Pecuária precisa urgentemente de manejo hídrico sustentável

“…o setor ainda entende esse recurso natural como algo abundante e barato. E o que é abundante e barato não tem muito valor para o ser humano…”

Julio Palhares é pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, focado em manejo hídrico e de resíduos da produção animal. Palhares é zootecnista com mestrado pela Unesp e doutorado pela USP.


AgriBrasilis – Quais são os impactos ambientais da produção de leite e carne bovina?

Julio Palhares – Os impactos dessas produções são múltiplos, não se restringindo aos recursos naturais, como água, solo e ar.

A legislação brasileira, por meio da Resolução CONAMA 01, de 23/01/1986, define impacto ambiental como qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam:

I – A saúde, a segurança e o bem-estar da população;

II – As atividades sociais e econômicas;

III – A biota;

IV – As condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;

V – A qualidade dos recursos ambientais.

Percebe-se que realizar a avaliação do impacto ambiental não é um processo simples, devendo ser realizada por  grupo de profissionais que possuam conhecimentos em ciências agrárias, econômicas, sociais e ambientais.

AgriBrasilis – Qual a importância dos valores de referência de consumo de água de vacas em lactação e lavagem da ordenha?

Julio Palhares – Os valores de referência possibilitam aos atores do setor leiteiro:

  • Fazer a avaliação hídrica das fazendas;
  • Implantar programas de boas práticas hídricas;
  • Propor certificações ambientais que incluam o ativo água;
  • Demonstrar para consumidores e sociedade a responsabilidade hídrica da pecuária leiteira brasileira

“O melhor manejo de resíduos é aquele proposto de acordo com as características produtivas, ambientais, econômicas e sociais da unidade de produção”

AgriBrasilis – Como gerenciar o consumo hídrico de uma propriedade leiteira de forma sustentável?

Julio Palhares – Primeiramente devemos internalizar o manejo hídrico nas propriedades, aqui definido como: uso cotidiano de conhecimentos, práticas e tecnologias que garantam a oferta de água em quantidade e qualidade. Também é importante ter como ação rotineira a atualização e a capacitação técnica ambiental de todos os envolvidos na criação e promover treinamentos para elevar os níveis de informação e conhecimento quanto à importância da água para o desenvolvimento da atividade.

AgriBrasilis – De que maneiras é realizado o manejo de resíduos?

Julio Palhares – Não há uma maneira única para se realizar esse manejo. O melhor manejo de resíduos é aquele proposto de acordo com as características produtivas, ambientais, econômicas e sociais da unidade de produção. Fórmulas prontas tendem a dar errado e têm como resultados a frustração de produtores(as) e gastos desnecessários de tempo e dinheiro.

Uma premissa para qualquer tipo de manejo de resíduos é que os resíduos da atividade devem causar o mínimo impacto ambiental. Como isso vai ser alcançado é uma opção técnica e financeira do produtor.

AgriBrasilis – Quais as diferenças entre as pegadas hídricas azul, verde e cinza?

Julio Palhares – Essas cores de água fazem parte do conceito de pegada hídrica, que tem entre um dos seus objetivos mensurar a eficiência de uso da água de um produto, sendo expressa em litros de água por kg de carne ou de leite.

Água verde – água evaporada pelo solo e transpirada pelas plantas na produção das culturas vegetais (processo de evapotranspiração) e água incorporada ao produto vegetal.

Água azul- águas superficiais e subterrâneas que após consumidas não retornam para mesma bacia hidrográfica.

Água cinza- água consumida pela natureza para assimilar as cargas poluidoras da atividade produtiva. Pode ser de fonte pontual e/ou difusa de poluição.

AgriBrasilis – Por que as perspectivas de uso da água na produção de carne bovina não são boas?

Julio Palhares – Porque o setor ainda entende esse recurso natural como algo abundante e barato. E o que é abundante e barato não tem muito valor para o ser humano.

Enquanto o setor não mudar essa cultura, sofrerá com a falta do recurso em quantidade e qualidade. Essa falta tende a se intensificar com a emergência climática que vivemos. É claro que existem pecuaristas conservando as águas de suas propriedades, usando o recurso com eficiência e evitando a poluição das águas, mas eles são exceções e nós não avançamos hidricamente com exceções.

O manejo hídrico das unidades de produção tem que ser a regra. Aí sim poderemos dizer que temos uma pecuária de corte hidricamente correta. Sabemos que o ser humano pode aprender de várias formas, e uma delas é pela dor. Nesse caso, a dor de não ter água para dar para os animais ou para outros usos na propriedade. Não devemos seguir o caminho da dor. Há um caminho melhor, que é o da ciência. O caminho da ciência já tem informações, conhecimentos e práticas para sustentar o correto uso da água.

 

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