Brasileiros se destacam no exterior na área regulatória de agroquímicos

Published on: June 19, 2025

“…a constante evolução dos sistemas regulatórios internacionais e a necessidade de harmonização com outros países adicionam camadas adicionais de complexidade…”

Luis Claudio Perfeito Damasceno é head global de assuntos regulatórios e governamentais na UPL, formado em biologia pela Mackenzie, com pós-graduação em proteção de plantas pela Universidade Federal de Viçosa e MBA pela Esalq/USP.

Rosa Maria de Sa Trevisan é diretora de assuntos regulatórios para as Américas da Sipcam Oxon, formada em ciências biológicas pela PUC, com especialização pela Mackenzie e mestrado em toxicologia pela Unicamp.


AgriBrasilis – Por que os brasileiros se destacam na área regulatória de pesticidas?

Damasceno – Alguns fatores são a importância da agricultura para a economia do Brasil, o protagonismo global como potência exportadora de alimentos e à necessidade de um sistema regulatório robusto para garantir a segurança e eficiência destes produtos. A formação acadêmica de alto nível e a adaptabilidade dos profissionais brasileiros também são cruciais.

Trevisan – O Brasil, sendo um dos maiores produtores de alimentos do mundo, representa para as empresas produtoras de pesticidas em torno de 60% do negócio da região. Considerando o dinâmico e complexo arcabouço legal do setor, essas empresas empregam profissionais na área regulatória que atuam nas Relações Governamentais, atividades pré-registro e pós-registro e stewardship.

Atuar no mercado brasileiro é uma escola, o sucesso requer a habilidade de navegar pelas áreas técnicas, regulatória, legal e política. Não temos uma formação específica no Brasil. Nos destacamos adquirindo experiência na trajetória e desenvolvendo a resiliência.

AgriBrasilis – Qual é a sua atuação na área? Qual foi a trajetória e os pontos de destaque de sua carreira?

Damasceno – Atuo na área regulatória de pesticidas há quase três décadas. Comecei como estagiário em uma consultoria regulatória e depois migrei para a indústria em 2004, na Isagro SpA, empresa italiana que estava expandindo para a América Latina. Durante esse período, liderei equipes de regulamentação e desenvolvimento de produtos, registrando produtos em mais de 20 países.

Em 2009, assumi a liderança da equipe regulatória latino-americana de uma empresa americana, Chemtura AgroSolutions. Descentralizei a equipe para estar mais próxima das autoridades regulatórias, o que acelerou o processo de registro de produtos. Em 2012 fui contratado pela Bayer para transformar a equipe de regulamentação do Brasil e de parte da América Latina. Conseguimos resultados significativos, incluindo o registro de uma nova molécula após um incômodo jejum de nove anos sem registro de uma inovação.

Em 2018, fui enviado para a sede da empresa na Alemanha, para liderar uma equipe global em segurança ambiental de produtos por três anos. Após esse período, voltei para a área regulatória para liderar o time global de fungicidas, o que foi uma experiência única. Em 2023, ingressei na UPL como responsável global de ciências regulatórias e assuntos governamentais, ainda sediado na Alemanha, liderando uma transformação na função, com foco em eficiência, redução de custos, e efetividade através da adoção de processos e ferramentas digitais para criar um espírito de comunidade global, de alto desempenho e internacional, espalhada por cinco continentes.

Trevisan – Hoje atuo dirigindo o regulatório das Américas, lidero as estratégias regulatórias de novos projetos de interesse ao negócio, como também na defesa e manutenção de produtos comerciais. O sucesso no registro e defesa de moléculas, bem como minha contribuição na implementação da avaliação do risco do uso de pesticidas no Brasil foram importantes destaques em minha carreira.

AgriBrasilis – O que levou o (a) senhor (a) a atuar fora do Brasil?

Damasceno – A oportunidade surgiu como parte de um plano de desenvolvimento de carreira quando eu ainda estava na Bayer. Foi um grande desafio sair da zona de conforto para liderar uma função global na sede da empresa na Alemanha, enfrentando uma cultura totalmente diferente da que eu estava acostumado. Essa tem sido uma jornada excepcional, em que estive adquirindo novos conhecimentos e expandindo meus horizontes, enquanto compartilho minha experiência acumulada no Brasil e América Latina. O que era para durar 3 anos se tornou uma jornada de quase 8 anos, enriquecendo minha vida e a de minha família através de trocas culturais e profissionais.

Trevisan – Sempre planejei atuar no exterior, ampliar horizontes no regulatório global. Fui agraciada com uma expatriação aos EUA me juntando ao time global da FMC Corporation por pouco mais de dois anos, interagindo com Europa, Ásia, Américas e participando em fóruns Internacionais da WHO/FAO/UNEP, discutindo segurança química. Foi uma experiência incrível e ali já sabia que voltaria a atuar no exterior em algum momento futuro. Retornei e aqui estou há seis anos contribuindo na arena internacional de regulatórios.

AgriBrasilis – Como foi a transição do ambiente regulatório brasileiro para o internacional?

Damasceno – A transição foi tranquila e enriquecedora. A base técnica e de gestão de pessoas é universal. Apesar de desafios, o Brasil possui um dos sistemas regulatórios mais complexos e robustos do mundo, o que facilitou minha adaptação. Trabalhar próximo ao time, viajando para diversos países, entendendo oportunidades e desafios locais, dialogando com produtores e autoridades foi essencial.

Trevisan – No Brasil construí a base, mas apenas quando efetivamente comecei a trabalhar no exterior fui entender que tinha muito a aprender. Mergulhei então nas diferentes regulamentações e suas nuances. Tive o privilégio de ter mentores excepcionais, pessoas brilhantes e acolhedoras, que me guiaram pelo caminho.

AgriBrasilis – O cenário brasileiro é mais complexo?

Damasceno – O cenário regulatório brasileiro é caracterizado por suas peculiaridades e complexidades. Muitas dessas características decorrem do sistema federal tripartite, no qual três órgãos são responsáveis pela análise e concessão de registros de pesticidas. Após a obtenção do registro federal, o produto ainda precisa ser cadastrado em cada um dos Estados onde será comercializado.

A complexidade se agrava com a necessidade de mais investimento em remuneração, intercâmbio e treinamento, equipando órgãos reguladores com profissionais suficientes para atender à alta demanda. O Brasil é o país que tem o processo de registro de pesticidas mais demorado do mundo, o que não favorece ninguém.

Essas características exigem uma abordagem regulatória multifacetada e flexível. Além disso, a constante evolução dos sistemas regulatórios internacionais e a necessidade de harmonização com outros países adicionam mais complexidade nessa questão.

Trevisan – O Brasil possui três agencias/órgãos envolvidos na avaliação dos agrotóxicos, o que cria uma complexidade processual e dificuldades no alinhamento. Apesar de encontrarmos similaridades em alguns lugares, como na Europa, nos países OECD temos ferramentas e requerimentos científicos mais complexos para a avaliação do risco dos pesticidas. As agências no Brasil estão avançando lentamente no emprego dessas abordagens, adaptando aos cenários brasileiros.

AgriBrasilis – Quais as tendências mais relevantes para os próximos anos?

Damasceno – Para os próximos anos, a demanda por produtos mais seguros e sustentáveis impulsionará inovações em formulações e métodos de aplicação. Produtos biológicos continuarão ganhando destaque como complementação ou alternativa aos pesticidas químicos, com o Brasil liderando a transformação regulatória nesse campo. A biotecnologia continuará crucial, e a digitalização e tecnologias avançadas, como a inteligência artificial, transformarão o monitoramento, a aplicação e a regulação de pesticidas.

Trevisan – A busca por produtos de menor impacto para saúde humana e ambiental é incessante, juntamente com o comprometimento em garantir maior rendimento das produções agrícolas. O aumento da população mundial nas próximas décadas desafia a produção agrícola, sendo necessário disponibilizar alternativas tecnológicas acessíveis aos agricultores. Temos que trabalhar juntos – setor e órgãos públicos – para uma regulamentação mais dinâmica e ágil, que se adeque às demandas do mercado.

AgriBrasilis – Gostaria de voltar a atuar no Brasil? Por quê?

Damasceno – Sim, claro! Tenho muito orgulho em ter nascido em um país que possui um potencial agrícola imenso. A oportunidade de contribuir para a produção sustentável de alimentos de uma forma sustentável, e ajudar a preservar a incrível e única biodiversidade que temos em nosso país, é extremamente motivadora.

Acredito que a experiência internacional pode ser valiosa para enfrentar os desafios locais e promover o desenvolvimento da área regulatória e de soluções inovadoras e sustentáveis para a agricultura brasileira.

Trevisan – No momento não planejo retornar, gosto muito do trabalho que estou realizando daqui, mas nunca sabemos o que o futuro nos reserva. Sempre há uma boa chance, tendo em vista a continua expansão do agro no Brasil.

 

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