A agroindústria no Brasil face o COVID-19 : Pesquisadores da FGV abordam os impactos

Felippe Cauê Serigatti é doutor em Economia pela Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV), Professor e pesquisador do Centro de Agronegócios da FGV (FGV Agro) - esquerda. Roberta Possamai é mestre em Economia Agrícola pela Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV) e pesquisadora do Centro de Agronegócios da FGV (FGV Agro) - direita.
Publicado em: 18 de setembro de 2020

Devido à pandemia do COVID-19, o Brasil começou a adotar, em meados de março de 2020, uma série de medidas restritivas de circulação de pessoas e de funcionamento das atividades econômicas com o objetivo de reduzir a propagação da doença no país. Como consequência, o setor agroindustrial foi afetado já em março, mesmo que as medidas tenham se concentrado apenas na segunda quinzena do mês. Para entender como a Agroindústria foi impactada pela quarentena, serão utilizados os dados do Índice de Produção Agroindustrial (PIMAgro) divulgados mensalmente pelo Centro de Estudos do Agronegócio (FGV Agro). Esses dados têm como base a Pesquisa Industrial Mensal – Produção Física (PIM-PF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

Diante desse contexto, a produção física da Agroindústria registrou uma contração de 5,6% em março de 2020 em comparação com o mesmo período do ano anterior. É importante ressaltar que a intensidade dessa contração foi significativa de tal modo que compensou os crescimentos registrados em janeiro (0,3%) e fevereiro (1,9%) de 2020. Dessa forma, com a retração de março, a produção agroindustrial do primeiro trimestre do ano foi “empurrada” para campo negativo, registrando uma queda de 1,2% na comparação com o mesmo trimestre de 2019.

Sobretudo, o segmento que puxou a Agroindústria para baixo foi o de Produtos NãoAlimentícios, que contraiu em 9,4% no mês. Para entender a magnitude dessa contração, basta compará-la com a retração interanual observada em maio de 2018 (-8,2%), mês em que ocorreu uma das principais crises para o setor agroindustrial, a greve dos caminhoneiros. Ou seja, a contração de março de 2020 foi mais intensa do que a sofrida na paralisação de maio de 2018.

Dentro do segmento de Produtos Não-Alimentícios, com exceção dos setores de Insumos Agropecuários (0,8%) e de Biocombustíveis (5,9%), todos registraram contração de sua produção física, sendo que o destaque negativo ficou para o setor de Produtos Têxteis, que retraiu 22,0%. É válido salientar que a queda sofrida pelo setor de Produtos Têxteis foi a maior de toda a série histórica, iniciada em janeiro de 2003.

Apesar de o segmento de Produtos Não-Alimentícios ter puxado a Agroindústria para baixo, o segmento de Produtos Alimentícios e Bebidas não passou ileso pelos efeitos da quarentena iniciada em meados de março, registrando uma queda de 1,9% no mês. A contração do segmento de Produtos Alimentícios e Bebidas foi liderada pelo setor de Bebidas, que retraiu em 18,7%. A queda da produção física desse setor foi mais expressiva do que a verificada em maio/2018 (-13,3%), mês em que ocorreu a greve dos caminhoneiros no Brasil.

Além disso, a retração não ficou restrita a um tipo de produto, ou seja, tanto as bebidas alcoólicas (-20,9%), como as bebidas não-alcoólicas (-16,1%) registraram forte contração no período. Na verdade, quem tem passado ileso aos efeitos da pandemia é o setor de Produtos Alimentícios, que se expandiu 3,4% em março de 2020 na comparação com o mesmo período do ano anterior, sendo que esse foi o maior crescimento para o setor (para essa mesma base de comparação) desde outubro de 2019 (13,3%).

Dentro do setor de Produtos Alimentícios, os Alimentos de Origem Vegetal registraram um crescimento de 7,2%, enquanto que a de Alimentos de Origem Animal, expandiu 1,4% no mês.
Portanto, em linhas gerais, o que se observou nos dados de março de 2020, foi que, por um lado, os setores agroindustriais que conseguiram sustentar o crescimento da sua produção foram aqueles que (i) são considerados essenciais e (ii) cuja demanda está associada ao consumo doméstico; tal como o setor de Produtos Alimentícios.

Por outro lado, aqueles setores não essenciais ou que a demanda está relacionada ao setor de serviços (como restaurantes, bares, lanchonetes e padarias) sofreram, já em março, o impacto da quarentena de forma intensa; nesse grupo, merece destaque o setor de Bebidas, cuja produção contraiu 18,7%, e do segmento de Produtos Não-Alimentícios como um todo, que registrou uma contração de 9,4%.

Por fim, esses foram os resultados de março, época em que as restrições de circulação de pessoas e de funcionamento da economia ainda eram concentradas em poucas regiões, e só atingiu a última metade do mês.

Agora resta saber como a Agroindústria se comportou a partir de abril, mês em que as limitações ficaram mais severas e mais dispersas pelo país. A análise dos próximos dados do PIMAgro será essencial para saber como a Agroindústria brasileira foi impactada com as medidas mais rígidas adotadas em abril, e nos meses que virão.