“Os mais afetados seriam as populações mais vulneráveis em todo o mundo, que são as que menos contribuem nas emissões…”
José Antonio Marengo Orsini é coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – Cemaden.
Marengo é formado em física e meteorologia pela Universidade Nacional Agrária La Molina do Peru, com doutorado pela Universidade de Wisconsin.
AgriBrasilis – Até onde a crise climática pode chegar?
José Marengo – Se o aquecimento continuar se intensificando, vamos ter extremos mais intensos e frequentes: secas, chuvas intensas que geram desastres, ondas de calor, furacões mais intensos. Tudo isso pode afetar a vida humana e os ecossistemas e serviços que eles oferecem.
Os mais afetados seriam as populações mais vulneráveis em todo o mundo, que são as que menos contribuem nas emissões de gases de efeito estufa.
“A causa dos incêndios é humana, intencional ou não intencional, como acontece no Brasil em geral, em que mais de 95% dos incêndios são humanos”
AgriBrasilis – O que os modelos do IPCC e de outros painéis mostram para o futuro próximo?
José Marengo – Os modelos do IPCC projetam clima futuro até 2100 considerando varias trajetórias socioeconômicas, que refletem níveis de aquecimento. Em todas as estimativas se projeta aumento das temperaturas em todo mundo e mudanças regionais nos padrões de chuvas.
Na América do Sul se projetam chuvas mais abundantes e intensas no sudeste de América do Sul e no leste da Amazônia e Nordeste. Na América central se projetam reduções de chuva até 2100.
As mudanças serão mais intensas se o aquecimento global alcançar 4º Celsius, cenário em que a adaptação será difícil. Se o aquecimento global não ultrapassar 1,5º Celsius, as mudanças serão menos intensas e adaptação seria viável.
AgriBrasilis – Os extremos climáticos estão se tornando cada vez mais frequentes. Como isso vai afetar o agro?
José Marengo – Sim, e esse processo já está acontecendo no presente, como consequência do aquecimento global.
Estão ocorrendo secas extremas e chuvas intensas mais frequentes. Existe um aumento do risco de secas e déficit hídrico para agricultura, secas e ondas de calor, que geram deficiência hídrica que afeta as culturas. Outro fator são as chuvas extremas, que causam inundações, como aconteceu em RS, afetando a cultura do arroz.
O desmatamento na Amazônia e as mudanças climáticas podem afetar o ciclo de chuvas e nisso gerar problemas de seca na região do agronegócio, em MS e MT, por exemplo.
AgriBrasilis – As inundações na região Sul podem se repetir?
José Marengo – Sim, e não somente no Sul, mas em outras regiões do Brasil, podendo afetar áreas urbanas e rurais.
O evento de maio de 2024 já mostrou que a agricultura e a população do RS não são resilientes aos extremos de clima presente, muito menos a um clima com mais extremos, que é o que se projeta para o futuro.
AgriBrasilis – Os incêndios nas lavouras de cana em São Paulo são fruto das mudanças climáticas?
José Marengo – Na verdade, a causa dos incêndios é humana, intencional ou não intencional, como acontece no Brasil em geral, em que mais de 95% dos incêndios são humanos.
O que favorece a presença de fogo é a presença de um clima mais seco e quente, como acontece agora, onde o oeste de SP está sob a influência de secas e ondas de calor.
Ainda que as causas de seca e ondas de calor sejam consequência de eventos meteorológicos, já tem estudos de atribuição que mostram que esses fenômenos podem ser mais frequentes devido a mudanças de clima de origem antrópica.
AgriBrasilis – Que áreas no Brasil são as mais vulneráveis e por quê?
José Marengo – Depende. No caso da vulnerabilidade social, pode-se mencionar o semiárido e os povos indígenas e comunidades tradicionais. Em termos de biodiversidade: Amazônia, Pantanal e Cerrado. Sobre segurança hídrica: teríamos o Centro-Oeste e Sudeste.
No Sul existem vulnerabilidades relativas aos eventos extremos e desastres, tais como deslizamentos de terra, enchentes e inundações. No final, o Brasil como um todo é vulnerável aos extremos de clima e sofre com as mudanças climáticas.
AgriBrasilis – O Brasil está de fato tratando as mudanças climáticas como agenda prioritária?
José Marengo – No Governo atual, eu diria que sim. O tema de mudanças climáticas se trata no nível interministerial, mas as ações estão concentradas no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – MMA e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, que juntos estão elaborando os Planos CLIMA Adaptação e Mitigação.
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