“…devemos observar uma correção de rumos tanto no âmbito político como no econômico…”
Leandro Consentino é professor do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper, bacharel em relações internacionais, mestre e doutor em ciência política pela USP.
AgriBrasilis – O que deve mudar entre as relações EUA x Brasil com a reeleição de Trump?
Leandro Consentino – Provavelmente devemos observar uma correção de rumos tanto no âmbito político como no econômico. No campo político, há nítidas divergências do atual governo Lula com um futuro governo Trump, sobretudo após as críticas do brasileiro antes mesmo do pleito. Já na esfera econômica, a dificuldade deve vir do fato de que Trump promete políticas protecionistas, as quais criarão barreiras para a entrada de produtos brasileiros no mercado norte-americano.
AgriBrasilis – Vender para os EUA pode ficar mais difícil?
Leandro Consentino – Certamente, pode ser mais complicado devido às barreiras protecionistas, prometidas por Donald Trump. O republicano prometeu tarifas mais altas para proteger o mercado interno dos Estados Unidos e tal política gera maiores dificuldades para o livre-comércio, em clara oposição às ideias do liberalismo econômico. Dessa forma, isso pode forçar o Brasil e outros países a buscarem diversificar ainda mais seus parceiros comerciais.
AgriBrasilis – E no caso do agronegócio? Por quê?
Leandro Consentino – O agronegócio também deve ser afetado por essa política protecionista, mas é preciso ter presente que isso pode se dar de maneira ambivalente. Por um lado, as barreiras tarifárias devem prejudicar a entrada de produtos agrícolas no mercado norte-americano com preços competitivos. Já de outro lado, o protecionismo dos Estados Unidos, estendido a todo globo, pode gerar oportunidades para que o agronegócio brasileiro conquiste mercados em outros países.
AgriBrasilis – O que está diferente em comparação com o cenário da primeira vitória de Trump?
Leandro Consentino – Há algumas claras diferenças internas e internacionais. Em primeiro lugar, a vitória de Donald Trump foi mais significativa que em 2016, conquistando uma posição majoritária no Congresso Nacional, tendo a maioria da Suprema Corte a seu lado e a maioria dos votos populares. Além disso, o aprendizado com o primeiro mandato deve fazer com o que Trump se cerque de aliados mais leais e, portanto, mais dispostos a colocar em prática seus planos mais ousados.
Da mesma forma, o mundo também mudou nesses oito anos, com um cenário de guerras internacionais, mas sem uma pandemia disseminada pelo planeta. Em nosso país, Trump tinha um presidente claramente alinhado com suas ideias, ao passo que, atualmente, Lula já teceu críticas acerbas ao agora novo presidente, chegando, de maneira temerária, a declarar voto em sua oponente, o que pode dificultar as relações bilaterais entre os dois países.
AgriBrasilis – As relações com a China deverão ser mais importantes para o Brasil?
Leandro Consentino – Em um cenário no qual os EUA assumem uma postura mais isolacionista na política e protecionista na economia, o candidato óbvio a ocupar esse espaço nas relações com o Brasil é certamente a República Popular da China.
Como nossos principais parceiros comerciais e como aliados em importantes iniciativas geopolíticas como o BRICS+, os chineses devem se tornar cada vez mais prioritários em nossa política externa tanto na área econômica como na política. Tal alinhamento, contudo, precisa se dar pela via do interesse nacional brasileiro, evitando um anti-americanismo pueril e pernicioso, praticado por algumas autoridades que conduzem a política externa brasileira.
AgriBrasilis – Pode haver um cenário de guerra comercial entre EUA e China similar à 2018?
Leandro Consentino – A guerra comercial travada entre EUA e China no final da década anterior foi provocada, incialmente, pelas propostas de protecionismo tarifário de Donald Trump, estendendo-se por uma disputa sobre tecnologia da informação entre os dois países. No cenário atual, ambas as tendências parecem voltar a crescer, seja pelo recrudescimento das medidas de defesa comercial como pelo imbróglio da regulação das big techs e das ferramentas de inteligência artificial.
Se a Guerra Fria da segunda metade do século XX entre EUA e URSS focava na corrida aeroespacial, este novo confronto pode estar ligado à tecnologia da informação que, aliado ao protecionismo nos setores agrícolas e industriais, certamente produzirão choques mais ou menos severos nas relações entre EUA e China, as duas grandes superpotências do século XXI.
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