Agricultura biossalina é alternativa ao uso de águas salobras e solos afetados por sais

Fonte | Source: R. M. R. Ribeiro

“A agricultura biossalina é uma alternativa para o uso de águas salobras e solos afetados por sais na produção vegetal…”

Claudivan Feitosa de Lacerda é professor da Universidade Federal do Ceará – UFC, agrônomo e mestre pela UFC, com doutorado em fisiologia vegetal pela Universidade Federal de Viçosa.

Hans Raj Gheyi é professor da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, agrônomo pela Universidade de Udai Pur, mestre pela Universidade Agrícola de Punjab e doutor pela Universidade Católica de Louvain.

José Francismar de Medeiros é professor da Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, agrônomo pela Escola Superior de Agricultura de Mossoró, mestre pela Universidade Federal da Paraíba e doutor pela Universidade de São Paulo.


Claudivan Lacerda, professor da UFC

Hans Gheyi, professor da UFCG

José de Medeiros, professor da UFERSA

A agricultura biossalina é uma alternativa para o uso de águas salobras e solos afetados por sais na produção vegetal, quando associada ao emprego de boas estratégias de manejo. Ela também pode incluir diversos tipos de atividades, visto que a salinidade está associada com outros problemas típicos de regiões áridas e semiáridas.

Nesse contexto, um primeiro desafio que temos é ampliar o conceito de agricultura biossalina no Brasil, que se restringe ao uso de águas salobras/rejeitos salinos e de solos afetados por sais, como se fossem fatores isolados no semiárido. Não há como haver expansão dessa atividade com essa visão restrita. Regimes pluviométricos, secas recorrentes, águas residuárias, disponibilidade de recursos hídricos, mudanças climáticas e ações de difusão de tecnologia devem estar inseridos no contexto da agricultura biossalina.

A existência de extensas áreas de solos afetados por sais ameaça a sustentabilidade da agricultura irrigada, visto que a expansão das fronteiras agrícolas esbarra em questões ambientais. Nesse contexto, a possibilidade de restauração do solo e o potencial de aproveitamento das áreas salinizadas precisam ser considerados.

Muitos estudos demonstram os custos elevados do processo de recuperação de solos afetados por sais, muitas vezes inacessíveis para pequenos agricultores, notadamente quando é necessária a instalação de um sistema de drenagem subterrâneo. Outro problema é que drenagem não pode ocorrer em propriedades ou casos isolados, mas deve ser realizada a nível de bacia hidrográfica, ou seja, deve haver ação pública ou cooperativa.

Arroz cultivado em solo salino sódico, em Morada Nova, CE (Fonte: R. N. T. Costa)

Novas estratégias de manejo e de aproveitamento dessas áreas devem ser vislumbradas: projetos de revegetação com espécies adaptadas ou cultivo de halófitas com potencial forrageiro podem ser alternativas viáveis para melhoria das condições do solo e para geração de renda. Em algumas áreas de solos sódicos, ditos “irrecuperáveis”, outras atividades podem ser solução, como o cultivo de camarão, que se expandiu em áreas interioranas do Ceará, utilizando parte desses solos.

No semiárido brasileiro também se verifica a ocorrência de águas salobras, principalmente de origem subterrânea. Existem diferentes realidades nessa região quando se trata principalmente da disponibilidade de água. Em Mossoró, por exemplo, as águas do aquífero Calcário Jandaíra são salobras, porém os poços apresentam vazões superiores a 60 m3/h. Essas águas têm sido utilizadas em misturas com águas do aquífero Arenito Açu (baixa salinidade, porém mais profundas e alta vazão), fato que favoreceu a ampliação do cultivo do melão no Rio Grande do Norte, principalmente na última década, sendo essa atividade praticada inclusive por grandes empresas da região.

Maracujá irrigado com águas salobras em Pombal, PB. (Fonte: G. S. Lima)

Por outro lado, as águas salobras no aquífero cristalino, predominante no território do semiárido brasileiro, apresentam baixas vazões. Estima-se mais de 100 mil poços situados no semiárido nordestino, sendo que a maioria apresenta vazão entre 1,0 e 2,0 m3/h. Um estudo que avaliou 23 mil poços no Ceará encontrou vazão média de 2,6 m3/h em poços do cristalino. Outro estudo no Ceará demonstrou que essas fontes são mais úteis para a agricultura familiar, especialmente em sistemas produtivos que utilizam menores volumes de água. Para essas condições, o cultivo de palma forrageira, a irrigação suplementar de culturas anuais e sistemas envolvendo peixes e vegetais (hidroponia, halófitas ou produção de mudas) apresentam maior possibilidade de sucesso do que o cultivo de coco (espécie tolerante à salinidade), que é limitado pela elevada demanda hídrica e baixa produtividade de água dos poços.

É importante salientar a necessidade de estudos em parceria com agricultores e a elaboração de políticas públicas que possam favorecer a expansão da agricultura biossalina no semiárido brasileiro. A parceria com instituições públicas e privadas, com prefeituras e com organizações de agricultores é fundamental para o sucesso dessa atividade. É preciso que o tema da agricultura biossalina seja mais abrangente, vislumbrando o uso de recursos de solo e água e o reuso de água, dentro do contexto da produção sustentável de frutos, grãos, forragem, plantas ornamentais, madeira, biocombustíveis, fármacos, etc.

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