telenomus podisi. Eles devem ser liberados nas lavouras no início da infestação das pragas-alvo, já que não irão controlar diretamente as lagartas ou percevejos, mas irão controlar os ovos dessas pragas.

A disponibilidade de Trichogramma pretiosum no mercado é maior, pois existem mais biofábricas que produzem e comercializam esse parasitoide. Além de uso na soja, é comercializado para controle de diferentes espécies de lepidópteros em outras culturas. Apesar de sua maior disponibilidade para o sojicultor, o uso de Trichogramma pretiosum para controle de lagartas na soja ainda é limitado, pois lagartas em soja ainda são muito bem controladas pela soja Bt e pela maioria dos inseticidas químicos.  Com o surgimento de populações de lagartas resistentes à soja Bt (Cry1Ac) como Rachiplusia nu e Crocidosema aporema, o uso de Trichogramma pretiosum pode crescer na cultura da soja como uma opção preferencial para manejo dessas lagartas resistentes, preservando o principal benefício da adoção da soja Bt, que é a redução do uso de inseticidas químicos na lavoura.

A disponibilidade de Telenomus podisi no mercado é menor, pois ainda existem poucas biofábricas que produzem e comercializam esse parasitoide. Entretanto, como o Telenomus podisi é utilizado para o manejo de percevejos, a principal praga da soja, contra qual não existe soja Bt e os inseticidas apresentam dificuldades de controle (devido a ocorrência de populações resistentes e falhas na tecnologia de aplicação) a busca por esse parasitoide tem crescido muito e seu uso na lavoura na verdade é limitado pela oferta.

Podemos afirmar que o uso de Trichogramma pretiosum e de Telenomus podisi vem crescendo na soja e existe maior interesse dos produtores em utilizar esses parasitoides.

AgriBrasilis – Os parasitoides podem substituir os inseticidas químicos? Quais?

Adeney Bueno – Parasitoides de ovos podem reduzir significativamente o uso de inseticidas, mas não os substituir. Todas as tecnologias de manejo de pragas (inclusive os inseticidas) são importantes se usadas corretamente e têm seu espaço de uso dentro do manejo integrado de pragas, que prevê justamente a associação, de forma harmônica, de diferentes estratégias de manejo.

AgriBrasilis – Como evitar que produtos químicos matem os parasitoides?

Adeney Bueno – Adotando o MIP, o produtor reduz o uso de inseticidas, usados apenas quando realmente necessário, e prioriza o uso de inseticidas menos impactantes (mais seletivos) aos parasitoides e outros organismos benéficos existentes na lavoura. Isso não evita totalmente, mas reduz em muito a mortalidade dos parasitoides com os produtos químicos.

AgriBrasilis – Que outros bioinseticidas são eficientes na cultura da soja?

Adeney Bueno – É sempre importante buscar bioinseticidas devidamente registrados para uso no país e usar esses bioinseticidas conforme o registro. Isso é importante porque a eficiência do bioinseticida na forma de uso recomendada foi devidamente comprovada e analisada em processo de avaliação rigoroso realizado dentro do MAPA, que é o órgão responsável para avaliar a eficiência e praticabilidade agronômica do uso de inseticidas e afins no país.

Além dos parasitoides de ovos na soja, já existe também o registro e uso de entomopatógenos (principalmente a aplicação de vírus, bactéria ou fungo) que controlam algumas pragas da soja. Além desses bioinseticidas, outros, como o uso de extratos de plantas, predadores, nematoides entomopatogênicos, por exemplo, estão sendo estudados e poderão ser usados em breve, desde que devidamente registrados nos órgãos competentes.

AgriBrasilis – O programa de Manejo Integrado de Pragas – MIP na soja pode ser considerado um sucesso? Por quê?

Adeney Bueno – Sim, principalmente porque permite a redução do uso de inseticidas químicos e das perdas causadas por pragas e, com isso, aumenta a lucratividade do sojicultor. Infelizmente, um dos grandes gargalos que impedem a adoção do MIP-Soja em maior escala é a disponibilidade de mão-de-obra qualificada, necessária principalmente para o monitoramento de pragas e a tomada de decisão de quando o controle deve ser adotado e qual controle deve ser adotado.

 

LEIA MAIS:

Quebra da safra de soja: o que esperar do mercado de grãos?