Bem-estar animal pode gerar carne de melhor qualidade e garantir maior eficiência alimentar

Bem-estar animal

“…o bem-estar animal reduz a necessidade de mão-de-obra, gera menos prejuízos com os animais, há ocorrência de menos acidentes de trabalho, e há maior chance de os animais expressarem seu potencial produtivo…”

Sergio Raposo de Medeiros é pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal. Raposo é engenheiro agrônomo, mestre e doutor pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”.

Bem-estar animal

Sergio Raposo, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste


AgriBrasilis – Qual a importância do bem-estar animal (BEA) na pecuária de corte?

Sergio Raposo – A adoção de práticas de bem-estar animal tem várias vantagens:

1) Como o trabalho com os animais é realizado levando em consideração o comportamento dos animais, ele flui melhor, com menos interrupções, terminando-se mais rapidamente a tarefa de manejo, por exemplo;

2) As interrupções, muitas vezes, ocorrem por conta de acidentes com os animais ou com os trabalhadores, situação que o manejo racional, um dos eixos do BEA, torna menos frequente;

3) A incorporação do BEA tem potencial também de melhorar o desempenho dos animais, à medida que menos energia é desperdiçada para atividades que não são ligadas à produção. Não por acaso, uma das características desejáveis no melhoramento animal é ter animais mais mansos, o que está relacionado com uma maior eficiência alimentar.

Resumindo, o bem-estar animal reduz a necessidade de mão-de-obra, gera menos prejuízos com os animais, há ocorrência de menos acidentes de trabalho, e há maior chance de os animais expressarem seu potencial produtivo.

AgriBrasilis – O BEA é a principal demanda dos consumidores atualmente? E qual a percepção do pecuarista? 

Sergio Raposo – Com relação às demandas dos consumidores, de forma geral, a principal delas é que o preço seja acessível. A exigência em relação ao BEA é uma preocupação crescente, mas tem a tendência de ocorrer mais vocalmente em consumidores em que a alimentação pesa menos no orçamento.

“O BEA tem sido adotado por pecuaristas porque há um aumento da consciência da sociedade sobre o tema…”

Ainda que o bem-estar animal não seja a maior preocupação para os consumidores, há pelo menos um trabalho que mostra que, se o consumidor tiver conhecimento de que a produção envolve sofrimento animal, isso bastaria para que ele deixasse de consumir determinado produto.

O BEA tem sido adotado por pecuaristas porque há um aumento da consciência da sociedade sobre o tema. Os benefícios da adoção das práticas de bem-estar animal são rapidamente observados e o aumento de sua adoção acaba sendo quase natural por quem é exposto a um bom exemplo na imprensa ou em visita a uma fazenda que o adote, por exemplo.

AgriBrasilis – As práticas de BEA garantem carne de melhor qualidade e uma maior eficiência alimentar para os bovinos?

Sergio Raposo – Potencialmente, sim. A maior eficiência alimentar ocorre pelo motivo já explicado de haver menos desvio da energia para outras funções. No caso da qualidade da carne, animais manejados nos conceitos de BEA podem manter níveis de glicogênio maiores no momento do abate e esses açúcares são importantes para que ocorra a redução no pH da carcaça, necessária para um bom funcionamento dos processos de maturação da carne.

AgriBrasilis – Como a pecuária de precisão ou digital pode contribuir com o BEA e a sustentabilidade?

Sergio Raposo – A pecuária de precisão pode promover grande impacto na sustentabilidade ao permitir tomadas de decisão em tempo real e até em nível do indivíduo, por exemplo, ao remover do confinamento um animal que não ganha peso ou descobrir que determinado animal está doente antes dos primeiros sintomas.

No caso do BEA, a pecuária de precisão pode indicar falta de água ou alimento, permitindo rapidamente que se corrija essa situação, pois sensores podem avisar tão logo o problema ocorra, evitando o sofrimento animal. Um aspecto ainda mais importante, e que é alvo de interesse da pesquisa, é criar processos que usem esses sensores para certificar que os animais são produzidos dentro dos preceitos de BEA, como no caso de haver evidências que, por exemplo, houve sempre água disponível para os animais ou que sua exposição às temperaturas fora da zona de conforto térmico ocorreu abaixo de determinado limite crítico.

AgriBrasilis – O que significa dizer que, de cada 100 kg de carne, 98 kg são produzidos com base em pastagem?

Sergio Raposo – Quase toda a produção de carne brasileira é feita com base em pastagens. Essa é a proporção da carne produzida com base em pastagens no país, considerando que apenas 18% dos animais abatidos provêm de confinamentos e que a idade de abate média é de cerca de 36 meses.

Esse é um dos motivos do Brasil ser o maior exportador de carne do mundo desde 2003, e da carne ser bastante limpa e segura, raramente havendo relatos de não conformidade, mesmo com a exportação para mais de 150 países. Esse também é um fator de BEA, já que os animais são, em sua maioria, e por maior parte do tempo, criados em uma situação mais próxima ao habitat natural em que evoluíram como espécie.

AgriBrasilis – É possível produzir mais carne bovina com menores emissões de metano? Por quê?

Sergio Raposo – É possível, e por vários motivos. Em primeiro lugar, quanto melhor for a dieta dos animais, menor será a emissão dos gases de efeito estufa (GEE) por kg de alimento ingerido. Como o desempenho é melhor, deve-se reduzir a emissão por kg de produto produzido (kg de GEE/kg de bezerro ou kg de GEE/kg de carne).

Além disso, com uma maior produção por animal, é possível um rebanho menor para produzir a mesma demanda de carne. Também é possível reduzir a emissão geral da pecuária, reduzindo animais que perdem peso na seca, evitando que novilhas atrasem para entrar em reprodução, e reduzindo o número de vacas vazias ao aumentar o índice de fertilidade, por exemplo.

AgriBrasilis – Sistemas mais intensificados de produção produzem menos metano por kg de carne produzido?

Sergio Raposo – De forma geral, a tendência é essa, mas cada caso deve ser avaliado individualmente, pois se deve avaliar o todo. Há sistemas muito intensificados que, considerando as emissões associadas à adubação, à energia da irrigação, etc., podem ter uma intensidade de emissão (kg de GEE/kg de carne) maiores do que sistemas de intensificação intermediária.

AgriBrasilis – Qual o nível de práticas de BEA adotados pela indústria?

Sergio Raposo – Não tenho informações exatas, mas nossa indústria frigorífica é bastante tecnificada, particularmente no caso dos grandes, que abatem a maioria dos animais. Nossa indústria também é bem regulada pelo MAPA, com boas normas e fiscalização. Além disso, é de interesse econômico dar conforto aos animais antes do abate (veja o caso que comentei do pH da carne).

 

LEIA MAIS:

Mastite: maior vilã da pecuária leiteira