Produtividade média da cana-de-açúcar não aumentou nas últimas décadas

“…os programas de melhoramento de cana estão produzindo mais do mesmo, pois empregam genitores muito semelhantes ano após ano.”

William Burnquist é diretor da Boyd Consultores S.A, engenheiro agrônomo pela Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” – USP, Ph.D em melhoramento genético de plantas pela Cornell University.

Burnquist estabeleceu o programa de Biologia Molecular de Cana-de-açúcar do CTC, além de ter atuado no Centro de Tecnologia Copersucar.

William Burnquist, diretor da Boyd Consultores S.A


AgriBrasilis – O que representou o Projeto Genoma Cana? Quais foram suas etapas?

William Burnquist – O Projeto Genoma da Cana, financiado pela Copersucar e a Fapesp, teve início em 1999. Seu objetivo era sequenciar 50 mil genes de cana-de-açúcar.

O projeto teve a participação de 240 pesquisadores de 22 grupos de pesquisa em diversas universidades brasileiras. Representou a introdução das mais modernas ferramentas de biologia molecular no melhoramento genético da cana-de-açúcar.

Após a primeira fase, terminada com sucesso em 2002, o projeto teve continuidade com o estudo funcional dos genes identificados na fase 1 e eventualmente com o sequenciamento genético completo da variedade SP80-3280, em 2019.

AgriBrasilis – Qual a evolução da produtividade da cana ao longo das últimas décadas? Como se compara com a de outras culturas e por quê?

William Burnquist – A produtividade média da cana-de-açúcar não tem apresentado aumento nas últimas décadas: mantém um patamar de aproximadamente 75 toneladas por hectare.

Em outras culturas de importância nacional, como a soja e o milho, são observados aumentos de produtividade média da cana. Essas duas culturas têm programas de melhoramento genético mais dinâmicos, que tem proporcionado ganhos mesmo frente às mudanças geográficas.

Falta aos programas de melhoramento de cana-de-açúcar mais dinamismo na introdução de variabilidade no germoplasma empregado. Resumidamente, os programas de melhoramento de cana estão produzindo mais do mesmo, pois empregam genitores muito semelhantes ano após ano.

AgriBrasilis – Como os bancos de germoplasma auxiliam no melhoramento da cana?

William Burnquist – Bancos de germoplasma são um importante elemento de um programa de melhoramento pois contém a variabilidade necessária para criar novos indivíduos, melhores que os anteriores.  O banco de germoplasma deve ser dinâmico, sempre incorporando novos indivíduos, com variabilidade útil.

AgriBrasilis – O que é a CopaCana? Qual seu objetivo e resultados?

William Burnquist – A Boyd Biotech do Brasil criou a Copa do Mundo de Variedades de Cana, a CopaCana, uma rede de programas de melhoramento genético de cana-de-açúcar para avaliar o germoplasma no Brasil.

Participam dessa rede entidades da Australia, Argentina, África do Sul, Cuba, Indonésia, Ilhas Mauricio e Paquistão.  A introdução dos materiais é feita obedecendo as normas de importação e quarentena do Ministério da Agricultura e Pecuária.

Após a liberação da quarentena, as variedades estrangeiras são plantadas em experimentos de campo, em várias condições edafoclimáticas nos estados de SP, MG, MS e PE.

Utiliza-se a Fenotipagem Digital, tecnologia “estado da arte” para avaliar de forma objetiva o desempenho das variedades estrangeiras em comparação com as variedades padrão atualmente plantadas.

Imagens periódicas capturadas por drones permitem distinguir as variedades experimentais em relação às sus curvas de crescimento, acúmulo de biomassa e vigor vegetativo. Análises empregando algoritmos de inteligência artificial e aprendizado de máquina possibilitam classificar as variedades experimentais quanto à produtividade.

Na primeira série de variedades importadas e avaliadas, composta de 20 variedades de cinco países, foram identificadas duas variedades argentinas e duas variedades australianas com potencial comercial para as lavouras brasileiras.

Essas variedades, denominadas “Bola de Ouro” estão sendo multiplicadas em viveiristas credenciados para serem oferecidos aos produtores durante a safra 2023/24.

AgriBrasilis – É viável o cultivo de variedades desenvolvidas em outros países no Brasil? E vice-versa?

William Burnquist – Sim, é viável. Variedades estrangeiras de cana-de-açúcar já foram sucesso comercial no Brasil, como a NA56-79, variedade argentina que chegou a ocupar 45% da área de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo nos anos 1980.

O inverso também é válido. Algumas variedades brasileiras são sucesso em outros países, como a SP70-1284, comercial no México, Cuba e vários outros países de Centro América e Caribe.

 

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