Mercado do cacau passa por incertezas e oscilações de preços

“Até o momento, a alta do preço tem impactado nos custos das empresas, que estão adquirindo produtos em patamares muito superiores aos do ano passado…”

Anna Paula Losi é presidente-executiva da AIPC – Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau, bacharel em ciência política pela Universidade de Brasília, com especialização em direito do estado pela Estácio, MBA pela FGV.

Anna Paula Losi, presidente-executiva da AIPC


AgriBrasilis – Por que os preços do cacau aumentaram 190% em abril?

Anna Paula Losi – O mercado global de cacau está passando por um momento de incerteza em relação a oferta de amêndoas. A Organização Internacional do Cacau (International Cocoa Organization – ICCO) está prevendo déficit pelo terceiro ano consecutivo, e para esse próximo ciclo a previsão é de aproximadamente 370 mil toneladas, podendo alcançar 500 mil toneladas em um cenário mais pessimista. Existem diferentes aspectos para esse déficit: a produção nos principais mercados foi impactada pelo El Niño, além do envelhecimento das lavouras que acabam impactando na produtividade.

O cacau é negociado nas bolsas de derivados de Londres e Nova York e o preço no Brasil é balizado pela bolsa de NY, logo o que impacta a cotação na bolsa impacta o preço aqui no Brasil. Em maio o mercado teve variações para baixo, após bater a barreira dos US$ 11 mil em abril. Como ainda existem muitas incertezas, não é possível prever como serão os próximos meses.

“Um dos maiores desafios para uma cadeia que concentra pequenos produtores é a organização e o acesso à assistência técnica”

AgriBrasilis – Como essas oscilações têm impactado o mercado brasileiro?

Anna Paula Losi – Até o momento, a alta do preço tem impactado nos custos das empresas, que estão adquirindo produtos em patamares muito superiores aos do ano passado. Por enquanto ainda não identificamos impactos na demanda, pois a queda na moagem que ocorreu no primeiro trimestre de 2024 deu-se em razão da falta de amêndoa no mercado brasileiro, consequência da queda na produção de amêndoas no Brasil.

Outro impacto importante é o aumento do interesse de investidores na produção de cacau no Brasil. O Brasil tem um potencial grande de crescimento na produção de cacau, e isso tem chamado a atenção de diferentes atores. Já há alguns anos os atores da cadeia, governo, indústria moageira, indústria chocolateira e produtores têm trabalhado em parceria para aumentar a produção no Brasil, seja por meio de melhorias nas áreas já existentes, no Sul da BA, PA, ES e RO, investindo em assistência técnica, renovação das áreas, melhoria dos adensamentos, ou investindo em novas áreas, no que chamamos de regiões não tradicionais, com foco no cultivo do cacau para recuperação de áreas degradadas.

AgriBrasilis – Quanto desse aumento vai para o bolso do agricultor?

Anna Paula Losi – O produtor de cacau no Brasil pode vender diretamente para a indústria, para comerciantes intermediários, ou pode ainda exportar. Também pode beneficiar o seu cacau e produzir chocolate. Nas hipóteses de comercialização ou exportação, o produtor fica com o valor comercializado negociado com o comprador, descontados tributos e custos logísticos.

AgriBrasilis – Quais são as principais regiões produtoras de cacau no Brasil e o nível de tecnificação dessas áreas?

Anna Paula Losi – Existem cerca de 90 mil unidades produtivas de cacau no Brasil. Boa parte são de pequenas e médias propriedades. A maioria das propriedades está concentrada na BA, no PA, no ES e em RO. No entanto, diferentes estados estão incentivando o cultivo de cacau, como MT, CE, SP, RR e outros.

Um dos maiores desafios para uma cadeia que concentra pequenos produtores é a organização e o acesso à assistência técnica. A cadeia ainda é pouco tecnificada e/ou mecanizada, e esse é um tema em discussão entre todos os elos.

É importante destacar que existem diferentes modelos produtivos de cacau e cada um pode apresentar um nível de tecnificação diferente: temos a cabruca, os sistemas agroflorestais e o pleno sol, por exemplo.

AgriBrasilis – Como é possível alcançar alta rentabilidade por hectare?

Anna Paula Losi – Vai depender do modelo produtivo e da região produtiva. O mais importante é trabalharmos para que a produção média seja rentável. Hoje a produtividade média brasileira está muito longe de uma produtividade razoável.

A produtividade dependerá do modelo produtivo escolhido. Existe um estudo do Instituto Arapyaú que apresenta dados sobre o tema para os diferentes modelos produtivos: https://aipc.com.br/wp-content/uploads/2021/12/Viabilidade-econA%CC%83%C2%B4mica-de-sistemas-produtivos-com-cacau_Cabruca-Pleno-Sol-e-Sistemas-Agroflorestais-nos-estados-da-Bahia-e-do-ParA%CC%83%C2%A1_CocoaAction-Brasil-Instituto-1.pdf

AgriBrasilis – A vassoura-de-bruxa ainda é o grande vilão da cultura? O que mudou desde a década de 90?

Anna Paula Losi – A vassoura-de-bruxa ainda gera perdas de até 30% para o produtor, mas ouso dizer que não é mais o grande vilão da cultura. Essa fase já passou e agora a cadeia está olhando para o futuro, buscando constantemente melhorar a produtividade das áreas tradicionais.

Da década de 90 para cá, passamos por algumas melhorias, como: melhor manejo da área, com melhoria do adensamento renovação das plantas e um bom trato da terra; além do surgimento de novas áreas de plantio de cacau, recuperando áreas degradadas, com possibilidade de áreas mais tecnificadas e produtividades acima de 3 mil Kg por hectare.

AgriBrasilis – O Brasil pode se tornar autossuficiente na produção de cacau? Por que ainda não alcançamos esse patamar?

Anna Paula Losi – Com certeza pode e vai se tornar autossuficiente nos próximos anos. Desde 2018 temos trabalhado em parceria com diferentes elos da cadeia na busca de soluções para os gargalos. A Iniciativa CocoaAction Brasil, patrocinada pela indústria moageira e chocolateira, e que congrega em sua governança além das empresas patrocinadoras, representantes dos produtores, governos dos estados produtores, governo federal, entidades de pesquisa e inovação e terceiro setor, surgiu para organizar este esforço.

Muito já foi feito. Em dezembro do ano passado o MAPA lançou o Plano Inova Cacau, uma construção coletiva liderada pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira – Ceplac em parceria com diversos atores da cadeia. Esse plano tem como objetivo consolidar o Brasil como referência de origem de cacau sustentável para o mundo, com foco na conservação produtiva e garantindo a melhoria das condições de vida e trabalho em toda a cadeia. Uma das metas é produzir mais de 400 mil toneladas até 2030.

 

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