Setor de carnes da Argentina está em crise e rebanho bovino está diminuindo

Published on: April 23, 2025

“Manter uma taxa de câmbio artificialmente baixa com base na dívida externa tem um impacto negativo direto na indústria da carne…”

Carlos Federico Kohn é produtor de gado no norte da Argentina, consultor do setor pecuário, com MBA em agronegócios.


Carlos Federico Kohn, consultor

AgriBrasilis – O setor de carnes da Argentina está em crise?

Carlos Kohn – Se pensarmos no setor de carne bovina argentino como uma cadeia de valor, ele está, sem dúvida, em crise. O rebanho bovino não só não está crescendo como está diminuindo. Segundo dados do Senasa, temos 800 mil bezerros a menos em relação ao último ciclo de produção. Se uma cadeia de produção não cresce harmoniosamente em todos os seus elos, essa situação não é sustentável ao longo do tempo.

AgriBrasilis – Como as decisões macroeconômicas estão afetando o setor?

Carlos Kohn – Manter uma taxa de câmbio artificialmente baixa com base na dívida externa tem um impacto negativo direto na indústria da carne, tornando os produtos menos competitivos. Em um momento de alta volatilidade do mercado global devido à guerra comercial iniciada por Trump, o setor argentino possui uma fraqueza significativa em comparação com seus concorrentes.

AgriBrasilis – Como a pecuária pode retomar o crescimento na Argentina?

Carlos Kohn – A grande vantagem competitiva do setor pecuário argentino é sua diversidade, que abrange desde o extremo norte, os subtrópicos, as pampas úmidas centrais, até a Patagônia. Essa diversidade de climas, solos e águas, quase única no mundo, gera simultaneamente uma variedade de métodos de produção de carne bovina, desde o tradicional sistema pastoril extensivo até a engorda em confinamento. 

Essa nossa vantagem competitiva deve ser explorada em regiões de grande potencial, como a Patagônia, melhorando a eficiência em termos de indicadores de prenhez, quilogramas por hectare e melhoramento genético.

A região da Patagônia tem grande potencial produtivo, porém, para alcançar esse salto quantitativo no setor, são necessários investimentos em irrigação, genética de raças que se adaptem melhor ao frio e à escassez de forragem, além de plantar forragem de maior qualidade. 

A qualidade da água disponível na região da Patagônia é extraordinária para a produção pecuária, sendo inclusive muito valorizada pelo mercado mundial. Para aproveitá-lo de forma eficiente, são necessários investimentos em canalização e irrigação. Existem raças que se adaptam muito bem às condições climáticas, mas introduzi-las na região exige altos investimentos em embriões e inseminação artificial. A implementação de pastagens nutritivas de alta qualidade é viável, desde que haja investimentos para garantir o uso adequado dos recursos hídricos.

“A área onde a carne brasileira pode entrar com preço menor é a Patagônia Argentina. Nesse sentindo, o risco é duplo…”

AgriBrasilis – Por que a Argentina está comprando carne do Brasil?

Carlos Kohn – A decisão de importar alguns cortes de carne do Brasil é mais uma medida “populista” que beneficia um lobby de supermercados que opera principalmente na Patagônia. Nessa região da Argentina, os preços da carne bovina são mais altos do que no resto do país, pois a produção ainda é pequena e envolve altos custos e riscos, principalmente relacionados ao clima. Como essa área é livre de febre aftosa e de vacinação, carne de áreas de produção acima do paralelo 38 não podem entrar. Se o Brasil obtivesse o mesmo status sanitário, carnes dessa origem poderiam entrar, principalmente cortes pouco consumidos pelo consumidor brasileiro, como a costela com osso.

AgriBrasilis – Por que você considera essa decisão um risco?

Carlos Kohn – A área onde a carne brasileira pode entrar com preço menor é a Patagônia Argentina. Nesse sentindo, o risco é duplo. Uma variável é a possibilidade de que mercados internacionais de alto valor, devido à sua maior capacidade de pagamento, cancelem o status de região livre de febre aftosa sem vacinação se carne com osso de outra região for introduzida, mesmo que seja livre de febre aftosa.

Outra variável é a perda de previsibilidade para os produtores agrícolas da Patagônia; o investimento na produção requer muitos anos até que qualquer retorno sobre o capital investido seja alcançado. Se o governo argentino tomar medidas que desencorajem a produção pecuária, os investidores escolherão empreendimentos mais conservadores e de menor valor, como a criação de ovelhas.

AgriBrasilis – Quais são as consequências para os pecuaristas?

Carlos Kohn – Caso alguns cortes com osso do Brasil sejam importados, as consequências para os produtores de gado da Patagônia, em particular, serão a perda imediata do valor do gado já existente na região. A falta de uma perspectiva estratégica que permita um planejamento produtivo em áreas com altos riscos climáticos impacta diretamente nos investimentos.

 

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