5G na Agricultura

Publicado em: 11 de dezembro de 2020

Paulo Bernadocki

Entrevista com o Diretor de Soluções de Redes da Ericsson.

 

Paulo Bernardocki é Diretor de Soluções e Tecnologia da Ericsson Latam South. É engenheiro eletricista formado pela UNICAMP, possui MBA pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e certificação em Data Science, e atua no mercado de telecomunicações há mais de 20 anos, com experiência no Brasil e exterior. Bernardocki cedeu a seguinte entrevista para a AgriBrasilis.

 

 


AgriBrasilis – No mundo, quantos países já possuem a tecnologia em operação e como a Ericsson tem desenvolvido o projeto de implementação da tecnologia?
Paulo Bernardocki – A Ericsson mantém liderança e protagonismo em pesquisa, desenvolvimento e também na implementação do 5G globalmente, e está preparada para seguir essa trajetória em todos os mercados em que atuamos.
Nossos investimentos robustos em R&D&I e nossa reconhecida capacidade de ajudar a atender às necessidades de 5G das operadoras ao redor do mundo é reforçada pela ampla experiência que pudemos acumular nos últimos anos. A Ericsson estabeleceu uma forte vantagem na implantação de 5G. Fomos o primeiro fornecedor a implementar redes 5G comerciais em cinco continentes e, atualmente, temos mais de 110 acordos/contratos firmados com operadoras únicas, sendo 65 delas com operações comerciais ativas em mais de 30 países, incluindo EUA, vários na Europa, China e Brasil.
Os clientes em todo o mundo nos escolhem como parceiros para a implementação do 5G e reconhecem os altíssimos padrões de qualidade e de segurança da nossa tecnologia. Eles nos escolheram em nove das dez principais trocas de fornecedores nos últimos anos. Está claro que nossa abordagem para trabalhar com os clientes, junto com nossa liderança em tecnologia, está ressoando no mercado. Trabalhamos com nossos clientes para apoia-los na evolução do 4G ao 5G de forma rápida, simples, segura e custo-benéfica.
Aqui no Brasil, especificamente, fornecemos equipamentos para todas as operadoras e mais da metade de toda a infraestrutura 4G (radiobases, antenas, rádios) é Ericsson. Em São Paulo, a maior cidade do País e uma das maiores do mundo, toda infraestrutura 4G é fornecida por nós. A rede de todos os nossos clientes já está sendo preparada para o 5G desde 2016, com a utilização de rádios que podem ser convertidos para 5G com uma atualização de software. Estes equipamentos são produzidos em nossa fábrica em São José dos Campos-SP.
AgriBrasilis – Qual estado da arte do 5G na região latino americana do globo, sobretudo no setor agropecuário?
Paulo Bernardocki – O 5G vai transformar toda a sociedade e impactar positivamente varios setores daeconomia. No agro, a chegada do 5G vai promover uma revolução. A tecnologia poderá ser utilizada em uma série de processos, transformando as fazendas em Fazendas Inteligentes (Smart Farming). Para se ter uma ideia desse impacto, com a agricultura de precisão, estudos projetam que será possível reduzir os custos relacionados à operação de campo e à análise do solo, além de permitir aumento significativo em relação aos rendimentos globais das lavouras, entre outros benefícios.
Há dois meses, anunciamos uma parceria com a São Martinho, um dos maiores produtores sucroenergéticos do País. O acordo é focado no desenvolvimento de inovações tecnológicas para o agronegócio a ser aplicada no ambiente de IoT, com base nos padrões abertos de conectividade 4G e 5G. Esta iniciativa aumentará a velocidade de transformação das fazendas da São Martinho em Smart Farming por meio da conectividade 5G, sendo a primeira do País a contar com essa tecnologia. Como próximo passo, uma operadora de telecom, ainda a ser definida, será selecionada pela São Martinho para fazer parte da parceria. Para completar o ecossistema, também está prevista a adesão de empreendedores e startups, possibilitando assim integrações mais ágeis e flexíveis entre empresas e desenvolvedores do agronegócio.
Nosso objetivo é agregar o conhecimento da Ericsson em telecomunicações, com a experiência de empresas do setor agrícole que conhecem a fundo o negócio. Esta não é a primeira vez que atuamos em parceria com o setor. Em 2018, em uma parceria com a Vivo, Raizen e Esalqtec, montamos em Piracicaba o Agro IoT Lab, onde foram identificadas
startups que desenvolveram soluções para o setor. Esse conhecimento acumulado levamos para os nossos clientes no agro.
AgriBrasilis – Como o setor será positivamente impactado pela tecnologia?
Paulo Bernardocki – Atualmente, o setor do agronegócio corresponde a quase 25% do PIB brasileiro, mas possui apenas 29% das propriedades rurais conectadas, o que representa um fator restritivo para a inovação e produtividade.
A conectividade acelerará a transformação digital no campo, habilitando o acesso a ferramentas na nuvem, fazendo com que haja maior automatização dos processos e ganhos de produtividade. Hoje o tempo entre a coleta de informação no campo, seu processamento para tomada de decisão, e aplicação em campo da atividade de manejo, pode durar dias. Com a conectividade esse ciclo passa a ser de segundos.
O estudo 5G Business Potential, desenvolvido pela Ericsson, analisou a cadeia de valor do agronegócio, que é a maior e mais importante atividade econômica do país, considerando não apenas o valor produzido no campo, mas todos os insumos utilizados na produção, serviços profissionais, transporte de carga, seja nas fazendas ou no trajeto do campo às fábricas e portos, e transformação dos produtos primários da agropecuária em alimentos, combustíveis, insumos para indústria química, farmacêutica e cosmética e outros. Os resultados mostram que essa vertical tem o potencial acumulado de capturar 49 bilhões de reais entre 2020 e 2030. O desenvolvimento da cadeia do agronegócio por inteiro a partir do 5G pode tornar o Brasil muito mais produtivo do que já é. A demanda global por insumos vegetais, alimentos e proteína irá dobrar até 2050 e o Brasil é o único país com área suficiente e condições favoráveis para aumentar em escala a oferta de alimento, além do enorme espaço para ganho de produtividade em diferentes etapas da cadeia, tornando-se assim o maior exportador de produtos agrícolas da nova década. Por esse motivo, o Brasil é ambiente de teste natural para as mais de 1.000 AgTechs (startups com foco em agro) em todo o mundo e o país já viu investimentos dispararem no ano passado estabelecendo uma nova geração de agricultores que é mais sofisticada e pioneira na adoção de novas tecnologias. Certamente, a tecnologia 5G terá um papel fundamental neste novo ciclo de inovação.
De forma a se manter competitivo no cenário global, é importante que se inicie prontamente a jornada de transformação digital. Há um caminho a percorrer, que se inicia com os investimentos em 4G. Nesse processo as empresas irão assimilar a nova tecnologia, incorporando-a em seus processos. Daí decorrerão os ganhos de competitividade.
AgriBrasilis – A maioria da zona rural brasileira não conta com cobertura de rede móvel e a conectividade tem sido um dos principais gargalos da difusão das tecnologias no campo. Como a lavoura poderá se beneficiar do 5G e quando será dado seu processo de disseminação no agro?
Paulo Bernardocki – O 4G já vem tendo um papel importante na digitalização do campo. As tecnologias já desenvolvidas para essas redes, como a NB-IOT, ampliam a cobertura, permitindo a instalação de centenas de sensores nas fazendas, com baixo consumo de bateria, que permitem que os equipamentos fiquem instalados por mais de 10 anos em solo.
Entre as diversas tecnologias disponíveis para cobertura rural, as redes celulares 4G/5G apresentam características que agregam um diferencial importante para os casos de uso na agricultura. Podemos ressaltar:
– Flexibilidade dos casos de uso, desde aplicações que enviam poucos dados como uma estação metereológica, até transmissão de vídeo em tempo real para um algoritmo de identificação de pragas;
– Raio de cobertura de dezenas de kilômetros para cada estação;
– Mobilidade dos dispositivos em operação (tratores, colheitadeiras e caminhões);
– Resiliência a falhas, e segurança com encriptação fim a fim;
– Cobertura global, sendo possível rastrear uma carga desde a origem até o destino final.
Além disso as redes celulares contam com um ecosistema global, são mais de 8 bilhões de usuários no mundo todo, o que assegura escala na redução de custos dos dispositivos, e rápido acesso a inovações que surjam em todo o globo.
A evolução tecnológica das redes celulares é permanente, e acompanha o desenvolvimento de casos de uso mais avançados. Para ilustrar, hoje já existem redes 4G que operam na velocidade de 1Gbps. E nossas redes de 4G já estão preparadas para receber a tecnologia 5G assim que houverem casos de uso. Sobre a escalabilidade, no início, como em qualquer tecnologia, haverá uma proporção menor, mas isso, com certeza, será resolvido rapidamente, dada a mudança que a tecnologia proporcionará e o seu grande poder de alcance.
AgriBrasilis – A tecnologia é algo que não depende apenas da Ericsson, a própria Anatel declarou que o processo de leilão das redes 5G estava prevista para ocorrer ainda em 2020, contudo o cenário mundial foi abalado pela pandemia. Qual é a previsão da chegada da tecnologia no Brasil?
Paulo Bernardocki – O leilão de frequências deverá ocorrer no ainda no primeiro semestre do ano que vem, segundo informações da Anatel.É importante ressaltar que se trata de um leilão de frequências, não de tecnologia. Já existem serviços 5G ativos no Brasil, fazendo uso das frequências do 4G, através da tecnologia de compartilhamento dinâmico de espectro. Nesse caso o 4G e o 5G compartilham o espectro antes utilizado apenas pelo 4G. Apesar de não haver ganhos muito grandes de velocidade, uma vez que a quantidade de espectro é a mesma, observam-se outras características da tecnologia 5G, como a redução do tempo de resposta da rede.
AgriBrasilis – Alguns países já possuem o selo de “5G-ready”. Há alguma tendência na região da América Latina em relação a implementação da rede 5G?
Paulo Bernardocki – Para a Ericsson, 5G já é realidade há muito tempo. Nossos esforços e trabalho de inovação, pesquisa e desenvolvimento em 5G começaram há mais de 10 anos. Lideramos também o trabalho de inovação no 5G — no relatório elaborado e publicado pela consultoria australiana independente Two Birds, é possível ver em detalhes as empresas com maior domínio em desenvolvimento de patentes essenciais 5G em nível mundial. E o Brasil está diretamente envolvido nessa jornada. Nossos pesquisadores no centro de desenvolvimento em Indaiatuba estão envolvidos desde o princípio nos projetos de pesquisa que geraram diversas patentes 5G.
Desde a padronização do 5G, a Ericsson tem sido um player essencial para tornar as redes 5G uma realidade comercial, provando nosso protagonismo e liderança tecnológica. Somos o principal impulsionador da padronização da indústria para 5G. Temos um portfólio flexível e competitivo de soluções que permite às operadoras de telecomunicações ativar o 5G em suas redes 4G existentes. Desde 2015, já entregamos no mercado mais de 4 milhões de rádios 5G ready, isto é, que funcionam na rede 4G e só dependem de uma atualização de software para começarem a operar no 5G quando as operadoras decidam faze-lo.
É da Ericsson a implementação mais avançada da tecnologia DSS (Dynamic Spectrum Sharing) que permitiu a implementação da primeira rede 5G comercial no Brasil (primeira também na América Latina), anunciada em julho. Muitas operadoras em outras partes do mundo também optaram por iniciar a implementação do 5G usando a tecnologia DSS, isto é, usando a mesma infraestrutura então implementada para o 4G. Com o leilão da frequência 3,5 GHz, aguardado para o início do ano que vem, será possível aproveitar o máximo das potencialidades oferecidas pela tecnologia 5G.