A visão de Silvia Massruhá sobre a Embrapa

“A tecnologia não é moda, mas sim uma exigência. Precisamos intensificar os esforços na fronteira do conhecimento para o desenvolvimento de soluções inovadoras…”

Silvia Maria Fonseca Silveira Massruhá é presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa.

Massruhá possui graduação em análise de sistemas pela PUC de Campinas, é mestre em automação pela Unicamp, e doutora em computação aplicada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE.


AgriBrasilis – A mudança de governo impactou o direcionamento das pesquisas desenvolvidas pela Embrapa?

Silvia Massruhá – A Embrapa sempre pautou suas pesquisas em estudos sobre as demandas do setor produtivo e da sociedade. Essas estratégias nortearam o trabalho dos centros de pesquisa ao longo das últimas cinco décadas.

É certo que estão ocorrendo movimentos na agenda de pesquisa da Empresa para contribuir com segmentos prioritários, a partir do que se pretende para a ciência nos próximos 50 anos. É nessa direção que a Embrapa vai atuar, a partir do compromisso com uma agricultura mais sustentável, baseada na pluralidade e no diálogo com o setor produtivo e a sociedade, especialmente no que se refere ao combate à fome e à redução de desigualdades.

A pesquisa pode contribuir  na produção de alimentos saudáveis, produzidos em bases sustentáveis, norteando a transição nutricional e energética. Nós buscamos investir na inclusão socioprodutiva, garantindo que a tecnologia e a inovação fortaleçam pequenos e médios produtores.

A bioeconomia, focada nas peculiaridades dos biomas brasileiros; o fortalecimento da pesquisa de vanguarda na ciência tropical; a biotecnologia; edição gênica; nanotecnologia; a agricultura de precisão e digital estão entre as nossas prioridades, para que a agricultura possa se desenvolver de forma igualitária e justa.

A missão da Embrapa é viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade agrícola, em benefício da sociedade. Trabalhamos para os 5 milhões de produtores rurais brasileiros, dos mais aos menos tecnificados.

As contribuições da pesquisa foram fundamentais para a revolução que o Brasil experimentou no campo nos últimos 50 anos. Éramos um país importador de alimentos, com agricultura precária. Nos tornamos uma potência agrícola, com um repertório de tecnologias específicas para o ambiente tropical, desenvolvido por cientistas brasileiros. Nesse período, a Embrapa atuou fortemente com o desenvolvimento de tecnologias, conhecimento e ações para a agricultura familiar.

As tecnologias sociais promovem a produção de alimentos em pequenos espaços, em áreas urbanas e rurais, e contribuíram com milhões de pessoas, que foram inseridas no universo do empreendedorismo e do desenvolvimento comunitário. Por exemplo, o Sistema de Produção Integrada de Alimentos, conhecido como Sisteminha, acaba de completar 21 anos e já está sendo adotado em outros países, onde famílias de baixa renda conseguem produzir através de estruturas simples implantadas com os recursos disponíveis.

Massruhá

Sistema de Produção Integrada de Alimentos, mais conhecido como Sisteminha. (Embrapa)

Em articulação com outras instituições, a Embrapa participa de iniciativas para fortalecer a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) e sua vertente Ater Digital, para valorização de alimentos regionais e para favorecer o acesso à máquinas de pequeno porte para agricultores familiares, por exemplo.

A Embrapa seguirá trabalhando para todos os produtores rurais, na vanguarda da ciência, com o propósito de produzir alimentos saudáveis e em bases sustentáveis.

AgriBrasilis – Qual o retorno financeiro das pesquisas e o balanço social da Embrapa?

Silvia Massruhá – Há 26 anos, a Embrapa acompanha o resultado das pesquisas que desenvolve e o impacto desse trabalho na sociedade brasileira. Segundo a 26ª edição do Balanço Social, a Empresa apresentou lucro social de R$ 125,88 bilhões em 2022, a partir do impacto econômico no setor agropecuário de 172 tecnologias e 110 cultivares desenvolvidas.

Para cada R$ 1 aplicado na Empresa em 2021, foram devolvidos R$ 23,38 para a sociedade. Em 2022, para cada R$ 1 aplicado na instituição, foram devolvidos R$ 34,70. Esse crescimento pode ser justificado, entre outros fatores, pelo impacto da tecnologia da fixação biológica de nitrogênio, responsável por R$ 72 bilhões do lucro social de 2022. Essas tecnologias e cultivares foram responsáveis pela geração de mais de 95 mil empregos.

Desde 1997, quando foi publicada a primeira versão do Balanço Social, a Embrapa demonstrou um lucro social acumulado superior a R$ 1,3 trilhão e a geração de mais de 1,7 milhão de empregos.

AgriBrasilis – Como os cortes de orçamento afetaram a empresa? Qual a situação dos recursos e o que se espera para 2024?

Silvia Massruhá – Cortes orçamentários sempre afetam atividades de uma empresa como a Embrapa, já que atuamos com o desenvolvimento de pesquisa e inovação. Não podemos prescindir do prosseguimento de estudos de décadas e temos como prioritário o investimento em recursos tecnológicos avançados para atender à uma programação de pesquisa arrojada, para um segmento extremamente importante para o país, como é o agropecuário.

Para 2023, o orçamento da Embrapa foi sancionado sem vetos pela Presidência da República, ficando assegurados R$ 3,6 bilhões. Estamos trabalhando com o Governo Federal para que em 2024 a Empresa tenha orçamento compatível com a sua importância e missão.

AgriBrasilis – A Embrapa tem focado em parcerias público-privadas. Como funcionam essas parcerias e que projetos estão em andamento?

Silvia Massruhá – Essa é uma estratégia importante para instituições voltadas ao desenvolvimento científico, como a Embrapa, cuja programação de pesquisa requer a continuidade da promoção de entregas à sociedade e ao segmento mais empenhado na produção de alimentos saudáveis e competitivos.

Precisamos ter recursos para manter a pesquisa pública em sintonia com a fronteira do conhecimento no médio e longo prazo. Devemos manter as parcerias público-privadas para avançar também a curto prazo, como acontece em países da América do Norte, Europa e Ásia.

A Embrapa adotou a escala TRL/MRL (Technology Readiness Levels/Manufacturing Readiness Levels), utilizada também pela Nasa, para a avaliação de uma tecnologia de acordo com seu grau de desenvolvimento e seu enquadramento em Níveis de Maturidade Tecnológica. Dessa forma, as parcerias público-privadas são fundamentais para que as tecnologias sejam levadas ao mercado. São os projetos classificados como Tipo III, ou seja, de Inovação Aberta, criados como forma de aumentar a inserção dos ativos da Embrapa junto ao setor produtivo e como forma de priorizá-los no ambiente institucional. Esses projetos contemplam atividades conjuntas com o ambiente externo (parceiros), como a cocriação (atividades que viabilizem ações planejadas desde a concepção da ideia até o resultado pretendido), e codesenvolvimento (atividades que viabilizam a evolução na escada TRL/MRL de um ativo da Embrapa). Atualmente, a Embrapa mantém parceria com 316 instituições parceiras. São 277 projetos em andamento.

AgriBrasilis – Qual a atuação da empresa em relação a sustentabilidade, descarbonização e mitigação das mudanças climáticas?

Silvia Massruhá – O desafio de produzir com sustentabilidade está entre as prioridades pesquisa agropecuária desenvolvida pela Embrapa. Esse compromisso é traduzido em metas de redução das emissões de gases do efeito estufa propostas durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em 2009, e atualizadas em 2022.

Sistemas de produção mais eficientes e mais sustentáveis têm sido desenvolvidos e aperfeiçoados. Historicamente, a Embrapa contribuiu com tecnologias como a Fixação Biológica de Nitrogênio (que no ano passado gerou uma economia aos produtores brasileiros de mais de R$ 70 bilhões em adubo nitrogenado), o Plantio Direto, sistemas de integração, práticas agropecuárias, programas de melhoramento genético, etc. Essas tecnologias permitiram produzir mais em menos área, conferiram eficiência à agricultura Brasileira. Isso tem impacto na manutenção de áreas naturais e na redução de emissão de gases.

Existem iniciativas recentes, com protocolos que fornecem parâmetros para produção de baixa emissão de carbono. Em 2021, dois programas foram iniciados: o Leite Baixo Carbono e o Soja Baixo Carbono. Uma pesquisa pioneira nessa linha deu origem ao selo Carne Carbono Neutro, parceria entre a Embrapa e a Marfrig, que lançou no mercado, em 2020, a linha exclusiva para produtos certificados.

Quanto à criação de metodologias para mensurar impactos do agro sobre o clima, o RenovaCalc é um exemplo. O RenovaCalc contribui com a quantificação das emissões de GEE dos biocombustíveis e integra a Política Nacional de Biocombustíveis.

Também vale citar o projeto Saltus, focado nas atividades florestais. O Saltus reúne ações que investigam como as florestas originais ou plantadas contribuem para o combate dos efeitos das mudanças climáticas. Não há dúvidas sobre a importância desse tema para o agro, não só no âmbito nacional, mas global, devido aos impactos ambientais e econômicos sobre a garantia da segurança alimentar e a competividade do agro no Brasil.

Investimentos em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias associadas aos sistemas de produção devem priorizar estratégias mais resilientes às mudanças climáticas, pensando de maneira imediata e no longo prazo.

AgriBrasilis – Como a digitalização do agro modificou as atividades da Embrapa?

Silvia Massruhá – A digitalização tem impacto em diversas frentes na agricultura. Esse processo tem facilitado o acesso do produtor rural ao conhecimento gerado pela ciência. A Embrapa oferece ao setor produtivo softwares e aplicativos com esse propósito.

Um recurso de grande impacto que podemos citar é o aplicativo Zarc – Plantio Certo, que ajuda produtores e agentes da cadeia do agronegócio, por meio do Zoneamento Agrícola de Risco Climático, a receber a indicação de diferentes taxas de riscos de perdas por eventos meteorológicos, associados às épocas de plantio de 43 culturas em todo território nacional. É uma ferramenta de apoio à gestão e ao planejamento da produção, que beneficia agentes da cadeia de crédito e seguro agrícola. Também se trata de uma grande plataforma de cooperação, que vai além de um projeto ou programa, porque envolve instituições de pesquisa, segmentos do setor produtivo, associações e federações de produtores, seguradoras, governo e academia.

Inteligência artificial, big data e blockchain estão entre as principais tendências identificadas para a transformação da agricultura. A ciência tem usado esses recursos visando atividades no campo e a ampliação da competitividade do setor, com redução de custos e de tempo. O agricultor brasileiro apoia a ciência e incorpora rapidamente as novas tecnologias no campo. A Embrapa tem feito a sua parte, mas ainda são necessários mais investimentos que promovam a democratização dessas ferramentas.

Recentemente, Embrapa e Senai lançaram em Salvador uma unidade mista de pesquisa e inovação digital em agricultura tropical, visando desenvolver soluções digitais para a agropecuária, em áreas como inteligência artificial, robótica, agricultura de precisão, internet das coisas, fotônica e rastreabilidade. A intenção é fazer com que os resultados da pesquisa alcancem rapidamente a escala industrial e o mercado.

Outro exemplo é o recém-lançado Centro de Ciência para o Desenvolvimento em Agricultura Digital, em parceria com a Fapesp: esse projeto se destina a estimular a integração de tecnologias digitais nos processos produtivos rurais de forma efetiva e simples, oferecendo capacitação tecnológica e o compartilhamento do conhecimento e das práticas para acelerar a adoção das tecnologias digitais.

A tecnologia não é moda, mas sim uma exigência. Precisamos intensificar os esforços na fronteira do conhecimento para o desenvolvimento de soluções inovadoras e para diminuir o “gap” da tecnologia digital existente entre grandes e pequenos produtores.

AgriBrasilis – A senhora é a primeira mulher a presidir a instituição. Qual a participação feminina entre os colaboradores da empresa?

Silvia Massruhá – No atual quadro da Embrapa, de aproximadamente 7.813 empregados, 32,33% são mulheres. Na Diretoria Executiva, há muitos anos, 25% do quadro era composto por mulheres. No último ano, esse valor passou para 40%.

Queremos aumentar para 60% a representatividade feminina na Diretoria Executiva. Nas 43 Unidades da Embrapa, a representatividade das mulheres em cargos de chefia aumentou de 10% para 25% nos últimos anos, mas isso ainda é pouco.

A Embrapa, sendo uma empresa de pesquisa agropecuária, referência científica internacional, pode se destacar também na valorização e visibilidade do potencial da mulher e contribuir com esse exemplo de instituição de pesquisa bem-sucedida. Vamos nos empenhar muito para que isso aconteça.

 

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