Biopesticidas, também conhecidos como “produtos biológicos”, contribuem para a adoção do manejo integrado de pragas. Nos últimos cinco anos, esta categoria de produtos tem representado em torno de 13% dos registros aprovados pelo Ministério da Agricultura, em uma curva ascendente.
Marcelo Augusto Boechat Morandi é engenheiro agrônomo e mestre em fitopatologia pela Universidade Federal de Viçosa, com programa de doutorado interuniversitário em fitopatologia pela University of Guelph no Canadá. Atualmente ocupa o cargo de chefia geral da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), na unidade Embrapa Meio Ambiente, onde atua em pesquisa e desenvolvimento na interface agricultura e meio ambiente relacionadas à fitossanidade e controle biológico.
A Embrapa é uma empresa estatal e está espalhada por todo território nacional em sete unidades centrais e 43 unidades descentralizadas. Seu patrimônio ativo no último trimestre de 2019 foi avaliado em R$ 1.5 bilhões contando com um orçamento total de R$ 3.71 bilhões para o ano de 2020. O quadro de funcionários da empresa é de 9.450 funcionários, dentre eles 2.416 são pesquisadores. A empresa também tem forte presença internacional devido aos 203 acordos bilaterais em 47 países diferentes em mais de 147 instituições no mundo todo.
O pesquisador concedeu entrevista à AgriBrasilis salientando suas pesquisas na Embrapa, a introdução de produtos biológicos no mercado e o manejo integrado de pragas no Brasil.
AgriBrasilis – Quais são os principais trabalhos da Embrapa Meio Ambiente frente a questão da produção sustentável?
Marcelo Morandi – A Embrapa Meio Ambiente, criada em 1982, é referência internacional para conciliar as demandas dos sistemas produtivos com às de conservação de recursos naturais e preservação ambiental, buscando a
sustentabilidade em benefício da sociedade. As principais tecnologias, produtos, e serviços gerados incluem ferramentas de gestão ambiental, práticas agropecuárias mais sustentáveis, avaliações de impacto ambiental, análise de cenários de mudanças climáticas globais em que, tem-se imensa gama de resultados que apontam para sustentabilidade da agricultura.
AgriBrasilis – Como o manejo integrado pode acarretar em uma agricultura mais responsável ambientalmente?
Marcelo Morandi – Os dados mostram que o aumento de produção nas últimas décadas tem sido muito mais em função do ganho de produtividade do que do aumento de área. Em pouco mais de quatro décadas, o Brasil saiu de uma condição de insegurança alimentar e dependência de importações para a condição de potência agrícola tropical.
Mas, estamos em um momento de grandes mudanças, que reflete na realidade da agricultura, e impõe o desafio de viabilizar tecnologias inovadoras que garantam a produção de alimentos em um cenário global de mudanças climáticas e redução de impactos ambientais. A crescente preocupação da sociedade com o ambiente e a demanda desta por alimentos saudáveis e livres de contaminantes está alterando o cenário agrícola, resultando em mercados de alimentos produzidos sem o uso de agrotóxicos ou aqueles com selos que garantem que os agrotóxicos foram utilizados adequadamente. Isso implica na necessidade de redução da dependência por produtos químicos e outros insumos energéticos e o maior uso de processos biológicos nos sistemas agrícolas.
O manejo de pragas, doenças e plantas daninhas é fator-chave para a produção de alimentos em quantidade, com qualidade. Seu controle inadequado pode acarretar em perdas elevadas, superiores a 40%. Por outro lado, o controle
de pragas pode representar mais de 30% do custo de produção. Portanto, o controle fitossanitário deve seguir os princípios do Manejo Integrado de Pragas (MIP), que, em resumo, é o conjunto de boas práticas disponíveis para controlar os danos causados pelas pragas. No MIP estão incluídos métodos culturais, físicos, químicos, biológicos e até legislativos.
O uso de pesticidas, dentro do conceito de MIP, está associado à sua correta aplicação, de forma racional, segundo as recomendações da receita agronômica emitida por um profissional qualificado, no sentido de minimizar possíveis riscos.
Portanto, práticas que visam a racionalização do uso de insumos químicos e as boas práticas de manejo devem ser estimuladas e adotadas, mas de forma a garantir a segurança e rentabilidade da atividade.
AgriBrasilis – Quais impactos o Brasil presenciou nos últimos anos no setor de biológicos?
Marcelo Morandi – Estima-se que o controle biológico hoje no Brasil seja utilizado em uma área superior a 20 milhões de ha, incluindo inimigos naturais e agentes microbianos. Entretanto, esse dado considera apenas produtos registrados. O número pode ser maior se considerarmos o uso de produtos feitos on farm. Esse mercado tem crescido no Brasil a taxas superiores à média mundial, entre 15 e 20% ao ano, contra 7 a 10% globalmente. Já há 265
produtos registrados para mais de 120 pragas.
Em 2018 o controle biológico movimentou cerca de R$ 465 milhões no Brasil e o País já representa cerca de 10% do mercado de biológicos no mundo. Os produtos biológicos são usados em praticamente todas as culturas, desde hortaliças até grandes culturas como soja e cana-de-açúcar. Estima-se que em pelo menos 20% da área de soja e em 40% das de cana-de-açúcar já se utilizem biológicos.
AgriBrasilis – Grandes mercados como o europeu, por lei não permitem o uso de certos princípios ativos, como o Brasil tem atendido as demandas internacionais?
Marcelo Morandi – O Brasil adota critérios internacionalmente aceitos para o registro, rotulagem e uso de pesticidas. Entretanto, cada país tem suas particularidades e exigências aplicadas à sua realidade. Essas imposições locais resultam em barreiras não tarifárias e exigências sanitárias em diversos países. Como grande produtor e exportador de produtos agrícolas para mais de 160 países, o Brasil tem que atender aos critérios dos importadores. De forma geral, temos sido muito bem-sucedidos neste processo.
Mas essa questão estressa a importância de o País ter um processo de registro de agrotóxicos ágil e eficiente
(incluindo os produtos biológicos), para que novos produtos, mais modernos e menos tóxicos possam estar disponíveis no mercado, substituindo produtos mais tóxicos ou banidos.
AgriBrasilis – Como é realizado o processo descoberto de novos agentes e a introdução de um novo inimigo natural de uma praga no ambiente?
Marcelo Morandi – O processo desde a descoberta até o registro e liberação de um novo produto biológico no mercado passa por uma série de etapas, que são fundamentais para garantir a segurança e eficácia do produto biológico. Incluem etapas de identificação e pesquisa de novos ativos, produção em escala e formulação, avaliação
no campo, análise de segurança e, finalmente registro. Esse processo pode durar em média de 5 anos, mas é fundamental para o sucesso e credibilidade do controle biológico.
AgriBrasilis – O Brasil é um grande polo de agricultura tropical. Estamos lançando ou seguindo tendências mundiais?
Marcelo Morandi – O Brasil é líder no desenvolvimento de tecnologias para a agricultura tropical e possui conhecimento e estrutura para despontar no cenário mundial como um grande inovador no desenvolvimento de produtos biológicos, especialmente por sua riqueza em biodiversidade. O país se tornou pioneiro na produção e uso de agentes de controle microbiano e inimigos para controlar pragas e doenças. O mercado brasileiro de agentes de biocontrole tem crescido e se diversificado significativamente nos últimos anos.
Os estudos desenvolvidos nas Universidades e Institutos de Pesquisa têm sido cada vez mais transferidos para a
indústria. Os investimentos no setor têm aumentado significativamente.
De 2015 a 2019, 40 novas empresas colocaram no mercado seu primeiro produto. Atualmente já são 80 empresas registradas, entre elas empresas tradicionais do setor de produção de pesticidas. Muitas empresas de controle biológico da Europa, América do Norte e mesmo de países asiáticos têm feito parcerias com empresas nacionais, trazendo novas tecnologias e investimentos.
