Indústria de algodão sofre para se recuperar da pandemia

Publicado em: 17 de fevereiro de 2021

O Brasil, segundo maior exportador de algodão do mundo, recua no plantio de algodão devido aos impactos da pandemia do Covid-19.

As dificuldades enfrentadas pela indústria internacional fez com que a área plantada na safra 20/21 fosse 12% menor que na safra anterior. A AgriBrasilis convidou Milton Garbugio, presidente da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (ABRAPA), para contar sobre os impactos da pandemia do corona vírus na indústria algodoeira.


AgriBrasilis – A safra 2019/20 apresentou um recorde de 2,9 milhões de toneladas de pluma, contudo, as previsões da Conab preveem uma queda para a próxima safra. Quais são os principais motivos?

Milton Garbugio – A pandemia que abateu em cheio o mundo e o Brasil a partir de março de 2020, ocorreu no ano-safra 2019/2020. As nossas lavouras já estavam plantadas e a cultura em desenvolvimento, não havendo consequências para a atividade produtiva no período. Após a colheita, os efeitos da COVID-19 ficaram notáveis, principalmente, nas exportações. Isso porque a queda no consumo no ponto de venda, em todo o mundo, teve impacto na indústria internacional (majoritariamente concentrada na Ásia). Houve casos de grandes marcas quebrando contratos com as indústrias, e, muitas destas, postergando a compra de insumos como o algodão. Por conta disso, os embarques foram “alongados, o que, em uma situação de supersafra, gera maiores estoques de passagem deste para o próximo ano. Os impactos da COVID serão mais sentidos na safra 2020/2021, que começa a ser plantada a partir de dezembro, mas que já foi decidida antes. Com os preços da soja e do milho mais remuneradores, o produtor de algodão brasileiro decidiu plantar um pouco menos na safra 2020/2021. A previsão é que seja plantado 1,4 milhão de hectares de algodão, contra 1,6 milhão de hectares no ciclo anterior (-12%), com expectativa de produção de, aproximadamente, 2,5 milhão de toneladas de pluma, 13% menos que na safra 2019/2020, quando o país colheu 2,9 milhões de toneladas.

AgriBrasilis – O mercado do algodão apresenta muitas flutuações, porque seu consumo é proporcional aos índices da economia. Os produtores brasileiros plantaram no final de 2019, quando as previsões da economia para 2020 estavam favoráveis, porém colheram a produção em meio a uma pandemia mundial em que o consumo têxtil apresentou enorme queda. Quais foram os impactos de tal fato no mercado? Estamos operando com altas em nossos estoques?

Milton Garbugio – A pandemia afetou principalmente a comercialização do algodão brasileiro, tanto no cenário internacional quanto no território nacional. Em função do lockdown adotado em uma série de países e várias medidas de contenção nos quatro primeiros meses da pandemia (março, abril, maio e junho), o varejo global perdeu força de venda continuamente, fazendo com que os estoques de confecções, malharias, tecelagens e fiações aumentasse a cada semana.

Pelos altos estoques mundiais de fios, tecidos e roupas, houve uma série de alongamentos nos contratos de embarque de algodão brasileiro, o que acarretou, em menor volume de exportações de fibra brasileira, nos primeiros meses da pandemia. A partir de agosto de 2020, os volumes de embarque já estão acima do registrado no mesmo período do ano 2019, sinalizando, efetivamente, a retomada da indústria têxtil mundial. No quesito preço internacional, a referência mundial para o algodão é a bolsa de Nova Iorque, que registrou uma queda, no início da pandemia, de 70 centavos de dólar/libra-peso para 48 centavos de dólar/libra-peso, em menos de um mês, o correspondente a 32% de redução. Atualmente, os preços já retomaram para o patamar de 65 a 66 centavos de dólar/libra-peso, valor ainda menor que o início da pandemia.

No caso do mercado interno, também devido às medidas restritivas da Covid-19 adotadas pelos governos estaduais e governo federal brasileiro, as vendas do varejo caíram significativamente, refletindo no aumento dos estoques dos elos da indústria têxtil, o que fez com que a perspectiva de compras para a temporada 2020/2021 do algodão brasileiro pela indústria nacional reduzisse de 750.000 toneladas/ano para 520.000 toneladas.

O setor têxtil e de vestuário já recuperou parte das vendas, mas ainda está distante do cenário ideal. Atualmente, a maior dificuldade do cotonicultor brasileiro é o armazenamento dos fardos, já que a previsão é de três milhões de toneladas de pluma, o maior volume de produção dos últimos anos, e os embarques estão voltando a normalidade mês a mês.

Com relação ao estoque final de algodão dentro do Brasil para 2019/2020, a previsão é de 422.000 toneladas, entretanto com grande possibilidade de reduzir caso a exportação brasileira no primeiro semestre de 2021 seja satisfatória e atinja bons resultados.

AgriBrasilis – O Brasil tem se mantido entre os Top10 maiores produtores de algodão no mundo. O que pode ser dito em relação à competitividade do algodão brasileiro internacionalmente? Qual é o balanço de produção e exportação?

Milton Garbugio – Nos últimos três anos, o Brasil dobrou a área de produção de algodão, saindo de 939 mil hectares, em 2015/2016, para 1,6 milhões de hectares na safra 2019/2020. Fez isso sem precisar sequer abrir novas áreas, apenas balanceando as culturas da matriz produtiva das fazendas de algodão, que também plantam soja, e outros cultivos como o milho. No mesmo período, sua produção evoluiu de 1,3 milhões para 2,8 milhões de toneladas, e o País se tornou o segundo maior exportador da fibra do mundo, atrás apenas do principal concorrente, os Estados Unidos. Plantar algodão no Brasil é um grande desafio. Os custos são altos: cerca de US$ 2 mil por hectare, dos quais boa parte vai para a proteção das lavouras, que vivem sob o constante ataque de pragas e doenças tropicais. Empreender na cotonicultura é decisão que os agricultores brasileiros assumem por sua própria conta e risco, porque não existem subsídios governamentais, e, a bem da verdade, nem mesmo um seguro rural eficaz para amenizar o perigo. Uma palavra sintetiza este caso de sucesso: a sustentabilidade, entendida como conceito que se lastreia nos pilares ambiental, social e econômico.

Esta mentalidade sustentável é o resultado de uma decisão partilhada por todos e orientada por uma associação de classe forte, que é símbolo de um setor altamente organizado, liderado nacionalmente pela Abrapa, e suas estaduais, que implantam, regionalmente, os programas desenvolvidos para o âmbito nacional, em qualidade, rastreabilidade, sustentabilidade e promoção & marketing.

Para cada um desses quatro compromissos, a Abrapa elabora programas estratégicos e integrados. A adoção intensiva de tecnologia nas lavouras, a profissionalização do produtor e o aprimoramento constante das técnicas permitiram que a cotonicultura brasileira alcançasse números impressionantes em produtividade. São em torno de 1,8 mil quilos de algodão por hectare, o que nos torna campeões globais, quando se fala de algodão plantado sem irrigação. Na safra 2019/2020, 92% das lavouras receberam apenas água da chuva. No ranking da produtividade, perdemos apenas para a Austrália, que irriga 100% do seu algodão. Nossa produtividade é duas vezes maior do que a dos nossos agricultores dos Estados Unidos e quatro vezes a dos indianos, sendo que a Índia é, hoje, o maior produtor mundial de algodão.

• O superávit da balança comercial do algodão brasileiro está em 745 milhões de dólares e a previsão é que o Brasil novamente supere os 3 bilhões de dólares até o final da temporada de exportações.