Reavaliação toxicológica do 2,4-D

Amanda Búlgaro & Luis Ribeiro
Publicado em: 4 de novembro de 2020

Entrevista com especialistas da Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos (Aenda).

 

O 2,4-D é um herbicida amplamente utilizado na agricultura e é dos mais vendidos no Brasil. Sintetizado desde 1941, tem um excelente custo-benefício em função do baixo custo e, em função do modo de ação, não gera resistência das plantas daninhas. A aplicação do produto exige cuidados em relação à deriva a áreas de outros cultivos, que podem ocasionar fitotoxicidade.

Recentemente, no Estado do Rio Grande do Sul, houve restrições ao uso do produto motivado por suspeitas de
contaminação por deriva. A AgriBrasilis entrevistou Luis Ribeiro, Gerente de Regulamentação Estadual e Amanda
Búlgaro, Coordenadora de Regulamentação Federal, da AENDA (Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos) para tratar sobre tema.

A Aenda, uma instituição sem fins lucrativos, é a principal entidade que atuou na origem do registro de defensivos por equivalência e ao longo dos anos tem mostrado força no envolvimento das mais diversas questões, como regulamentações federal e estaduais, aplicação e uso de produtos, tributos e taxas federais e estaduais, sistema de patentes, procedimentos de importação, entre outras atividades.

 

AgriBrasilis – Qual o mercado do 2,4-D, e quais são os principais players nele?
Aenda – De acordo com os relatórios de comercialização de agrotóxicos preparados pelo IBAMA1, em 2018 o 2,4-D foi o segundo ingrediente ativo mais vendido no país com cerca de 49 mil toneladas comercializadas. Ainda não temos os resultados de 2019, mas acreditamos que o ativo ainda esteja entre os mais vendidos, e é comercializado por cerca de 30 empresas. Corteva, Nufarm e a Adama são as maiores comercializadoras de produtos à base de 2,4-D no mercado brasileiro.

 

AgriBrasilis – Qual a periculosidade do 2,4-D?
Aenda – Em relação à periculosidade do ingrediente ativo, no que diz respeito a dados crônicos, ainda não há evidências suficientes de observações na espécie humana ou de estudos em animais de experimentação de que o
2,4-D cause algum tipo de dano crônico, de acordo com a ANVISA2.

As análises da ANVISA, e também de outros órgãos internacionais, mostram que o 2,4-D é seguro quanto
aos perigos crônicos e não se enquadra em nenhuma característica impeditiva de registro de agrotóxicos
no Brasil pois ele não revela características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas e nem provoca distúrbios hormonais ou danos ao aparelho reprodutor relevantes para seres humanos, conforme resultados de estudos científicos disponíveis até o momento.

Considerando as demais análises da ANVISA (avaliação de risco ocupacional, risco dietético, resíduos e demais pontos citados na RDC no 284/2019) foram determinadas mitigações de risco alterando algumas recomendações de aplicação e produção.

 

AgriBrasilis – Ao término da reavaliação do 2,4-D pela ANVISA, quais as novas diretrizes em relação ao registro e uso do 2,4-D?
Aenda – A ANVISA publicou em seu site, em maio de 2019, um resumo das novas diretrizes:
“Trabalhador rural Para proteger a saúde dos trabalhadores rurais, ou seja, aqueles que lidam diretamente com a
aplicação do agrotóxico 2,4-D, a ANVISA determinou novos parâmetros e limites para o seu uso. Um dos parâmetros é a definição de um limite de exposição para o trabalhador rural. Com isso, a ANVISA pode definir medidas de proteção específicas para esse trabalhador.

Para a aplicação feita com uso de trator, diferentes trabalhadores deverão realizar as atividades de preparo e aplicação do produto. Segundo levantamento feito junto ao setor agrícola, esta já é uma prática adotada, pois o agrotóxico está autorizado somente para culturas que tradicionalmente são de grande extensão.

A entrada de trabalhadores em locais que receberam a aplicação do agrotóxico também passará a ter intervalos definidos para cada cultura. Isso significa que o trabalhador só poderá entrar em uma área que foi pulverizada com o 2,4-D depois do tempo mínimo definido ou com uso de equipamento de proteção individual.

Análise: Para a reavaliação do 2,4-D, a ANVISA elaborou 13 pareceres, incluindo avaliações específicas sobre risco ocupacional e para pessoas que transitam em áreas próximas às áreas plantadas. Também foram analisados os dados mais recentes do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxico (PARA), das intoxicações agudas pelo agrotóxico no Brasil e do Sistema de Informações de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SISAGUA).

Principais mudanças determinadas para a aplicação do 2,4-D: 1) Para a proteção dos trabalhadores rurais:

– Vedação para que o mesmo trabalhador realize a preparação e a aplicação do produto quando for utilizado trator.
– Determinação de intervalos de tempo, específicos para cada cultura, para que se permita a entrada de trabalhadores nas áreas em que o produto foi aplicado.
2) Para os residentes em áreas próximas a plantações:
– Delimitação de uma margem de 10 metros para o interior da plantação em que o agrotóxico não pode ser aplicado, caso haja edificações a menos de 500 metros da lavoura. Essa margem é também chamada de bordadura.
– Obrigatoriedade de redução da deriva, ou seja, uso de equipamento e técnicas de aplicação ou alteração na formulação que impeça a dispersão do produto para fora da lavoura.
– Limitação da dose máxima de aplicação a 1,7 kg/hectare por via costal, isto é, quando o trabalhador usa a bomba de aplicação como uma mochila. Esta medida é específica para a cultura de café e quando não for possível a redução da deriva.”

 

AgriBrasilis – Quem são os responsáveis pela implementação e fiscalização destas novas diretrizes?
Aenda – Quando falamos em fiscalização, a constituição federal, a lei federal e seu decreto regulamentador determinam as competências sobre quem legisla e quem fiscaliza determinados assuntos. Cabe ao governo federal fiscalizar os produtos na sua fabricação, importação e transporte entre estados.

Aos estados compete fiscalizar o armazenamento, o transporte interno, se a recomendação de uso está sendo realizada através de receituário agronômico, o comércio e a utilização do produto. Todas as informações constantes nos rótulos e bulas dos produtos devem estar atualizadas nos órgãos estaduais de defesa vegetal em concordância com as determinações dos órgãos federais de registro (MAPA3, ANVISA e IBAMA).

Os municípios podem ter sua lei de agrotóxicos e fiscalizar onde o estado não consegue atuar.

 

AgriBrasilis – Como as empresas estão se organizando para adequar-se às novas normas estabelecidas?
Aenda – Todas as empresas registrantes de produtos à base de 2,4-D estão adaptando seus produtos técnicos e formulados de acordo com as novas recomendações da ANVISA e, além das recomendações constantes na nova monografia do ativo e as alterações de recomendação de aplicação e uso dos produtos, também deve instituir programas de treinamento e disseminação de informações para os agricultores.

As empresas também são responsáveis por monitorar os resultados desses programas e encaminhar para a ANVISA relatórios anuais com registro das vendas dos produtos, detalhamento de como as medidas de mitigação de riscos foram disseminadas e os resultados obtidos. Por conta disso, em 2019 foi formada a “ForçaTarefa de Pós Reavaliação do 2,4-D” para desenvolver programas de treinamento conjunto. A FT é coordenada pela Aenda e é composta por 23 empresas.

Montamos um planejamento de treinamentos presenciais nos Estados do Tocantins, Espírito Santo, Alagoas, Minas Gerais e Santa Catarina para o ano de 2020. Os locais escolhidos são resultado de cruzamento entre dados do IBGE4, Notificações de intoxicação e dados da ANVISA sobre o 2,4-D. Além disso, também foi desenvolvido um vídeo para instrução e orientação da aplicação segura em complemento aos treinamentos presenciais que pode ser acessado no site: www.aplicacaosegura.agr.br .

Por conta do COVID-19, infelizmente os treinamentos presenciais estão suspensos e neste momento estamos
estimulando a divulgação do vídeo de treinamento, buscando ajuda de outros parceiros e instituições do setor.

 

AgriBrasilis – Qual o papel da Aenda?
Aenda – A Aenda está coordenando a FT e está em contato com as secretarias de defesa vegetal dos estados para atuação em conjunto e também com a ANDAV5 visando uma ampla divulgação dos trabalhos que estão sendo realizados pela FT.

 

AgriBrasilis – No caso do descumprimento do estabelecido pela ANVISA, está previsto alguma penalidade?
Aenda – De acordo com a ANVISA, conforme art. 7o da RDC no 284/2019, “O descumprimento das disposições contidas nesta Resolução constitui infração, nos termos da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, da Lei nº 7.802, de 11 de julho de 1989, e do art. 31 da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 221, de 28 de março de 2018, sem
prejuízo das penalidades civis e penais cabíveis.”

 

AgriBrasilis – As unidades da Federação seguem as normas da ANVISA ou têm normas próprias?
Aenda – Conforme a Lei nº 7.802/89 e seu decreto regulamentador nº 4.074/2002, cada unidade da federação publicou sua lei estadual de agrotóxicos. Há leis estaduais anteriores à federal e ainda estão em vigor, como acontece nos Estados do Rio Grande do Sul e Paraná.

Todas as legislações estaduais contemplam que os órgãos de saúde estadual observem o que a ANVISA aprovou no momento do cadastro estadual dos agrotóxicos, para serem posteriormente liberados para comercialização.
Cada estado possui suas particularidades e podem solicitar às empresas complementação de informação nas bulas para atenderem alguma determinação.

 

AgriBrasilis – Estas novas diretrizes têm impacto no preço do produto?
Aenda – O que regulamenta preço são as condições de valor de compra dos componentes para gerarem formulações,
isso quando o produto é formulado no país ou o preço do produto acabado/ formulado que já vem pronto do exterior. Tudo isso é dolarizado, as condições de comercialização e negócios são diferentes para cada empresa.

 

AgriBrasilis – Isto vai impactar o consumo do produto?
Aenda – Acreditamos que não, pois o produto é bastante conhecido e o produtor entende a necessidade de tê-lo como ferramenta no manejo da cultura. Entendemos que as mitigações de risco e programas de treinamento
possam contribuir para a aplicação segura do produto e desta forma evitar intoxicações e casos de deriva para culturas vizinhas não afetando as vendas, mas trazendo mais segurança para o aplicador e consumidor final.

 

Notas:
(1) IBAMA: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(2) ANVISA: Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(3) MAPA: Ministério da Agricultura, Abastecimento e Pecuária
(4) IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(5)ANDAV: Associação Nacional dos Distribuidores de Produtos Agrotóxicos e Veterinários