Produção é recalculada para 18,4 milhões de caixas a menos, explicam especialistas
A seca no final do ano no cinturão citrícola do Brasil provocou inúmeros impactos na agricultura de forma geral, inclusive na citricultura do estado de São Paulo e Minas Gerais, maiores responsáveis pela produção nacional de laranjas. A AgriBrasilis entrevistou em conjunto com Juliano Ayres, Renato Bassanezi e Vinícius Trombin, que são, respectivamente, Gerente-geral, Pesquisador e Coordenador da Pesquisa de Estimativa de Safra do Fundecitrus.

Vinícius Trombin
AgriBrasilis – Qual é a previsão da safra 2020/21? A estiagem prolongada no fim do ano afetou a produção?
Vinícius Trombin – A reestimativa da safra de laranja 2020/21 do cinturão citrícola de São Paulo e Triângulo/Sudoeste Mineiro, publicada em 10 de dezembro de 2020 pelo Fundecitrus, realizada com a cooperação da Markestrat, FEA-RP/USP e FCAV/Unesp, é de 269,36 milhões de caixas de 40,8 kg. A primeira reestimativa, feita em setembro, já mostrava queda em relação à projeção inicial, mas a chegada tardia das chuvas da primavera e o calor intenso frustraram de forma significativa a expectativa de produção. Nesta segunda reestimativa, a redução é de 18,40 milhões de caixas, o que representa uma diminuição de 6,39% em relação à estimativa inicial. Se essa nova projeção for confirmada no encerramento das colheitas, será a maior quebra de safra do cinturão citrícola desde 1988/89, quando a série histórica foi iniciada, com retração de 30,36% em comparação à temporada anterior. Da safra total, cerca de 19,35 milhões de caixas deverão ser produzidas no Triângulo Mineiro.
Os danos provocados pelas intempéries climáticas variaram de região para região, inclusive entre os talhões de uma mesma fazenda. Mas, em praticamente todas as regiões do cinturão citrícola, foram identificadas árvores com sinal de estresse hídrico. Inicialmente, os sintomas apareceram nas plantas enxertadas em porta-enxertos menos resistentes à seca, como o citrumelo Swingle, mas logo também foram notados em laranjeiras enxertadas em limão Cravo e em outros porta-enxertos.
Nas regiões com maior déficit de chuva, foi observada uma frequência maior de pomares com árvores que apresentaram enrolamento das folhas, mudanças na tonalidade do verde das árvores e intenso desfolhamento, secagem de ramos, frutos com queimaduras de sol, murchamento, redução do crescimento e diminuição da quantidade de suco. A ocorrência de chuvas esparsas, seguidas por períodos secos, levou a uma nova fase de crescimento dos frutos, mas, em alguns casos, a estrutura interna da casca não teve plasticidade suficiente, desencadeando depressões e rachaduras, que resultaram em queda prematura desses frutos. As árvores mais debilitadas por alguma deficiência nutricional ou problemas fitossanitários, como o greening, apresentaram-se mais suscetíveis aos efeitos da seca, produziram laranjas menores e tiveram queda mais acentuada de frutos.
Em muitos pomares, a estiagem de longa duração e o calor intenso causaram prejuízos irreversíveis, como a morte de plantas espalhadas pelo talhão. Casos mais drásticos foram vistos em alguns talhões de sequeiro, principalmente nos setores Norte, Noroeste e Centro, onde todas ou quase a totalidade das árvores do talhão morreram.
A quebra de safra só não foi ainda maior porque uma parcela considerável da produção ficou menos exposta às intempéries climáticas. Em linhas gerais, esse grupo é composto pela produção das 34,78 milhões de laranjeiras de variedades precoces, que foram colhidas majoritariamente antes da fase mais crítica da estiagem; 43,36 milhões de árvores das variedades de meia-estação e tardias, que estão em pomares irrigados; e 26,41 milhões de árvores das variedades meia-estação e tardias, que estão em pomares localizados nas regiões de Itapetininga e Avaré, áreas que apresentaram menores déficits de chuva. Essas árvores somadas compreendem 60% das laranjeiras produtivas do cinturão citrícola.
AgriBrasilis – Qual a representatividade da citricultura brasileira a nível mundial?
Vinícius Trombin – O Brasil abriga o parque citrícola mais competitivo do mundo. De acordo com dados do Departamento Agrícola dos Estados Unidos, USDA, o Brasil detém cerca de 35% da produção mundial de laranja, aproximadamente 63% da produção mundial e quase 80% do comércio internacional de suco de laranja.
AgriBrasilis – Sobre a presença do greening no Brasil, com o que devemos nos preocupar?

Renato Bassanezi
Quais são as estatísticas mais atuais?
Renato Bassanezi – O greening foi relatado pela primeira vez no Brasil em 2004, no centro do estado de São Paulo. Desde então foi se disseminando por todo o parque citrícola e, atualmente, está presente nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Mato Grosso do Sul. Em São Paulo, maior polo produtor de laranja do Brasil, 20,87% das laranjeiras apresentavam sintomas da doença em 2020. Segundo dados da Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo, mais de 55 milhões de laranjeiras foram eliminadas por conta do greening desde 2005.
Essa doença não tem cura e causa sérios danos às plantas afetadas, com acentuada perda de produção e de qualidade da fruta. Com o passar dos anos, a planta definha e perde sua capacidade produtiva.
A situação atual poderia ser pior se, desde o princípio, medidas para a prevenção de novas infecções não tivessem sido adotadas pela maioria dos produtores, como o uso de mudas sadias, a eliminação de plantas doentes e o controle rigoroso do inseto vetor, o psilídeo Diaphorina citri. Na Flórida, EUA, onde a doença foi reportada em 2005 e a proteção contra novas infecções não foi adequada, mais de 90% das plantas de citros estão contaminadas e a produção de laranja caiu mais de 70% desde então.
Com o passar dos anos e com os conhecimentos gerados pela pesquisa, o controle do greening foi sendo aperfeiçoado, incluindo medidas com maior amplitude de prevenção da doença, como o manejo regional do psilídeo, com aplicações coordenadas e simultâneas de inseticidas por todos citricultores da região e a eliminação de plantas doentes também em propriedades não comerciais, como quintais urbanos e rurais, pastagens e matas, ao redor das propriedades comerciais.
Associada a estas medidas, também passaram a ser adotadas medidas de aceleração e incremento de produtividade para amenizar as perdas provocadas pelo greening, como a escolha de combinações de variedade de copa e porta-enxerto mais produtivas, o plantio mais adensado, a adubação mais adequada e a irrigação dos pomares. Assim, o estado de São Paulo tem conseguido manter sua produção relativamente estável mesmo na presença da doença e com a redução da área plantada de citros.

Juliano Ayres
AgriBrasilis – Quais são os principais desafios do Fundecitrus hoje?
Juliano Ayres – O Fundecitrus tem como objetivo manter a sanidade e a competitividade da citricultura brasileira. Nesse sentido, continuar trabalhando para a geração de conhecimento que permita um controle cada vez eficiente do greening, que é a pior e mais destrutiva doença do setor mundialmente, ainda sem cura. Além disso, desenvolver mecanismos para uma citricultura cada vez mais sustentável sob os pilares econômico, social e ambiental.
