Comércio e desenvolvimento sustentável são pontos chave do acordo entre UE e Mercosul

acordo UE Mercosul

“Deve-se fazer mais para preservar o meio ambiente. Observamos com grande interesse as declarações e compromissos firmados pelo Brasil na última COP 26, que ocorreu em Glasgow.”

Ignacio Ybáñez, embaixador da União Europeia no Brasil

Ignacio Ybáñez é embaixador da União Europeia no Brasil, foi secretário de estado do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação da Espanha, diretor-geral da política externa e assuntos globais multilaterais e diretor-geral da África, Mediterrâneo e do Oriente Médio. Ybáñez também foi embaixador da Espanha na Rússia.


AgriBrasilis – Como o senhor definiria as relações econômicas entre Brasil e União Europeia, principalmente em relação à agricultura?

Ignacio Ybáñez – O Brasil e a União Europeia (UE) são parceiros estratégicos, o que já define a intensidade da nossa relação dos pontos de vista político e econômico.

A UE é o segundo principal parceiro comercial do Brasil e o primeiro parceiro em serviços e no âmbito dos investimentos estrangeiros. Representamos 45% dos investimentos estrangeiros no Brasil, levando em conta todos os países do bloco em conjunto. A nossa relação é muito forte.

Com relação à agricultura, Brasil e EUA são os maiores exportadores de produtos agrícolas para a UE. São produtos como a soja e a carne, por exemplo, dentre muitos outros essenciais para a nossa relação.

AgriBrasilis – Como se constitui a pauta de exportações agrícolas entre Brasil e UE e qual é sua tendência para o futuro?

Ignacio Ybáñez – As importações europeias de produtos brasileiros englobam principalmente soja e seus derivados, café em grãos, carne, bebidas alcoólicas, minérios de ferro e tabaco, por exemplo. Os produtos agrícolas são os mais relevantes na nossa balança comercial, dando destaque para os produtos vegetais.

As importações brasileiras de produtos europeus são principalmente de máquinas (26%), equipamentos de transporte (13,6%) e produtos químicos (23%).

A situação presente é definida pela exportação de commodities para a Europa e importação de produtos industriais por parte do Brasil, mas os fluxos e as relações comerciais irão evoluir na medida em que evoluímos nossas relações diplomáticas. Acredito que Brasil e Europa tem muito potencial para desenvolver em conjunto suas pautas de exportações.

AgriBrasilis – Que fatores irão definir as relações bilaterais entre Brasil e União Europeia nos próximos anos?

Ignacio Ybáñez – O principal elemento será o novo acordo comercial entre UE e Mercosul, parte de um “pacote” ainda maior, que é o acordo de associação. Os países do Mercosul são os únicos da América Latina que ainda não tem um acordo definido de associação ou comercial com a União Europeia. É curioso porque a relação com a UE é muito forte em vários pontos.

O mercado dos países do Mercosul é muito protegido e a UE sempre teve interesse em realizar um acordo como esse que está encaminhado.

Depois de 20 anos de negociações, em 2019 chegamos a um acordo que será o motor das nossas futuras relações, abrindo possibilidades para as empresas europeias e brasileiras, não somente no âmbito agrícola, mas também nos âmbitos industrial e de serviços.

Outra questão definidora é que estamos vivendo um conflito global entre Rússia e Ucrânia. A Europa, junto com o resto do mundo, está diante de um parceiro comercial como a Rússia, que demonstrou não ser confiável e que está usando a questão energética como uma arma diplomática. Essa situação abre possibilidades para parceiros que são mais confiáveis, como já demonstraram no passado, que são os países do Mercosul.

Portanto, os principais elementos definidores das relações bilaterais entre UE e Brasil atualmente são o acordo entre União Europeia e Mercosul e a situação global de conflito. Isso pode ser aproveitado pelos países do Mercosul em geral, mas especialmente pelo Brasil.

No caso do Brasil, o país precisa se incorporar de uma forma mais clara dentro das cadeias internacionais de valores. O país está muito presente no setor agrícola, sendo uma grande potência na área, mas em áreas como a industrial, de serviços e energética, há ainda muito que ser melhorado. Nós desejamos que esse caminho seja trilhado junto com a União Europeia.

AgriBrasilis – Ainda sobre o acordo entre União Europeia e Mercosul, o senhor diria que um dos principais empecilhos para sua ratificação é a questão da sustentabilidade e do meio ambiente?

Ignacio Ybáñez – É bom lembrar que o acordo entre UE e Mercosul não é somente comercial, mas é também um acordo de associação com um componente político, baseado em valores que compartilhamos dos dois lados do Atlântico: a defesa da democracia e o respeito aos direitos humanos, por exemplo. Valorizamos a importância de um sistema baseado em regras, além da segurança dos investidores, e temos confiança na economia de mercado. É diferente do caso da China, por exemplo, que é um grande parceiro comercial da Europa, mas que não acredita nesses valores.

Na parte comercial, nosso acordo irá estabelecer possibilidades para liberalização, estabelecendo períodos adequados e protegendo setores mais delicados em ambos os lados. Busca-se para o futuro um acesso preferencial entre os mercados.

Queremos dar entrada aos produtos dos países do Mercosul, particularmente do Brasil. O mercado constituído pelos países do Mercosul é muito grande, composto por 450 milhões de consumidores e com alta demanda. É um dos mercados mais importantes do mundo.

O acordo UE-Mercosul vai permitir acesso a produtos com preços muito mais econômicos para os consumidores dos dois lados do Atlântico. Produtos agrícolas brasileiros poderão chegar ao nosso mercado em condições muito melhores.

Agora, sobre a questão da sustentabilidade. Existe um capítulo muito importante no acordo UE-Mercosul, que é o Capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável. Esse capítulo se baseia em alguns princípios básicos. Primeiro: comércio é obviamente algo muito bom. O comércio entre nações demonstrou ser uma das formas de se alcançar desenvolvimento econômico para muitas regiões, mas logicamente deve haver limites. Produtos não podem ser oriundos de trabalho escravo ou infantil, por exemplo.

O comércio deve respeitar acordos internacionais, como o Acordo de Paris, sobre as mudanças climáticas, ou outros acordos sobre proteção da biodiversidade. Isso é um elemento fundamental do que foi assinado em 2019. Não é necessário haver reelaboração desse tópico, porque já foi aceito entre os países.

Em 2019, quando fechamos o acordo, muitos países da UE apresentaram preocupações com a situação do desmatamento ilegal que estava acontecendo na Amazônia. Isso continua sendo um elemento de preocupação.

Não existe nenhuma dúvida do lado europeu sobre a soberania brasileira pela parte da Amazônia que está em seu território, assim como não há dúvidas sobre a soberania da Colômbia ou da Bolívia, por exemplo. Além disso, nós reconhecemos a importância da legislação brasileira, sobretudo do Código Florestal, que é um instrumento moderno. A questão problemática está no cumprimento dessas legislações.

O cumprimento dos acordos e legislações é de interesse do próprio Brasil, que precisa preservar suas riquezas. O desmatamento já tem efeitos sobre o regime de chuvas, por exemplo, que é um recurso essencial para o desenvolvimento agrícola.

Deve-se fazer mais para preservar o meio ambiente. Observamos com grande interesse as declarações e compromissos firmados pelo Brasil na última COP 26, que ocorreu em Glasgow. O compromisso brasileiro de zerar o desmatamento até 2028 é uma notícia muito bem vinda, mas precisamos de resultados.

A União Europeia oferece sua cooperação. Queremos trabalhar com esse governo e com o próximo. Queremos trabalhar conjuntamente para que os compromissos do Brasil sejam cumpridos. Podemos utilizar a nossa experiência, por exemplo, no combate contra incêndios florestais. Durante o último verão, todos puderam notar que incêndios também são realidade na Europa. Quando ocorrem incêndios na França, ela solicita ajuda aos demais países da UE. Esse esforço que temos não é somente dentro da UE, mas também com países vizinhos e com outros países do mundo. Oferecemos essa mesma cooperação para o Brasil.

Recentemente, estive em reunião com o Ibama e outras instituições para tratar das possibilidades de cooperação, trocando experiências e conhecimentos sobre a realidade dos incêndios florestais no Brasil. Caso seja necessário trazer especialistas internacionais, por exemplo, isso pode ser feito. Temos conversas regulares com o Ministro do Meio Ambiente para saber em que áreas podemos contribuir.

Há um pedido claro da União Europeia: é muito importante haver resultados no âmbito da preservação ambiental para podermos chegar até uma assinatura final. Mas não é somente um pedido. Reitero que é também um oferecimento de cooperação.

AgriBrasilis –Existe protecionismo excessivo por parte de países integrantes da União Europeia, ou até mesmo boicote aos produtos brasileiros? Por quê?

Ignacio Ybáñez – Eu acredito que definir a UE como protecionista, tendo em vista a história de sua evolução interna e externa é um pouco exagerado. A construção do bloco foi realizada justamente através de aberturas.

Criamos um mercado interno potente ao suspender as limitações sobre produtos, bens, capitais, e sobre as pessoas, que podem se movimentar livremente dentro da UE. Somos uma das grandes forças em favor da liberalização e do comércio internacional, haja vista as posições que assumimos na Organização Mundial de Comércio.

É evidente que precisamos proteger nossos interesses, mas nós sempre buscamos mais liberdade. Contudo, reitero meu ponto de que deve haver limites no comércio. Existem bens que temos que preservar dentro e fora da Europa, como as florestas. Além disso, precisamos mitigar as mudanças climáticas e conviver de forma harmoniosa com o meio ambiente.

Particularmente sobre o desmatamento: é preocupante porque sabemos que muitos produtos que chegam ao mercado europeu são oriundos de desmatamento. Desse ponto de vista, temos sido habitualmente acusados de participar desse comércio ilegal.

Quando se desmata para obter madeira ou plantar soja de forma irregular, indo contra a legislação, esse produto às vezes chega ao mercado europeu, sendo parte das importações normais de produtos, e isso gera uma pressão. Essa pressão é em parte induzida pelos próprios países da União Europeia.

Nos últimos anos, nós fizemos uma análise rigorosa, uma consulta pública que foi a de maior participação da UE, justamente para saber o que deveria ser feito e qual deveria ser nossa responsabilidade e atuação junto aos países produtores desses produtos irregulares.

Nós identificamos seis produtos no mundo com efeito direto sobre o desmatamento, que são a soja, óleo de palma, café, cacau, madeira e carne bovina. Levando em conta esses produtos e seus derivados, estamos estabelecendo uma legislação que foi apresentada ao Parlamento Europeu e ao Conselho da UE, nossas duas instituições reguladoras, uma representando os cidadãos e outra representando os Estados que constituem a UE.

Estamos estabelecendo um principio de due dilligence para os produtos identificados. Vamos estabelecer que os produtores que querem exportar seus produtos para a Europa devem demonstrar que não estão produzindo desmatamento no país de origem. É uma demanda muito forte dos nossos consumidores. O Brasil fará parte desse trabalho. Queremos também que os países parceiros estabeleçam sistemas autônomos de rastreabilidade, que assegurem que o produto que chega ao mercado não foi resultado de desmatamento.

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