Separados por uma distância de meio mundo, Brasil e Índia não são tão distantes quando o assunto é economia. Ambos os países fazem parte do Bloco BRICs, além de sempre estarem aptos a fortalecer suas parcerias. Após a assinatura dos acordos firmados em janeiro entre os Chefes de Estado, o comércio entre os países cresceu cerca de 57% em dois meses, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio – Brasil.
Em 2020, o Brasil já comprou US$ 441 milhões em produtos indianos, e as exportações brasileiras para a Índia aumentaram 46%, atingindo US$ 155 milhões.
O Cônsul Geral da Índia no Brasil, Amit Kumar Mishra, é diplomata de carreira, tendo ingressado no Serviço de Relações Exteriores da Índia em 2004. Em seus cargos no exterior, lidou com questões políticas, comerciais, educacionais e culturais. O Cônsul Geral abriu as portas de seu gabinete para ceder uma entrevista à AgriBrasilis, na qual discutiu os interesses comerciais mútuos entre Brasil e a Índia.
AgriBrasilis – Qual a importância do Brasil entrar no mercado indiano e vice-versa?
Cônsul Geral da Índia – O fato de os dois países serem economias emergentes significa que temos problemas semelhantes. Temos um forte relacionamento estratégico. Mas acho que estávamos muito envolvidos com outros parceiros e não prestamos atenção suficiente ao Brasil.
Por outro lado, se eu tivesse que ser justo, as empresas indianas fizeram um trabalho melhor em descobrir o Brasil do que as brasileiras em descobrir a Índia. Este ano, nossos líderes concordaram com a ambiciosa meta de dobrar o comércio nos próximos dois anos. Espero que também nos descubramos no sentido econômico.
AgriBrasilis – Qual foi o objetivo da visita do presidente brasileiro à Índia em janeiro?
Cônsul Geral da Índia – O primeiro-ministro Modi visitou Brasília para a Cúpula do BRICS e fez um convite a Bolsonaro como principal convidado no Dia da República.
Durante a visita, foram assinados quinze acordos, cobrindo uma ampla gama de assuntos: biocombustíveis, açúcar e etanol, genômica na pecuária, indústria de defesa, centros de pesquisa na Índia. Espero que os acordos nos ajudem a preencher a lacuna existente entre os dois países.
AgriBrasilis – Qual a importância dos membros do BRICS fazerem acordos econômicos entre si?
Cônsul Geral da Índia – O BRICS é visto como o próximo bloco de economias emergentes que impulsionará o mundo. Coletivamente, lidamos melhor com o crescimento e a estabilidade. Todos os cinco países têm desafios comuns. O que a China está enfrentando hoje, a Índia enfrentará no futuro. O BRICS representa talvez 40% da economia global, tendo como alvo o comércio de US$ 500 bilhões nesses países. Um bom exemplo seria a pesquisa direcionada à cura da dengue; se você der US$ 100 milhões ao governo brasileiro, os resultados provavelmente não seriam o mesmo nível se você distribuísse US$ 100 milhões em cinco laboratórios.
Acredito que, quando discutimos em conjunto, encontramos melhores soluções. Juntos, temos os
recursos monetários, humanos e intelectuais para resolver problemas.
AgriBrasilis – Os investimentos brasileiros na Índia não chegam a US$ 1 bilhão. Os investimentos indianos no Brasil representam quase US$ 6 bilhões. O que se espera desses grandes investimentos?
Cônsul Geral da Índia – Comércio e investimento andam lado a lado. Pensando na Índia, somos um mercado de 1,3 bilhão de pessoas. As estimativas confirmam que nossa economia crescerá
quatro vezes. Como um país exportador como o Brasil ignora um mercado que se tornará a segunda maior potência econômica do mundo?
Definitivamente, existem áreas em que podemos contribuir mutuamente, a esfera farmacêutica da Índia. Nossas empresas fornecem 10% dos medicamentos genéricos para o Brasil. A mesma história se repete em cada setor, como o satélite que será lançado pela Índia para monitorar o desmatamento na Amazônia.
AgriBrasilis – Por que o Brasil foi escolhido como país parceiro no fornecimento de energia da Índia?
Cônsul Geral da Índia – O Brasil é simplesmente o melhor no campo dos biocombustíveis. Não somos abençoados com recursos energéticos. Gastamos grandes quantidades de câmbio estrangeiro em importações de energia. Portanto, uma das possibilidades é aumentar a produção de etanol na Índia. A experiência brasileira é bastante extensa e, com veículos flex, existe um novo mercado que também proporcionou algum tipo de estabilidade ao sistema de cana-de-açúcar. A Índia pretende aumentar o teor de etanol na gasolina de 7% para 20%.
AgriBrasilis – Qual é o cenário em que o setor sucroenergético indiano está atualmente?
Cônsul Geral da Índia – É necessário entender que a agricultura indiana é diferente, há milhões de pessoas envolvidas na subsistência. O cultivo da cana-de-açúcar não está na mesma escala que o Brasil; nossa indústria sofre altos e baixos. Queremos que nossas usinas entrem nisso, não apenas para ganhar mais dinheiro, mas também para tornar isso uma fonte estável de renda para os agricultores.
AgriBrasilis – Em relação à agricultura, que perspectivas podem surgir da parceria entre nossos países?
Cônsul Geral da Índia – Considero que podemos aprender muito com o Brasil. Queremos saber como o país passou de importador agrícola ativo para o segundo maior exportador do planeta nos
últimos 30 anos.
Na Índia, nós sofremos com logística, armazenamento a frio, etc. Nossas estimativas de perdas pós-colheita são de cerca de US $ 15 bilhões; em alguns produtos, até 30 a 40% da produção agrícola é
perdida entre a fazenda e o supermercado. Além disso, queremos entender os modelos de cooperativas, uma vez que são empresas comercialmente lucrativas; recentemente, a Índia abriu as exportações brasileiras de frango e porco.
AgriBrasilis – As grandes empresas indianas podem estar mais presentes no mercado brasileiro após os acordos?
Cônsul Geral da Índia – Eu diria que as empresas indianas são mais ativas aqui, e a UPL é um dos bons exemplos de crescimento. A vinda deles para o Brasil significa que as empresas indianas podem se estabelecer aqui. A UPL tem uma presença estável e anunciou alguns investimentos e planos paraos próximos cinco anos, em termos de adaptação à pesquisa, para expandir a rede existente. Espera-se que cresça mais.
AgriBrasilis – Qual a importância das questões ambientais nos acordos firmados entre Brasil e Índia?
Cônsul Geral da Índia – Assumimos compromissos que vão além da nossa força, comprometemos-nos com o Acordo de Paris. Temos um enorme programa de expansão de energia solar; visando 100 gigawatts de energia solar até 2022. Sob a International Solar Alliance, a Índia convidou todos os países a fazer parte de uma coalizão global para ampliar a energia solar como a
geração de energia preferida. O Brasil juntou-se na ação. Lidamos melhor com os desafios ambientais como um grupo; juntos, podemos reduzir os impactos e estar preparados para eles.
