Agricultura familiar e fruticultura no Chile

María Emilia Undurraga

“País é composto 90% por pequenos agricultores e aposta na produção de frutas de alto valor para a exportação.”  Ministra da Agricultura do Chile, María Emília Undurraga.

María Emilia Undurraga, Ministra de Agricultura do Chile. Mestre em Políticas Sociais pela Universidade de Duke (EUA), Mestre em Sociologia pela Pontifica Universidade Católica (PUC) do Chile e Engenheira Agrônoma pela PUC Chile. Já foi Chefe Nacional de Programas Territoriais, sendo representante do Ministério da Agricultura na negociação com povos indígenas, e Diretora Nacional da Secretaria de Estudos e Políticas Agrárias, onde promoveu importantes reformas, criando as secretarias de Desenvolvimento Rural e Sustentabilidade e Mudanças Climáticas.


AgriBrasilis – Qual a situação da agricultura do Chile diante da pandemia?
María Emilia Undurraga – Desde o início da pandemia temos trabalhado ativamente e coordenado a cadeia de abastecimento seguro, desde pequenos produtores, passando pelos mercados distribuidores, feiras livres, supermercados, associações e os atores que são parte do Comitê de Abastecimento Seguro. Tal organização permitiu um trabalho colaborativo e eficiente para assegurar o abastecimento dos alimentos em nosso país. Os chilenos seguiram tendo acesso aos alimentes, mesmo em tempos difíceis para o Chile e o mundo.
Finalmente a pandemia se transformou em oportunidade, já que os desafios em nosso setor vão mudando com o tempo. Junto com a preocupação de produzir mais alimentos para uma população crescente, devemos nos adaptar às tendências e desafios, como as mudanças climáticas, crises emergentes, e também a mudança das exigências dos consumidores, que requerem alimentos saudáveis, inócuos, de qualidade e produzidos de forma sustentável. Dados estes desafios, os sistemas alimentares e os agricultores tem encontrado a resposta para enfrentar com êxito a crescente demanda por alimentos.

Strawberry farmAgriBrasilis – A agricultura orgânica tem se expandido na maioria dos países produtores agrícolas. Isso também tem ocorrido no Chile? Por quê?
María Emilia Undurraga – A agricultura orgânica está presente em quase todas as regiões e territórios do Chile, abarcando a produção, transformação, elaboração, comercialização e exportação, sendo exercida por pequenos, médios e grandes produtores. Esse sistema produtivo se adapta melhor às condições adversas das mudanças climáticas. Por exemplo, a escassez hídrica, que hoje é um dos grandes desafios que enfrentamos como país.
A produção orgânica para o consumo interno está sendo cada vez mais relevante, destacando-se o crescimento nos últimos anos devido às mudanças nos hábitos de consumo entre os chilenos. Para o caso das hortaliças, frutas, pecuária, aves menores e produtos lácteos, são gerados principalmente por pequenos produtores de Organizações de Agricultores Ecológicos com certificação orgânica própria, assunto que tem guiado o Odepa (Escritório de Estudos e Políticas Agrárias, em português).

AgriBrasilis – Quais são os principais produtos agrícolas produzidos, os principais mercados de exportação e importação?
María Emilia Undurraga – Trabalhamos para facilitar o comercio internacional, reduzir a perda de alimentos e fortalecer a cadeia de abastecimento. Deste modo, temos fortalecido as relações internacionais para que aqueles produtos nos quais somos deficitários se importem a preços razoáveis. Focamos na segurança alimentar acima da soberania, cuja implementação é inviável por seus efeitos no bolso das famílias mais vulneráveis. Aqui radica a importância dos mercados abertos, exportando aquilo que temos vantagens e importando o que não podemos produzir no país. Esta é a segurança que devemos procurar e proteger.
Nesta instância é importante agradecer e destacar o papel essencial do setor agrícola e a cadeia de logística de alimentos na pandemia, valorando seu papel estratégico como provedor de alimentos, gerador de empregos e motor local. Graças aos produtores de alimentos, caminhoneiros, das feiras livres e mercados, houve disponibilidade ininterrupta todo este tempo.
Sobre o intercambio comercial, durante o ano temos visto um aumento nas exportações comparadas com agosto do ano anterior de 7,5%, destacando como principais mercados: China, que tem recebido 29,1% de nossas exportações; Estados Unidos com 21,8%; e a União Europeia, com 12,3%.
Em matéria de frutas, Chile é um dos cinco maiores produtores mundiais de cereja e mirtilo e um dos dez maiores produtores mundiais de uva, maçã, kiwi, pêssego, ameixa e avelã, com sua agricultura focada na exportação de frutas de alto valor.
Na questão de exportações, temos uma grande quantidade de acordos comerciais que permitem que nossos envios cheguem a muito mais países. Assim, nossos principais mercados receptores são China (29%), Estados Unidos (21,8%), Japão (4,6%), Holanda (4%), Coreia (3,6%), México (3,5%), Reino Unido (2,7%) e Brasil (2,1%), entre muitos outros países.
Tabela produção Chile

AgriBrasilis – Como se organiza o campo chileno em relação ao tema agrário e qual o papel do governo na aplicação de medidas a favor da agricultura familiar?
María Emilia Undurraga – No Chile há cerca de 300 mil agricultores, e 9 de 10 agricultores são pequenos, cumprindo o grande trabalho de alimentar as famílias de nosso país e de preservar a cultura e identidade dos territórios rurais.
Apoiamos eles através do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário (INDAP), instituição que pertence ao ministério da Agricultura e que se dedica a apoiar uma grande quantidade de pessoas que tenham a agricultura como sustento.
Mas o apoio a nossos pequenos agricultores não é apenas através do INDAP. Também há um apoio em matéria de tecnificação da irrigação através da Comissão Nacional de Irrigação (CNR), instituição que teve um aumento muito importante em seu orçamento (duplicou nos últimos 3 anos) e que busca que a tecnificação da rega permita regar cada vez mais hectares com a mesma quantidade de água.

AgriBrasilis – Qual o papel da agroindústria na criação de empregos no país?
María Emilia Undurraga – Com uma tendência em desenvolvimento associado a pandemia de covid-19 no último ano, a escassez de mão de obra no setor alcançou níveis sem precedentes. Com base na Pesquisa Nacional de Emprego (Encuesta Nacional de Empleo, ENE) do INE, a força de trabalho agrícola diminuiu em, aproximadamente, 150 mil empregados em comparação com o nível existente antes da pandemia, passando de 750 mil a 600 mil no verão (2021 x 2019) e de 650 mil a 500 mil no inverno.
A época de maior demanda começa no final de outubro, alcança seu máximo entre novembro e fevereiro, para chegar ao término até os meses de abril e maio. No último trimestre, foram criados 20 mil empregos no setor, mantendo ainda um forte atraso estrutural na recuperação do emprego, apresentando uma alta taxa de trabalho informal (34,5%), enquanto que 40,2% dos trabalhadores têm contratos de trabalho a prazo fixo, ou por obra ou tarefa, sendo superior à média nacional de 25,1%. As regiões com mais empregos no setor são Maule (15,4%), O’Higgins (14,4%) e Valparaíso (9,7%).
Para enfrentar esta situação, em colaboração com o Ministério do Trabalho e Previsão Social, temos impulsionado uma estratégia para fomentar o emprego no setor através de uma série de iniciativas que estão em pleno desenvolvimento, especialmente agora que há maior flexibilização nas medidas sanitárias adotadas na pandemia.

AgriBrasilis – Quais são as perspectivas da agroindústria chilena?
María Emilia Undurraga – Este setor tem grandes desafios adiante. A realidade atual nos sinaliza que 800 milhões de pessoas sofrem de fome, enquanto 670 milhões tem obesidade. A nível global, se projeta uma população de quase 10 bilhões de habitantes até 2050, o que trará consigo um aumento de 50% da demanda de produtos agrícolas e florestais. Frente a este cenário, se requererá uma maior implementação das potencialidades que possui o setor agrossilvipastoril: resiliência, adaptação e coordenação para satisfazer uma demanda crescente de alimentos mais saudáveis e produzidos sustentavelmente, equilibrando o impacto ambiental, a sustentabilidade econômica e a responsabilidade sobre as pessoas e os territórios rurais onde a atividade é desenvolvida.
Teremos um futuro com menos água e solos, mas com maior tecnologia e capacidade de inovação, o que seguramente permitirá fazer um melhor uso dos recursos disponíveis.
Neste momento, para dar o melhor apoio ao setor, aos seus territórios e à sua gente, o MINAGRI junto aos seus 12 serviços, definiu 5 eixos estratégicos de trabalho, com o propósito de realçar o papel das atividades do mundo rural, agrícola e florestal, assim como a produção de alimentos para todos os chilenos, para a construção de um Chile mais justo, sustentável e inclusivo:

  •  Desenvolvimento rural e agricultura familiar
  •  Produção sustentável, mudança climática e água
  •  Sistemas e segurança alimentar
  •  Associativismo e cooperativismo moderno
  •  Modernização, inovação e competitividade

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