Recuperações Judiciais no agro: "mal necessário"?

 

“Quando uma empresa está na condição de pedir Recuperação Judicial, ela pode falir se não fizer isso, e a falência não é boa nem para os credores, nem para ninguém…”

Douglas Duek é CEO da Quist Investimentos, economista, mestre em finanças pela Business School São Paulo, com especialização em recuperação judicial pelo Insper.

A Quist Investimentos atua em gestão de fundos de investimentos e assessoria financeira especializada, assessorando empresas em momentos de reestruturação, com ou sem recuperação judicial, melhoria de gestão, etc.


AgriBrasilis – Recuperações Judiciais (RJ) são um “mal necessário”?

Douglas Duek – Considero que a Recuperação Judicial seja um bem necessário, e não um mal. Quando uma empresa está na condição de pedir Recuperação Judicial, ela pode falir se não fizer isso, e a falência não é boa nem para os credores, nem para ninguém.

Por mais que um credor ou outro tenha garantia, a grande maioria dos credores acaba sendo prejudicada no caso de uma falência. Então, a RJ existe para que a empresa tenha uma proteção antes que ocorra a falência, e a chance de renegociar mais uma vez, ou seja, uma segunda chance.

AgriBrasilis – Por que está ocorrendo aumento do número de RJ no agro?

Douglas Duek – Houve aumento de 700% por conta de dois fatores, que ocorreram ao mesmo tempo: a quebra de safra (em vários locais houve falta de chuva ou chuva no momento errado) e a queda de preços das commodities.

O agro como um todo necessita alongar suas dívidas e a RJ é uma das melhores ferramentas para isso quando se tem muitos credores ao mesmo tempo.

“RJ existe para que a empresa tenha uma proteção antes que ocorra a falência, e a chance de renegociar mais uma vez, ou seja, uma segunda chance”

AgriBrasilis – Os processos de RJ prejudicam os credores? Até que ponto isso abala a credibilidade no setor?

Douglas Duek – Processos de RJ não prejudicam necessariamente os credores. Várias vezes a Quist elaborou planos em que os credores estavam de acordo e envolvidos na negociação. Talvez a RJ não seja muito bom para ninguém, mas não acaba prejudicando.

A RJ acaba abalando um pouco a credibilidade no sentido de que é necessário realizar depois uma melhor análise de crédito. Houve um boom muito grande de crédito no agro e agora o mercado está corrigindo isso.

AgriBrasilis – Por que foi necessário criar uma lei especial de RJ para os agricultores? O que mudou desde a aprovação da Lei 14.112/2020? 

Douglas Duek – A questão era que CPF não entra em Recuperação Judicial, porém muitos produtores rurais, pela facilidade que o Governo Federal dava aos produtores em poder emitir nota e operar na condição de Pessoa Física realizando apenas o imposto de renda e não um balanço, eles realizavam suas operações como Pessoa Física (PF).

E por isso vem a questão: o agricultor é uma empresa ou Pessoa Física? Que PF possui R$ 100 milhões em dívidas, 100 funcionários, fazendas operantes, emite notas fiscais, etc.?

Portanto, o agricultor, no CPF era uma empresa de fato, mas não de direito, não no papel, e por isso foi necessária essa correção através da lei.

AgriBrasilis – Passado 30 de abril, é possível verificar a inadimplência dos produtores rurais. Qual é a situação no setor?

Douglas Duek – Ainda não temos a melhor leitura da inadimplência a partir de 30 de abril. Muitos hoje estão pedindo o alongamento das dívidas direto com os credores, então não é possível dizer qual é o nível da inadimplência, porque estão em processo de negociação e renegociação.

AgriBrasilis – Em que casos a Quist recomenda RJ? Que fatores são avaliados para o diagnóstico?

Douglas Duek – Os principais pontos avaliados são:

  1. Quando a empresa possui muitos credores para renegociar ao mesmo tempo – nesse caso dificilmente se consegue renegociar com todos ao mesmo tempo;
  2. Quando já existem execuções em andamento – nesse caso não existe muito espaço para renegociação. Se o banco falou: “Não vou alongar. Não recebi em 30 de abril, então eu vou executar a sua garantia e começar um processo, a RJ pausa esse processo, que as vezes o próprio credor está iniciando. Muitos agricultores chegam a Quist dizendo: “Fui executado. Minha fazenda vai a leilão”;
  3. Nos casos em que o alongamento que se precisa pedir ao credor é inviável. Por exemplo: o dono da empresa chega a Quist e diz que precisa entre um ano e um ano e meio de carência e 10 ou 15 anos para pagar, que a margem está menor por perda na produção, que está sem uma fazenda que ele arrendava, etc.

 

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