Seca extrema na Amazônia em 2023, um dos anos mais quentes da história recente

seca na Amazônia

“Com o planeta cada vez mais aquecido, é bem provável que outras secas tão fortes como essa virão, e com uma maior frequência…”

Ane Alencar é diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia – IPAM, formada em geografia pela Universidade Federal do Pará, mestre pela Universidade de Boston e doutora pela universidade da Flórida.

O IPAM é uma organização científica, não governamental, apartidária e sem fins lucrativos que trabalha pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia.

seca na Amazônia

Ane Alencar, diretora de ciência do IPAM


AgriBrasilis – A seca na Amazônia é decorrente das ações humanas?

Ane Alencar – A seca extrema de 2023 que atingiu a Amazônia foi causada pelo fenômeno El Niño e impulsionada pelas mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global. A ação humana tem impactado sobremaneira o aquecimento global, que afeta a intensidade e frequência dos fenômenos climáticos, como o El Niño.

Eu estudo incêndios florestais há quase 30 anos e uma das coisas que têm chamado muito minha atenção é que, com a paisagem florestal cada vez mais fragmentada pelo desmatamento, e com o planeta mais quente, a floresta está ficando mais suscetível ao fogo, mais “inflamável” do que antes. Entretanto, vale a pena lembrar: a floresta pode estar “inflamável”, mas ela só vai pegar fogo se alguém colocar.

AgriBrasilis – Essa seca pode ser considerada a “primeira de muitas”? Por quê?

Ane Alencar – Essa não foi a primeira grande seca vivida na Amazônia, mas foi uma das piores secas documentadas no bioma, tendo atingido parte importante da população da região, visto que o impacto da seca se concentrou na calha do rio Solimões e Amazonas, onde existem muitas cidades importantes e muitas comunidades ribeirinhas. Com o planeta cada vez mais aquecido, é bem provável que outras secas tão fortes como essa virão, e com maior frequência.

AgriBrasilis – A seca atual é diferente de outras que ocorreram no passado?

Ane Alencar – A seca de 2023 foi exacerbada pelas altas temperaturas vivenciadas no planeta no ano passado. Tivemos a seca de 2005, de 2010, mas nenhuma dessas ocorreu junto com um dos anos mais quentes da história recente do planeta.

AgriBrasilis – A Amazônia é o bioma mais afetado pelas mudanças climáticas?

Ane Alencar – O planeta como um todo é afetado pelas mudanças climáticas, e a Amazônia não foge dessa regra. Um planeta mais quente, com eventos extremos mais frequentes e intensos, como chuvas intensas, que geram inundações, ou secas severas, que causam mortandade de fauna e flora e deixam a paisagem mais inflamável, são alguns dos efeitos das mudanças climáticas.

AgriBrasilis – Está ocorrendo o desaparecimento de rios na região. Esses danos são reversíveis?

Ane Alencar – A seca afeta sobremaneira os rios. Nós vimos isso claramente em 2023. Provavelmente, quando começar a chover, esses rios vão recuperar parte de seu porte, mas não sabemos o efeito de médio e longo prazo na comunidade de peixes e animais aquáticos se essas secas ficarem muito frequentes, por exemplo. Provavelmente, os estoques não terão tempo de recuperação e só ficarão aquelas espécies que conseguirem se adaptar.

AgriBrasilis – Por que está ocorrendo aumento dos incêndios florestais ao longo dos anos?

Ane Alencar – Incêndios florestais são uma resposta às condições climáticas, mas também às ações humanas. Se temos uma seca muito forte, mas pouca gente desmatando e queimando, vamos ter menos incêndios do que teríamos se tivéssemos uma seca muito forte e muita gente desmatando e queimando. Então, os incêndios florestais aumentam muito quando estas duas condições são favoráveis.

AgriBrasilis – O que são as “cicatrizes de fogo” e por que são importantes?

Ane Alencar – Chamamos cicatrizes de fogo a marca nas imagens de satélite deixada pelas queimadas ou incêndios florestais, que nos permite delimitar e quantificar a área queimada. Esses dados de área queimada são importantes para determinar a tendência de aumento ou redução do fogo e apoiar a tomada de decisão, inclusive na hora do combate aos incêndios.

Muitas vezes, quando uma floresta sofreu um incêndio recente, a probabilidade de um fogo se espalhar na mesma aumenta, por isso é bom saber quais áreas já foram queimadas e quando, para ajudar na sua proteção. O mapeamento de cicatrizes de fogo ajuda a dar essa informação.

 

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