“Há incerteza por causa do novo governo, mas o potencial existe. Temos acesso a dois oceanos e muitos portos com infraestrutura ao seu redor que só melhora. O talento profissional que temos na Colômbia é incrível. Temos muito investimento estrangeiro…”
Jorge Enrique Bedoya é o presidente da Sociedade de Agricultores da Colômbia. É mestre em Políticas Públicas pela Harvard Kennedy School of Government, tendo dirigido a Associação Nacional da Indústria de Aves e Ovos da Colômbia.
Bedoya atuou como vice-ministro da defesa para política e assuntos internacionais da Colômbia e como diretor da Fundação Bavaria, uma importante organização sem fins lucrativos no país.

Jorge Bedoya, presidente da Sociedade de Agricultores da Colômbia
AgriBrasilis – A quem representa a Sociedade de Agricultores da Colômbia e quais são suas atividades?
Jorge Bedoya – A Sociedade de Agricultores da Colômbia foi fundada há 150 anos. Representamos o setor de agronegócios na Colômbia. Mais de 75% do PIB agrícola colombiano é representado pela associação, incluindo os setores de aves, suínos e aquicultura, por exemplo.
Apresentamos assuntos de política agrícola ao Governo, Congresso, no cenário internacional e perante a opinião pública.
AgriBrasilis – Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelo setor agropecuário e como os elos dessa cadeia estão superando-as? Qual é o papel do Estado?
Jorge Bedoya – Nos últimos dois anos sofremos quatro grandes problemas. Primeiro foi a crise na cadeia de suprimentos global. Em segundo lugar estavam a pandemia e os efeitos das medidas de isolamento: com o surto de Covid-19, o consumo das famílias despencou e criou um grande problema em termos de rentabilidade para os agricultores. O terceiro desafio foi enfrentado há um ano, quando a Colômbia sofreu 25 dias de mais de 3.000 bloqueios de estradas em todo o país. Impactou nossa economia e agricultura, causando inflação de preços de alimentos para os consumidores. Finalmente, a partir de 24 de fevereiro de 2022, houve a invasão russa da Ucrânia.
A guerra contra a Ucrânia afetou a Colômbia porque causou um aumento nos custos de produção. Importamos mais de seis milhões de toneladas de milho para abastecer nosso setor de proteína animal, por exemplo. Também importamos dois milhões de toneladas de trigo e mais de dois milhões de toneladas de fertilizantes. A maioria de nossos insumos é importada e esses desafios afetaram consideravelmente os custos agrícolas de produção.
O papel do Governo é fundamental em termos de apoio e medidas que possam aliviar esta carga, embora pelo menos três dos problemas mencionados sejam externos, o que os torna mais difíceis de resolver. A inflação disparou no ano passado. Nos primeiros seis meses de 2022, o Governo criou mecanismos para disponibilizar mais recursos aos consumidores, especialmente para a população mais pobre.
O governo também tentou definir algumas medidas específicas para compensar os altos custos de produção causados pelos preços dos insumos, como reduções de tarifas, ou tentando encontrar dinheiro para subsidiar fertilizantes. Mas a crise é tão grande que nenhuma quantidade de recursos será capaz de resolvê-la.
Temos que esperar o mercado se ajustar. Temos a sorte de que a maioria dos nossos produtos que são exportados para mercados internacionais, como café, óleo de palma, açúcar e abacate, com seus preços em alta no momento. A taxa de câmbio também é alta. Para os exportadores este é um bom cenário. Mas para o mercado doméstico as condições são desafiadoras.
Em menos de uma semana teremos um novo presidente, por isso contamos com as medidas deste novo Governo. Esperemos que essas medidas sejam técnicas e não apenas políticas.
AgriBrasilis – O que é o SISAC (Sistema de Informação do Setor Agropecuário Colombiano) e qual sua importância?
Jorge Bedoya – Ter informações em tempo real é fundamental para que os agricultores tomem suas decisões. Fatores como mudanças climáticas ou impactos dos mercados internacionais no cenário doméstico tornam as informações necessárias.
O Governo e as associações privadas precisam criar sistemas de informação que forneçam ferramentas e soluções para que os agricultores tomem suas próprias decisões. A Colômbia tem muito espaço para crescer nesse sentido, mas a informação deve ser um bem público para todos os envolvidos no agronegócio.
A Colômbia sofreu mais de 50 anos de terrorismo e conflito interno. Isso atrasou a possibilidade de alcançar a competitividade que outros países têm. Por causa disso, não temos as estradas que o Brasil tem. Isso atrasou nosso papel nos mercados internacionais.
Estamos construindo do zero. Avançando em termos de informação, é fundamental agora que alguns de nossos setores estejam dando seus primeiros passos, entrando nos mercados internacionais. Para podermos acessar a Coréia do Sul, Japão ou países europeus, precisamos ter sistemas de informação muito bons.
AgriBrasilis – Como o terrorismo que você mencionou atrasou os avanços da agricultura na Colômbia?
Jorge Bedoya – Quando há violência em um país, seja as FARC, o ELN, gangues criminosas, a presença de entorpecentes ou de mineração ilícita, o desenvolvimento é atrasado.
A Colômbia tem mais de 39 milhões de hectares do que chamamos de nossa fronteira agrícola, que são terras onde a agricultura é possível. Desses, estamos usando apenas 7 milhões de hectares. Temos apenas 175.000 km de estradas rurais, sendo que apenas 10% delas estão em boas condições.
Por que o Estado não conseguiu construir estradas no meio rural? Pelo menos nos últimos 50 anos, a maioria dessas áreas esteve envolvida em uma batalha entre forças militares colombianas e grupos fora da lei. Um deles foi desmobilizado durante o governo do presidente Santos (as FARC terminaram em 2017), mas ainda temos o ELN, que é dissidente das FARC. É difícil para o Estado agir onde há criminosos circulando.
O país não está em uma bagunça completa, é claro. Temos lugares onde o investimento nacional e estrangeiro está acontecendo. Estamos avançando, mas se realmente queremos competir nos mercados internacionais, precisamos de mais segurança, menos violência, regras de engajamento estáveis e assim por diante.
AgriBrasilis – Quais são os destaques da produção agrícola familiar na Colômbia e quais ações são realizadas para incentivar e apoiar o segmento?
Jorge Bedoya – Temos meio milhão de famílias dedicadas à cafeicultura e ao cultivo de seus próprios alimentos. O papel da agricultura familiar é muito importante aqui.
No passado, o Estado fez esforços para proporcionar inclusão financeira por meio de subsídios para empréstimos e linhas de crédito voltadas para populações específicas, como mulheres agricultoras ou comunidades negras e indígenas.
Havia também um programa que tentava garantir a propriedade da terra para pequenos agricultores para que eles pudessem acessar sistemas financeiros, por exemplo. Durante a pandemia, os esforços em matéria de educação e assistência técnica foram muito importantes.
Quando você tem mais de 3,5 milhões de pessoas empregadas na agricultura, você precisa de um compromisso sólido em termos de recursos do Governo para apoiar essas áreas. Deve haver investimentos em pesquisa, infraestrutura, bens públicos e outras áreas para apoiar a agricultura familiar.
Em um mercado globalizado há concorrência de outros países. É necessário alcançar uma economia de escala, para alcançar a integração vertical; você precisa saber sobre branding, marketing, para se aproximar do consumidor e assim por diante.
Ainda temos muito a fazer para apoiar a agricultura familiar na Colômbia, para que ela possa sobreviver e competir no mercado interno e, esperamos, alcançar os mercados internacionais, mas isso requer maior escala de produção.
AgriBrasilis – Qual é a relevância do ESG no agronegócio na Colômbia e qual o nível de comprometimento dos elos da cadeia produtiva agropecuária?
Jorge Bedoya – ESG é fundamental para qualquer país. Precisamos cuidar dos nossos recursos naturais e pensar nas gerações futuras. Esta é uma responsabilidade das empresas e dos agricultores, mas também dos consumidores.
A implementação de boas práticas pode impactar nos custos de produção. Quando você está fornecendo comida para consumidores pobres, você não pode se dar ao luxo de aumentar os custos. Os mercados internacionais provavelmente poderiam pagar mais por produtos orgânicos, por exemplo, ou por embalagens mais sustentáveis, etc.
É papel do Governo criar mecanismos para viabilizar práticas sustentáveis para os mercados internacional e doméstico. Eu diria que ESG é um desafio permanente para todo o setor do agronegócio. Existem diferentes níveis de implementação, dependendo das possibilidades financeiras de cada participante.
Estamos tentando conscientizar todas as pessoas ligadas ao sistema alimentar. Esta deve ser uma abordagem conjunta. Não pode ser um único esforço dos agricultores, consumidores ou varejistas.
AgriBrasilis – Existe cooperação tecnológica entre a Colômbia e outros países da América Latina para melhorar a agricultura?
Jorge Bedoya – Existem alguns exemplos: há uma forte cooperação com instituições de pesquisa brasileiras, como a Embrapa.
No passado, a indústria de óleo de palma teve cooperação com o Equador por meio de programas de assistência técnica e pesquisa.

Colheita da palma na Colômbia (Fonte: Fedepalma)
AgriBrasilis – Que medidas o senhor planeja tomar diante da nova proposta de reforma tributária e possível tributação dos alimentos colombianos?
Jorge Bedoya – Para já não há texto ou rascunho oficial desta reforma porque o novo Governo ainda não começou. Prefiro não especular sobre o conteúdo, mas o presidente eleito disse que não vão taxar alimentos e não estão modificando o IVA que temos no setor agrícola, o que é uma boa notícia. Neste momento, é melhor esperar e ler o rascunho que eles vão apresentar ao Congresso.
Esta reforma está acontecendo porque o novo Governo tem a intenção de empreender e levar adiante múltiplos programas sociais. Esta foi sua plataforma política durante sua campanha, então eles têm que cumprir suas promessas. Eles têm que sustentar as pessoas mais pobres, querem criar empregos e precisam de recursos. Todos os governos da Colômbia trazem essa ideia de fazer uma reforma tributária estrutural, mas nunca foi aprovada pelo Congresso.
Em termos de impostos progressivos, os mais ricos têm que pagar, o que é compreensível. É a forma correta de o fazer, mas o problema é: como fazer para não impedir a criação de emprego? Como fomentar de fato a criação de novas empresas, pequenas e médias empresas e assim por diante? Também precisamos de um ambiente claro para os investidores.
Precisamos de um país estável em termos de impostos e finanças e também nos sinais que são dados à iniciativa privada.
AgriBrasilis – Quais são as perspectivas do país para o mercado agrícola no médio prazo?
Jorge Bedoya – Temos um potencial enorme. A fronteira agrícola colombiana ainda precisa ser explorada, como mencionei. Nosso mercado interno está sólido, mesmo após a pandemia. Houve boas iniciativas do Governo ao nível do programa de vacinação para controlar a pandemia. Nossa economia está vibrante agora.
Estamos entrando em mais mercados internacionais, o que é bom. Precisamos ter certeza de que as regras e políticas que o novo Governo vai ditar e implementar sejam propulsores da produção e rentabilidade agrícola.
Há incerteza por causa do novo governo, mas o potencial existe. Temos acesso a dois oceanos e muitos portos com infraestrutura ao seu redor que só melhora. O talento profissional que temos na Colômbia é incrível. Temos muito investimento estrangeiro. A nossa democracia é uma das mais estáveis do continente. Tudo depende das medidas que o novo Governo implementar.
