“O evento transgênico resistente ao glifosato QAB016 (NA 05-2019 “RR”) está em processo regulatório, concluindo atualmente as etapas experimentais de caracterização do gene inserido e da expressão gênica.”
German Serino é diretor da Chacra Experimental Agrícola Santa Rosa, sócio fundador da SYZ Biotecnologia, graduado em biologia pela Universidad de Buenos Aires e P.h.d em microbiologia e genética molecular pela Rutgers University.
A Chacra Experimental Agrícola Santa Rosa é o primeiro e único instituto privado de melhoramento de cana-de-açúcar na Argentina, com objetivo de obter variedades adaptadas às condições do norte da Argentina.
AgriBrasilis – Santa Rosa é o único instituto privado de melhoramento da cana-de-açúcar na Argentina. Qual é a história da instituição? Quais cultivares foram desenvolvidas ao longo de seus 71 anos?
German Serino – A Chacra Experimental Agrícola Santa Rosa foi fundada em agosto de 1951, quando os terrenos “Santa Rosa” e “La Toma” foram adquiridos no departamento de Orán, Província de Salta, pelo Ingenio y Refinería San Martín del Tabacal (atualmente Seaboard Energías Renovables y Alimentos), Ledesma Sugar Estates and Refining Company (hoje Ledesma SAAI), Leach’s Argentine Estates (hoje Ingenio La Esperanza), Ingenio Río Grande e Ingenio San Isidro.
O primeiro diretor da Santa Rosa foi o agrônomo Roberto Fernández de Ullívarri, que a dirigiu desde sua criação até 1956, e depois entre 1975 e 1985. Em 1956, Ullívarri viajou para Porto Rico, onde realizou cruzamentos que resultaram nas cultivares NA 56-79, NA 56-30, NA 56-42, NA 56-62, NA 56-83 e NA 56 – 26.
A NA 56-79, originalmente conhecida como “linha 17001” ou “La Miluno”, foi uma das variedades mais cultivadas de cana-de-açúcar em toda a história mundial, tendo sido plantada em 55% da superfície de Tucumán e em mais de um milhão de hectares no Estado de São Paulo, Brasil. Apesar de sua suscetibilidade ao “carbón” (doença causada pelo fungo Ustilago scitaminea), é uma das variedades que mais tem produzido açúcar por hectare em áreas subtropicais.
A cultivar NA 56-30 alcançou uma importante difusão em Tucumán. As cultivares NA 56- 42, NA 56-62 e NA 56-83, por sua vez, tiveram um bom desempenho em Salta e Jujuy. Dentre essas, a NA 56-42 foi a cultivar mais adotada na Costa Rica entre as décadas de 1990 e 2000, ainda sendo cultivada atualmente. A cultivar NA 56-26 foi a principal variedade na Bolívia por vários anos.
A NA 63-90 foi uma cultivar precoce, que ocupou cerca de 25% da área de cana-de-açúcar em Tucumán. Mais tarde, a NA 85-1602 foi amplamente adotada em Jujuy e Salta e é cultivada na Costa Rica e em uma área limitada do Mato Grosso, Brasil. A cultivar NA 97-3152, ocupa uma porcentagem importante de Jujuy e Salta, embora hoje em dia sua adoção esteja em declínio.
Atualmente, as cultivares mais relevantes incluem a NA 96-2929, que ocupa cerca de 10% da área canavieira de Jujuy e Salta, e a NA 90-1001, que ocupa 8,5%. A NA05-860 ocupa mais de 10% da área de cana-de-açúcar e sua adoção está em expansão.
AgrBrasilis – Que pesquisas estão sendo realizadas nas áreas de biotecnologia, melhoramento de plantas e patologia?
German Serino – La Chacra é pioneira em biotecnologia na Argentina, tendo gerado a primeira cana-de-açúcar transgênica do país. O foco da pesquisa em Biotecnologia em La Chacra está no controle de ervas daninhas por meio da resistência a herbicidas.
O evento transgênico resistente ao glifosato QAB016 (NA 05-2019 “RR”) está em processo regulatório, concluindo atualmente as etapas experimentais de caracterização do gene inserido e da expressão gênica.
La Chacra desenvolveu cana-de-açúcar resistente ao vírus do mosaico por meio de interferência de RNA, obtendo eventos transgênicos que resistiram ao vírus por vários anos de cultivo experimental em campo. Esses eventos são realizados em parcelas regulamentadas apenas para fins de pesquisa, pois a comercialização dessa tecnologia não está prevista no momento.
Também realizamos pesquisas em edição de genoma, tecnologia com grande potencial para o desenvolvimento de cultivares.
AgriBrasilis – Qual é a fonte de recursos para o desenvolvimento da pesquisa? Existe financiamento do governo?
German Serino – La Chacra é uma ONG que trabalha para o setor açucareiro nas províncias de Jujuy e Salta, na Argentina. Os recursos que sustentam a investigação provêm de honorários corporativos contribuídos pelas Usinas de Açúcar Ledesma, Seaboard e Río Grande, e do fornecimento de cana-de-açúcar residual das investigações para moagem nos Ingenios.
Houve poucas ocasiões no passado em que a Chacra recebeu financiamento do governo para projetos específicos, mas este é o caso atualmente.
O custo de desenvolver uma variedade de cana-de-açúcar é altamente variável e difícil de estimar. Normalmente o processo de desenvolvimento de uma cultivar requer aproximadamente 15 anos de pesquisa.
AgriBrasilis – Que proporção da cana-de-açúcar é usada para produzir açúcar e etanol? A melhoria é feita de forma diferente para cada finalidade?
German Serino – Em 2019, a Argentina produziu mais de 2.100.000 toneladas de açúcar e 520.000 m3 de bioetanol. É difícil indicar quanto de cana foi destinado à produção de açúcar e quanto foi dedicado para o bioetanol, pois os diferentes esquemas de produção das usinas variam entre si ao produzir etanol a partir de melaço, caldo ou através da mistura dos dois. Além disso, diferentes fábricas possuem estratégias de diversificação, principalmente através da geração de eletricidade e produção de papel.
Como as estratégias de produção variam em um período de tempo sensivelmente menor do que os tempos de desenvolvimento de uma cultivar, o Chacra busca desenvolver uma cana que atenda duplamente aos diferentes propósitos.
AgriBrasilis – A cana melhorada difere do milho híbrido na medida em que é possível que os agricultores a reproduzam em sua própria fazenda. É possível garantir a procedência do material? Como proteger a propriedade intelectual dos materiais desenvolvidos?
German Serino – Na Argentina, as variedades de cana-de-açúcar são protegidas através da concessão de título de propriedade por meio de cadastro no Registro Nacional de Propriedade Cultivar (RNPC). O registro de uma cultivar nesse sistema não a qualifica para comercialização, para o que também é necessário, além da proteção no RNPC, o cadastro da variedade no Registro Nacional de Cultivares (RNC).
LEIA MAIS: