
Rubens Sawaya possui graduação em Ciências Econômicas, mestrado em Economia e doutorado em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC – SP). Atualmente é Professor do Departamento de Economia da PUC e Coordenador da pós-graduação em Economia Política na mesma instituição, e é Diretor do International Initiative for Promoting Political Economy (IIPE).
O docente escreve o seguinte artigo para AgriBrasilis onde retrata o cenário macroeconômico em
que o Brasil, e o mundo, estão vivenciando devido à epidemia do Coronavírus (CONVID-19), e o que podemos esperar em um futuro próximo.
A solução para a crise global de 2008, uma crise que nasceu nos mercados especulativos, envolveu grande emissão monetária e forte elevação da dívida pública para salvar os mercados especulativos na Europa e EUA. Contraditoriamente, após o processo, os mercados financeiros recuperados passaram a acusar o Estado de “gastador”. Assim, nos últimos 10 anos, exigiram no mundo o fim do Estado de bemestar, “reformas” com cortes na saúde, educação, direitos trabalhistas e previdenciários.
Assim, se de um lado o Estado forneceu a liquidez que acabou por inflar novamente a bolha especulativa sem impacto sobre a economia real ou inflação, de outro, foi obrigado a enfraquecer sua capacidade de ação com políticas fiscais de anticíclicas e cortar recursos de políticas sociais enfraquecendo os sistemas de saúde com elevação e permitindo uma precarização do trabalho.
Construiu assim o cenário para a tempestade perfeita. A crise atual nasceu com a parada súbita da economia chinesa, dado o tamanho e a importância que tem para a estrutura produtiva mundial
hoje, responsável por mover as cadeias de valor espalhadas nas estruturas produtivas globais, bem como por sua conexão estrutural com as economias dos EUA e Europa.
De um lado os EUA e Europa são os maiores mercados de produtos industrializados chineses; de outro, são, em parte, as próprias corporações norte-americanas e europeias que produzem em sistema de joint venture na China – às vezes com estatais chinesas – e que exportam para os EUA e
Europa. Nos últimos anos, parte do crescimento (mesmo baixo) das economias europeia e norte-americana observado deveu-se a esta relação com a economia chinesa – centralmente planejada e com estratégia global bem definida – e não com a ideologia de “menos Estado” que atacou as economias ocidentais. Vale lembrar que, além disso, a China é o centro estruturante das economias em seu entorno no oriente, inclusive o Japão.
A crise do Coronavírus, ao sinalizar aos mercados especulativos – montados em nova e enorme bolha – uma possível estagnação chinesa, rompeu a frágil confiança que o sustentava e arrastou o mundo para talvez uma crise maior do que a de 2008. Pelo fato de a China ser uma economia centralmente planejada, poderia ser mais fácil sua recuperação, tenha-se como exemplo sua capacidade de frear o contágio pelo vírus em um país com 1,3 bilhão de pessoas. De outro lado, o ocidente está totalmente despreparado para enfrentar tanto a crise sanitária como econômica. Ao transformar seu Estado em “mínimo” pelas reformas dos últimos 30-20 anos, tornou difícil a capacidade de reação organizada pelos Estados para uma recuperação.
Basta ver como os países têm sofrido mais do que a China com a crise sanitária. Assim, se há algum impedimento para uma retomada do crescimento chinês é com qual velocidade sairão EUA e Europa dessa crise econômica e social. Aceitarão, como a China faz, uma ação contundente de elevação do investimento público? Do lado ocidental, as economias são dominadas por grandes corporações, o que dificulta a criação de uma estratégia política orgânica; do lado oriental há uma economia organicamente estruturada e planejada para a ação.
O Brasil, de outro lado, optou por uma inserção subordinada nesse novo mundo, como primário-exportador com elevada dependência da importação de partes peças e componentes para sua indústria. Portanto sua situação é muito mais frágil dado que não tem poder de comando sobre sua dinâmica. Se insere no mercado internacional como exportador de commodities, principalmente soja e minério de ferro, produtos de baixo valor agregado, que geram poucos empregos e de baixa
qualidade e remuneração, portanto, sem capacidade de puxar a economia brasileira.
Esses setores até têm algum efeito positivo sobre a produção industrial de caminhões, tratores, máquinas e equipamentos agrícolas, mas dado elevado índice de componentes importados, também possuem baixo efeito multiplicador. Com se não bastasse, as exportações de commodities já vinham sofrendo com a baixa de preços, em parte compensada pela elevação da quantidade e,
agora, respira um pouco melhor com a desvalorização cambial.
A fragilidade de uma economia apoiada na exportação de produtos primários ficou escancarada já em 2019 com a queda no saldo comercial, elevação do déficit da conta de Transações e, depois de 5 anos de crise e economia estagnada, uma forte fuga de capitais. Se não fosse o volume de reservas acumuladas nos últimos 20 anos, a situação externa poderia ser mais grave. A crise no Brasil,
portanto, é anterior e a queda nos mercados especulativos e só escancara a falsa cresça que
os havia inflado.
Para completar, o Brasil vem implementando uma política de reformas que não apenas retira do Estado o poder de comando sobre a economia, como deixa a sociedade como um todo muito mais vulnerável frente à perda de direitos trabalhistas e da política de bem-estar social. É uma sorte que não tenha sido destruído o sistema nacional de saúde (SUS) em meio a pandemia. Basta lembrar o enfraquecimento do BNDES que na crise de 2008 foi o maior responsável por amenizar suas consequências. Portanto, se a economia brasileira já vinha combalida nos últimos 5 anos, teria que recuperar rapidamente os instrumentos de intervenção para evitar que a atual crise termine em catástrofe.
No setor externo, a dependência estrutural e unilateral com a economia chinesa é a maior causa da vulnerabilidade do Brasil. A China é muito importante para o País, mas o Brasil não tem importância para a China. Os principais mercados dos produtos chineses não estão no país e, com a crise dos últimos anos, até o tradicional mercado interno vem se enfraquecendo. Assim, apesar de ser um importante fornecedor de commodities básicas para a China, ocupa uma posição subalterna.
Na disputa entre China e EUA, por exemplo, os chineses preferem comprar soja Norteamericana mesmo com preços elevados, dado que vendem produtos manufaturados para os EUA. Para eles, essa relação é estratégica. A China tem um poder de oligopsônio sobre o Brasil, dado que compra entre 60% e 80% da soja exportada. O Brasil está nas mãos dos chineses.
A crise expõe a fragilidade da opção do Brasil por uma inserção subordinada no mercado internacional como exportador de matérias-primas básicas a um único comprador. Não apresenta nenhuma política estratégica industrial ou de busca de alguma autonomia. A crise deixa claro
que mercados especulativos não refletem a economia real, que destruir a capacidade de
intervenção pública pode ser fatal e que não ter estratégia de integração internacional significa abrir mão de qualquer poder sobre sua própria economia. Por isso, a crise no Brasil, ao contrário de 2008, pode ter consequências muito mais graves.
