O bem mais precioso do pecuarista é o capim

“Somente quando o produtor enxergar o capim como dinheiro é que haverá uma transformação na fazenda…”

Janaina Azevedo Martuscello é professora da Universidade Federal de São João del-Rei e diretora estadual da Associação Brasileira de Zootecnistas em Minas Gerais.

Martuscello é zootecnista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mestrado, doutorado e pós-doutorado pela Universidade Federal de Viçosa.

Janaina Martuscello, professora da Universidade Federal de São João del-Rei


AgriBrasilis – O que significa dizer que o “dinheiro do pecuarista é capim”?

Janaina Martuscello – O capim é a base da pecuária brasileira. Embora o Brasil tenha grande diversidade climática, as condições são normalmente propícias para desenvolvimento dos capins tropicais, que se destacam pela alta produção de forragem. Mesmo assim, erros no manejo de pastagens e a falta de reposição de nutrientes levam os pastos à degradação. Pastos degradados são menos produtivos e as fazendas se tornam menos rentáveis e competitivas.

A forma mais barata de alimentar o rebanho é o pasto. O pecuarista precisa entender que pastos produtivos tornam a pecuária mais sustentável e rentável. O que garante a longevidade do sistema de produção é o pasto.

O bem mais precioso que o pecuarista tem na fazenda é o capim.  Somente quando o produtor enxergar o capim como dinheiro é que haverá uma transformação na fazenda, porque, em última instância, é o capim que é convertido em arrobas de gado ou em leite.

AgriBrasilis – A variedade escolhida é o fator mais importante durante a formação das pastagens? Quais as principais práticas recomendadas para manejo do pasto?

Janaina Martuscello – A escolha da cultivar é importante, mas também é necessário respeitar os tratos agronômicos no momento da formação ou reforma das pastagens. A correção e adubação do solo de acordo com resultados de análise química e física, a adoção de sementes de qualidade, a cobertura da semente e adubação de cobertura, são fatores que também fazem a diferença no processo de formação.

Em relação ao manejo, é necessário respeitar a capacidade de suporte do pasto. O erro mais comum é trabalhar com um número superior ao que o pasto suporta. Isso faz com o capim não tenha como se recuperar de forma adequada, então as plantas invasoras aparecem e dominam o espaço. Dessa forma, em pouco tempo o processo de degradação se instala e haverá necessidade de uma reforma.

Os pastos de capins tropicais, sendo perenes, deveriam apresentar longevidade entre 15-20 anos, mas não é isso o que acontece. Erros de manejo e a falta de reposição de nutrientes reduzem a longevidade para apenas quatro ou cinco anos.

Gastos com reformas sucessivas da pastagem tornam a pecuária menos rentável. É por isso que o manejo deve ser visto como prioridade na fazenda.  Existem diversas estratégias interessantes de manejo, como o uso da altura como balizador de ajuste de lotação, por exemplo.

Outro fator importante para simplificar o manejo é o uso de áreas menores, pois piquetes grandes costumam gerar pastos com pior estrutura e mais difíceis de serem manejados. A divisão de pastos grandes em pastos menores é uma excelente estratégia para controle dos pastos.

AgriBrasilis – A senhora poderia comentar sobre os erros cometidos pelos produtores na escolha da forrageira?

Janaina Martuscello – O produtor espera pelo capim milagroso, que tenha baixa exigência em fertilidade, apresente alta produção e qualidade e não seja exigente em manejo, mas esse capim não existe.

O melhor capim é aquele que se adapta às condições de solo, clima, topografia e, principalmente, à capacidade de manejo do pecuarista. O maior erro na escolha da forrageira está em buscar por novidades e trocar a cultivar sem ter conhecido o potencial produtivo da anterior.

Existem forrageiras muito mais exigentes em fertilidade e manejo, que, embora mais produtivas, não podem ser recomendadas para qualquer fazenda, pela dificuldade do manejo. Um critério importante na escolha do capim é saber se há condição do pecuarista atender à exigência da cultivar.

AgriBrasilis – O que é a capacidade de suporte do pasto e como é calculada?

Janaina Martuscello – A capacidade de suporte é o número de animais que um pasto pode suportar sem se degradar. De forma geral, o pecuarista tem uma preocupação grande com a taxa de lotação e a considera o índice zootécnico mais importante, mas ela pode não representar muita coisa sem uma análise conjunta com a capacidade de suporte do pasto.

O pecuarista só terá noção da quantidade de animais que a fazenda suporta se conhecer a capacidade de suporte. Para mensurá-la, é necessário conhecer a produção de forragem.

A capacidade de suporte muda ao longo do ano, é variável nas diferentes estações, por mudanças nas condições de clima. É por isso que se deve conhecer a flutuação da produção de forragem para que se possa trabalhar com diferentes taxas de lotação, de forma a respeitar a capacidade de suporte. Sem o conhecimento da produção de forragem, não é possível ajustar o manejo adequadamente.

AgriBrasilis – A altura do pasto é chave para a entrada dos bovinos nas áreas de pastagem. Qual é a altura recomendada? E no caso da retirada do gado?

Janaina Martuscello – Plantas não respondem ao calendário humano: elas respondem à água, luz, temperatura e nutrientes. Quanto mais escassos forem esses recursos, menor será o acúmulo de forragem.

É comum o uso de períodos fixos de ocupação e descanso em pastos. Considerando as variações climáticas, o período fixo pode ser longo ou curto para cada época do ano. Isso pode prejudicar a qualidade do pasto ou sua capacidade de rebrota.

O uso da altura como indicativo de entrada e saída dos animais é baseado no respeito à fisiologia da planta, onde se otimiza a produção de forragem com qualidade. Para cada capim, uma altura é definida, então a altura de entrada e saída varia de acordo com a forrageira.

O manejo dos pastos pela altura determinada para os capins presentes na fazenda permite que o animal colha o pasto com maior porcentagem de folha e menor porcentagem de talo e material morto, o que afeta o desempenho. A altura de saída deve representar em média 50% da altura de entrada.

AgriBrasilis – O que mudou com os avanços na tecnologia de sementes de capim? Por que o produtor não deve mais esperar o pasto “sementear”?

Janaina Martuscello – A tecnologia de produção e beneficiamento de sementes de plantas forrageiras no Brasil avançou muito nas últimas décadas. Hoje as sementes disponíveis são de alta qualidade.

A prática de deixar o pasto sementear antes do primeiro pastejo se justificava pela baixa qualidade das sementes, que não germinavam e deixavam espaços vazio no solo. Dessa forma, quando o capim alcançava seu estágio reprodutivo, as sementes caíam no solo e preenchiam os espaços. Além disso, como práticas agronômicas como correção de solo e adubação não eram aplicadas, as plantas tinham um sistema radicular pouco desenvolvido e, quando eram deixadas em crescimento livre, ocorria uma melhora na produção das raízes. Atualmente, isso não se justifica: as sementes apresentam alto valor cultural e os pastos implementados com os devidos tratos agronômicos apresentam sistema radicular robusto e boa capacidade de ocupar o solo.

Pastos deixados para sementear antes do primeiro pastejo apresentam forragem de baixíssima qualidade, com pouca proteína e muita fibra, e acamam com facilidade, havendo muita perda de forragem. Esses pastos, devido ao sombreamento, apresentam baixo número de perfilhos, uma vez que a luz é indutora de perfilhamento. E, sendo o perfilho a unidade básica de um pasto, é o perfilhamento que mais assegura a perenidade do pasto, e não as sementes. Além disso, o tempo que se perde para o uso do pasto é muito grande, com perdas econômicas significativas.

 

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