Monitorando o desmatamento na floresta Amazônica: Uso de satélites para mapeamento e monitoramento de 340 milhões de hectares de florestas

Publicado em: 9 de setembro de 2020

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) é referência mundial em sensoriamento remoto e monitora o desmatamento na Amazônia desde o final dos anos 80, sendo pioneiro no monitoramento via satélite de florestas tropicais. Para endereçar questões relacionadas ao desmatamento e atividades do INPE, Luiz Aragão concedeu a seguinte entrevista à AgriBrasilis.

 

 

Luiz Aragão é formado em Biociências e Biotecnologia pela Universidade Norte Fluminense, doutorado com intercâmbio interuniversitário em Sensoriamento Remoto pelo INPE e Universidade de Edimburgo, e pós-doutorado pela Universidade de Oxford. Ele atua como Professor Associado da Universidade de Exter-Reino Unido e atualmente é Pesquisador do INPE, Chefe da Divisão de Sensoriamento Remoto e presidente do Comitê Científico do Programa de Biosfera Atmosfera em Grande Escala na Amazônia (LBA), coordenando o Grupo de Pesquisa TREES (grupo Ecossistemas Tropicais e Ciências Ambientais).

 

 

AgriBrasilis – O INPE é referência mundial em sensoriamento remoto, e possui um amplo programa de monitoramento da região amazônica. Do que se trata a “Missão Amazônia” e o que se espera deste trabalho? Qual o seu custo?
Luiz Aragão –
O INPE monitora o desmatamento na Amazônia desde o final da década de 1980. O Instituto é o pioneiro no mundo do monitoramento por satélite das florestas tropicais, atualmente amplamente difundido. Para
que o Brasil conquistasse autonomia nacional deste monitoramento, em 1988 iniciou-se com a China uma parceria para o desenvolvimento de uma série de satélites de observação da Terra, conhecidos como Programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite, Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). No final do ano passado, lançamos para o espaço o satélite CBERS 04A. As imagens geradas por estes satélites vêm sendo utilizadas para o monitoramento do desmatamento na Amazônia e outros biomas, além de serem utilizadas para aplicações na agricultura, nos recursos florestais, no planejamento territorial entre outras.

Com o conhecimento adquirido durante mais de 30 anos do programa CBERS, o Brasil assumiu o compromisso de desenvolver um satélite 100% nacional. Esta missão, denominada como Missão Amazônia contou com um orçamento de R$ 300 milhões para o desenvolvimento do satélite Amazônia-1, e um custo adicional de cerca de R$ 110 milhões para enviá-lo para o espaço. Este satélite, com lançamento previsto para 2020, fornecerá dados
(imagens) de sensoriamento remoto para observar e monitorar o desmatamento, especialmente, na região
amazônica, como também, para acompanhar a diversificada agricultura em todo o Brasil, com tempo de revisita alto, subsidiando os programas ambientais existentes no INPE.

Dois programas, coordenados pela Coordenação de Observação da Terra do INPE, são usuários diretos destes dados
de satélite, o Programa de Monitoramento por Satélite da Amazônia (PRODES) e o Programa de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (DETER). O programa PRODES provê taxas anuais de desmatamento para o
governo brasileiro e para a sociedade. Estas taxas anuais são utilizadas para o planejamento estratégico de políticas públicas para o desenvolvimento da região amazônica e o monitoramento, deste 1988, do estado de conservação da floresta. Já o programa DETER, provê alertas quase diários de desmatamento na Amazônia e outros biomas com a finalidade de auxiliar no combate à atividades ilegais de desmatamento, já que são consideradas criminosas no Brasil.

AgriBrasilis – Baseado no monitoramento realizado pelo INPE, como tem evoluído as taxas de desmatamento da floresta Amazônica? Em que períodos foram identificados maior acréscimo de desmatamento?
Luiz Aragão – Historicamente, em média, entre 1996 e 2005, a Amazônia sofria um desmatamento anual de
19.500 km 2 , uma área equivalente a mais que duas cidades de Tóquio desmatadas por ano. As taxas de desmatamento no Brasil decaíram em mais de 70% a partir de 2004, ano em que foi criado o programa DETER. A tendência de decaimento seguiu até 2012, quando foi atingida a menor taxa de desmatamento de toda a história do monitoramento, com cerca de 4.500km² desmatados. Esta redução abrupta, das taxas de desamamento amazônico entre 2004 e 2012, pode ser atribuída a vários fatores, dentre estes cito:
(1) a criação do sistema de alerta do desmatamento (DETER), que auxilia até hoje as ações de fiscalização contra o desmatamento ilegal, (2) a implantação de políticas de conservação ambiental, como a criação de unidades de conservação, o código florestal e o Plano Nacional sobre Mudanças do Clima, e (3) a regulação do mercado de commodities que, apesar de uma reação inicial negativa, percebeu o valor de certificar seus produtos como desassociados dos crimes ambientais como o desmatamento. Esta regulação do mercado ocorreu com o estabelecimento das moratórias da soja e da carne, que hoje em dia, tem o próprio agronegócio como um dos principais fiscais da conformidade dos agricultores com a legalidade da terra. Isto, garante o sucesso do Brasil no mercado internacional de commodities agrícolas.

Desde 2012, contudo, o desmatamento vem acelerando pouco a pouco, atingindo em 2019 a taxa de 9.760 km² , segundo os dados do PRODES. Este fato é preocupante porque o mercado de commodities evoluiu no sentido de exigir produtos conformes com a lei e com danos ambientais reduzidos. Principalmente, destaco os produtos que vem da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo e prestadora de serviços ecossistêmicos, como a amenização dos efeitos das mudanças climáticas, a garantia da água para população e para agricultura, assegurando alimentos, saúde e bem estar da população de todo o planeta.

O monitoramento e controle do desmatamento, se transformou, por necessidade do mercado em uma ferramenta indispensável para o agronegócio brasileiro e global. Muito me preocupa este aumento de desmatamento,
que deve a qualquer custo ser contido em 2020 e nos próximos anos. O desmatamento não só causa um prejuízo ambiental enorme, com custos altíssimos para o país e para o mundo, mas também nos enfraquece quanto a nossa competitividade no mercado externo. Vejo essa necessidade de contenção do desmatamento como uma missão global, pois todos serão beneficiados. Para o próprio agronegócio florescer, existe a necessidade de um ambiente equilibrado e a situação fundiária legal, a partir do desmatamento controlado.

Vejo que o desenvolvimento sustentável em um nível global, passa pela percepção de que empresários, no
campo da agricultura, devem ativamente contribuir, até mesmo com a injeção de recursos para este controle ambiental. Com isso, teríamos rapidamente, produtos agrícolas “limpos”, garantiríamos a segurança alimentar do
mundo, e alavancaríamos negócios prósperos de longo prazo, com menos riscos ambientais, já que o ambiente permaneceria mais equilibrado.

AgriBrasilis – O Instituto possui alguma previsão sobre as tendências dos níveis de desmatamento nos próximos anos?
Luiz Aragão – Esta questão é complicada. Não temos um sistema de previsão, somente de monitoramento. A previsão do desmatamento, apesar de não ser impossível, é muito complicada para ser realizada quantitativamente.
São muitos fatores, e muitos destes são regulados pelo mercado e decisões políticas. Assim, da noite para o dia,
pode-se facilmente mudar a trajetória do desmatamento, sendo difícil prever. Existem modelos de mais longo prazo que estabelecem cenários de desenvolvimento e projetam o desmatamento para as próximas décadas, sendo mais apropriados para elaboração de planos estratégicos.

Com o conhecimento que temos atualmente do processo, podemos fazer inferências e avaliar tendências. Por exemplo, este ano de 2020, se ações emergenciais não forem tomadas, provavelmente passaremos dos 9.000 km² de área desmatada.

AgriBrasilis – Qual é a situação da fronteira agrícola na região do bioma amazônico, conforme os
monitoramentos?
Luiz Aragão – Já existe uma extensa área desta fronteira consolidada. Desde 2012, contudo, voltamos a detectar
a expansão desta fronteira com mais de 6,000 km² desmatados entre agosto de 2019 e maio de 2020, segundo o sistema DETER. Não sei se fronteira agrícola é o termo certo. Estas atividades de desmatamento que vemos, são em sua maioria criminosas, voltadas a especulação do mercado de terras e exploração ilegal de recursos naturais. A
comprovação desta realidade baliza-se no fato de que temos milhares de quilômetros quadrados de áreas desmatadas na Amazônia e no Cerrado, sem uso agrícola e sendo continuamente degradadas.

Chamar a área de expansão atual de fronteira agrícola implica em classificar vários atores, que prestam um serviço essencial para segurança alimentar global, como “foras da lei”. Sabemos que a maioria trabalha em plena legalidade. Eu prefiro denominar esta região de Arco do Desmatamento, que compreende toda a borda leste, sul e sudoeste da Amazônia. As ações no Arco do Desmatamento estão concentradas em três estados brasileiros, Pará, Mato Grosso e Rondônia, com, respectivamente, cerca de 2.600 km² , 1.400 km² e 900 km² desmatados entre agosto de 2019 e maio de 2020.
Estes três estados somam 79% de todos os alertas de desmatamento do período estipulado acima. Detectamos cerca de 50% do desmatamento em apenas 21 municípios amazônicos, que devem ser o foco das ações de fiscalização neste ano.

AgriBrasilis – Como os dados gerados pelo INPE podem auxiliar os programas ambientais existentes, a fim de alcançarmos um patamar de sustentabilidade?
Luiz Aragão – Esta é uma excelente pergunta. Acredito que um pouco já foi exposto nas perguntas anteriores, mas posso expandir. Estes sistemas de monitoramento são essenciais para conter atividades ilegais de desmatamento. O sucesso na redução do desmatamento é o caminho de partida para a sustentabilidade. Primeiro, as pessoas tem que entender que desenvolvimento e o crescimento econômico são desvinculados. Podemos desenvolver até mesmo sem
crescer economicamente. Um exemplo, seria a própria questão do desmatamento. Se fosse reduzido e estabilizado, já seriamos uma nação mais desenvolvida e sustentável. Porque? A remoção da cobertura florestal impede que a Amazônia contribua com a manutenção da umidade das massas de ar que por ela atravessam e irrigam os campos cultivados no sul e leste da região.

Consequentemente, sem parte desta floresta a chuva pode ser reduzida em até 40% nestas áreas que são uma
das mais produtivas do país. Reduzindo o desmatamento, diminuiríamos as queimadas, que também monitoramos
por satélite. As queimadas além de aumentarem as emissões de carbono para a atmosfera, contribuindo para o efeito estufa e o aquecimento do planeta, também impacta a biodiversidade que é, potencialmente, a maior fonte de riquezas que temos. A biodiversidade pode fomentar as indústrias farmacêuticas, de cosméticos e sustentar populações extrativistas indígenas e locais. As queimadas também afetam a saúde humana, devido a fumaça
liberada, causando prejuízo para o sistema público de saúde e custando vidas humanas.

Não posso deixar de ressaltar que precisamos nos preparar em 2020, e pensar em ações urgentes, pois com a tendência atual dos casos de COVID-19 no Brasil, é possível que haja uma sobreposição destes casos com casos de doenças respiratórias, induzidos pelas queimadas que seguirão após o desmatamento. Esta combinação pode
colapsar o sistema público de saúde.

Existem ainda muitas outras interações que são bem conhecidas, mas não irei me alongar. Quando percebemos
a interação entre todos esses componentes que descrevi, vemos que geramos enormes prejuízos para muitos e
benefícios para poucos. A avaliação bem embasada do impacto do desmatamento nos faz entender que este
processo pode comprometer o crescimento econômico da nação a longo prazo e degradar o bem-estar da população global.

Atacando o desmatamento, unicamente, já cumprimos diversas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, além de outras metas internacionais, com impacto global, como as de redução de emissões
de gases de efeito estufa, em conformidade com o Acordo de Paris em 2015, e as da Convenção da Biodiversidade
entre outras.

AgriBrasilis – Qual a relação entre desmatamento e desequilíbrio do bioma amazônico? É possível
mensurar os impactos socioeconômicos?
Luiz Aragão – Como exposto anteriormente, as atividades de desmatamento geram uma cascata de processos,
negativos, que afetam o funcionamento Amazônico. Se perdermos a Amazônia, as implicações serão desastrosas. Uma quantidade aproximadamente igual a 10 anos de emissões globais de dióxido de carbono será emitida para a atmosfera. Esta é a quantidade de carbono que está estocada nas árvores. O clima ficará mais seco, com isso a supremacia do agronegócio brasileiro, ou até mesmo global, pode declinar. O resultado seria uma insegurança alimentar enorme no mundo e para o Brasil, especificamente, uma quebra de sua balança comercial. Isso, porque, cerca de 40-50% das exportações brasileiras estão calcadas em commodities agrícolas e produtos derivados.

Se pensarmos coerentemente, concluímos rapidamente que o desmatamento ilegal, atual e futuro, não trará
desenvolvimento para o Brasil e ainda poderá arriscar a estabilidade do planeta Terra. Devemos focar em um
desenvolvimento que vise o aumento de nossa capacidade produtiva, que requer investimentos em tecnologia,
para aumentarmos a produção por unidade de área, e a estabilidade dos processos ecossistêmicos, que fornecem os elementos essenciais para a produtividade agrícola, para garantir que os avanços na agricultura não sejam perdidos a longo prazo.

Notas
¹ Satellite Satélite de Recursos Terrestres da China-Brasil (CBERS).
² Programa de detecção de desmatamento em tempo real (DETER) – fornece alertas quase diários de desmatamento na Amazônia e em outros biomas, ajudando a combater as atividades de desmatamento ilegal.
³ Programa Amazônia de Monitoramento de Satélites (PRODES) – fornece taxas anuais de desmatamento para o governo brasileiro e para a sociedade, utilizadas no planejamento de políticas públicas.