
Helvecio Saturnino, Presidente da Associação Brasileira de Irrigação e Drenagens comenta sobre o setor.
O Brasil ocupa o 16º lugar entre os países com maior área irrigada no mundo com 6,9 milhões de hectares, de acordo com a Agencia Nacional das Águas, porém a relação entre a área irrigada e a área plantada ainda é baixa. Segundo o IBGE, atualmente existem 505 mil empreendimentos envolvidos no setor de irrigação, entre eles grandes empresas do setor, fabricantes e usuários finais da tecnologia. Adicionalmente, nas últimas 3 décadas, por todo território nacional, somam-se mais de US$ 2 bilhões investidos por parcerias público-privadas.
Mas a irrigação ainda é representa um pequeno setor frente ao potencial estimado do País, assim, a AgriBrasilis conversou com Helvecio Saturino, consultor e engenheiro agrônomo com mestrado pela Purdue University nos Estados Unidos, hoje ele ocupa o cargo de presidente da Associação Brasileira de Irrigação e Drenagens e mostrou diversas óticas sobre o setor.
AgriBrasilis – O Brasil é um país com recursos hídricos em abundância, o que tem sido feito para manter esse status?
Helvecio Saturino – A Política Nacional de Recursos Hídricos baseia-se no fundamento de que a água é um recurso natural limitado de domínio público, dotado de valor econômico. Existem normas de direito de uso: as outorgas. Perante o mundo, o Brasil recebe 12% das precipitações. Ao somarmos as águas superficiais advindas de países vizinhos, que adentram ao território, a estimativa é de que somos contemplados com 18% da água doce do mundo. O Brasil tem sido um exemplo de boas práticas em favor do bom manejo e conservação dos seus recursos naturais, daí a importância do planejamento e gestão das bacias hidrográficas.
AgriBrasilis – Se comparado a outros países, a agricultura irrigada é realidade?
Helvecio Saturino – A estimativa para o final de 2020 são entre 7 a 8 milhões de hectares com agricultura irrigada. Contudo, o potencial existente é mais de 10 vezes este número. Vale registrar, também as chamadas águas servidas que, ao passarem pela agricultura irrigada, em projetos desenvolvidos para esse propósito, devolvem-nas ao ciclo
hidrológico completamente depuradas. O Banco Mundial levantou um estudo sobre o impacto do desenvolvimento da agricultura irrigada, especial foco no Nordeste. Em síntese, todos os municípios engajados nos empreendimentos do projeto, melhoraram o IDH. Ao invés da figura do “nordestino retirante”, houve geração de renda e empregos que passaram a atrair uma vasta gama de trabalhadores.
Uma recorrente pergunta em fóruns internacionais é: “Por quê diante o potencial existente, o Brasil irriga tão pouco?” Em linhas gerais irrigamos cerca de 10% da área que a China ou a Índia irrigam, 20% do que os Estados Unidos irriga. Seus governos têm ativa participação nos comitês com interesse comum em temas estratégicos.
A sede do fórum da ICID fica em Nova Deli e seus dirigentes têm estado muito empenhados nesse maior envolvimento brasileiro, inclusive com articulações junto a embaixada do Brasil na Índia.
AgriBrasilis – A projeção populacional da FAO para 2050 ultrapassa 9 bilhões de habitantes. Quais serão os desafios para suprir a demanda de abastecimento humano?
Helvecio Saturino – A ABID tem um posicionamento a favor da exploração econômica em harmonia com a natureza, pautando o desenvolvimento da agricultura irrigada e a preservação dos recursos naturais para as futuras gerações. Estudos têm evidenciado a necessidade de aumento em cerca de 70% na produção mundial de alimentos. Cabe ao Brasil a enxergar a oportunidade de dobrar a sua atual produção para atender essa estimativa até 2050.
O manejo integrado das bacias hidrográficas é uma complexa equação e o grande desafio está na falta de uma Política de Estado.
AgriBrasilis – De forma geral, o País contribui para o desenvolvimento de tecnologias no setor?
Helvecio Saturino – Diante o potencial existente para seu crescimento, há uma limitação, que é a falta de “cultura” brasileira sobre o negócio da agricultura irrigada. São diversas interfaces, cujas amarras o fazem depender de outros setores que, via de regra, não têm a competência para tratar e explorar esses predicados, que requerem firmes decisões, o que desestimula o empreendedorismo.
No entanto, produtores dos mais diferentes portes, com variados arranjos produtivos, em diversas regiões do Brasil, têm realizado empreendimento exemplares.
AgriBrasilis – Como a gestão de recursos hídricos pode impactar a agricultura?
Helvecio Saturino – Em 1995 o Brasil tinha uma área irrigada de cerca de 2.59 milhões de hectares. Com ampla predominância do arroz no Sul, cerca de 50% era irrigação por superfície e os 50% restantes de irrigação mecanizada. Em ordens de grandezas, pode-se estimar que a irrigação por superfície tem mantido essa área em torno de 1,3 milhão de hectares, tendo-se quase a totalidade da mesma com a cultura do arroz.
Já, na chamada irrigação mecanizada, há basicamente a irrigação localizada e de aspersão, com destaque para os pivôs, houve uma marcante evolução de área. Com isso, houve expansão de uma diversificada agricultura irrigada, com inúmeras empresas mundiais de equipamentos de irrigação presentes no Brasil. É neste amplo contexto que afloram os sinergismos e complementaridades entre os diversos usuários das águas e o que a gestão do plano de recursos hídricos pode fazer para fortalecer seu fomento.
AgriBrasilis – Muito se fala sobre a indústria e a agricultura realizarem uso abusivo de recursos naturais. Com o que devemos nos preocupar em relação a este assunto?
Helvecio Saturino – Precisamos atentar que a água é vital na produção de alimentos. Para o planejamento e a gestão integrada das bacias hidrográficas, fica evidente que é no espaço rural que estão as condições para melhor disciplinar o fluxo hídrico. Vale enfatizar que a boa gestão não deve deixar escapar uma gota que cai em sua área,
fazendo-a infiltrar para recarregar os aquíferos e o próprio solo, tendo como princípio o assoreamento zero.
Isso redunda em benefícios para toda a sociedade, principalmente quando o produtor é envolvido e contemplado com as políticas voltadas para o planejamento e gestão das bacias hidrográficas com garantias de acesso e utilização da água na agricultura. Experientes empreendedores e estudiosos afirmam que a agricultura irrigada é uma das formas, senão a única, capaz de reverter quadros de miséria no Brasil, com água como vetor para essas mudanças.
Mas a Política Nacional de Irrigação, Lei 12.787, sancionada em 14/01/2013, com vetos da presidente, após tramitar por 17 anos no Congresso Nacional, ainda não foi regulamentada. Há muito para avançar.
