Misturas de pesticidas em tanque: sinergia, compatibilidade e cuidados

Published on: May 15, 2025

“…a recomendação de misturas em tanque visa, principalmente, vantagens operacionais, devido as reduções de custos, pelo menor número de entradas de maquinários na área…”

Matheus Rakes é pesquisador na ProtTech Crop Services, agrônomo com mestrado pela Universidade Federal de Pelotas, doutorando em Fitossanidade com ênfase em Entomologia.

Matheus Rakes, pesquisador na ProtTech Crop Services


AgriBrasilis – Por que recomendar mistura de pesticidas em tanque?

Matheus Rakes – Primeiramente, precisamos entender o que são misturas em tanque. Misturas de tanque são definidas pela associação de defensivos agrícolas (diferentes produtos comerciais) e afins (ex.: adjuvantes, fertilizantes, etc.) no tanque do equipamento aplicador, imediatamente antes da aplicação. Dessa forma, falando exclusivamente em vantagens, a recomendação de misturas em tanque visa, principalmente, vantagens operacionais, devido as reduções de custos, pelo menor número de entradas de maquinários na área e economia de combustível. Além disso, misturas em tanque são recomendadas na tentativa de aumentar o espectro de controle de artrópodes-praga, fitopatógenos e plantas daninhas.

AgriBrasilis – Quem está habilitado a recomendar essa prática? 

Matheus Rakes – Em 2018 houve um Acordo de Cooperação Técnica firmado entre a Secretaria de Defesa Agropecuária – SDA/MAPA; e o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA, que editou a Instrução Normativa nº 40. Diante disso, em seus seis artigos, a IN 40 voltou a possibilitar as misturas de agrotóxicos e afins no taque e, estabeleceu critérios e procedimentos para permitir a recomendação, por profissionais, de misturas em tanques de agrotóxicos e afins e suas prescrições agronômicas.

Atualmente, os agricultores devem ser orientados quanto ao uso correto de agrotóxicos e a manutenção e calibração dos pulverizadores, além de receber assistência técnica para reduzir a contaminação ambiental e aumentar a eficiência operacional.

AgriBrasilis – Existe “efeito sinérgico” dessas misturas para controle de pragas?

Matheus Rakes – Uma interação sinérgica ocorre quando a mistura de produtos apresenta resultados melhores/maiores do que a aplicação de cada um separadamente, ou seja, a aplicação de um produto isolado, com eficácia de 40%, quando em mistura com outro de mesma % de eficácia, o controle chega a 100%. Tratando exclusivamente de misturas de agroquímicos (diferentes produtos comerciais) e afins, diretamente no tanque, poucos (e inconclusivos) estudos avaliaram tais interações no manejo de artrópodes-praga.

AgriBrasilis – Quais os erros e acertos da mistura em tanque para manejo de artrópodes-praga?

Matheus Rakes – Vamos abordar não exatamente os erros e acertos, mas sim os cuidados que devemos tomar ao realizar a mistura em tanque para o manejo de artrópodes-praga. O uso dessa técnica requer conhecimento prévio quanto à compatibilidade de produtos com diferentes ingredientes ativos e formulações em misturas, tendo em vista a prevenção de possíveis efeitos adversos.

Há ao menos dois tipos de incompatibilidades que podem ocorrer na mistura em tanque, que são: (i) incompatibilidades físicas, que correspondem à formação de precipitados ou grânulos, por exemplo. (ii) incompatibilidades químicas, que estão relacionadas principalmente a mudanças significativas no potencial hidrogeniônico (pH) e na condutividade elétrica (CE).

As incompatibilidades físicas podem ser resultado, por exemplo, da formação de precipitados ou separação de fases, fazendo com que ocorra, na pior das hipóteses, o entupimento de bicos e filtros do equipamento durante a aplicação, a depender do tamanho das partículas formadas. As incompatibilidades físicas podem ser facilmente observadas na prática utilizando o teste da garrafa.

As incompatibilidades químicas, podem ocasionar, por exemplo, complexações moleculares que, por sua vez alteram as características dos ingredientes ativos.  Misturas que alterem substancialmente o pH e CE, podem ocasionar, por exemplo, a dissociação iônica e redução da solubilidade (quando em valores de pH extremamente ácidos); ou pela ocorrência da hidrólise alcalina, em casos de alterações que elevem o pH.

Por sua vez, a CE está relacionada com a capacidade de absorção e translocação do ingrediente ativo na planta, um fator de extrema importância quando se trata, principalmente de fungicidas, herbicidas e inseticidas de ação sistêmica em plantas. Além dos cuidados referentes as possíveis incompatibilidades, deve-se atentar a ordem de adição dos produtos, considerando suas formulações, neste caso, a ordem dos fatores altera o produto.

Produtos com menor solubilidade em água, devem ser adicionados primeiramente (sempre mantendo agitação do tanque ao fazer a calda). Ainda, a qualidade da água é outro fator que deve ser analisado durante uma mistura de agrotóxicos no tanque de pulverização, em razão da quantidade de outros íons que a compõem e que não são constituintes da dureza. Por fim e não menos importante, a compatibilidade biológica, ao utilizar produtos biológicos, deve ser conhecida ao misturar tais produtos no tanque de pulverização (Mais detalhes em: Ribeiro et al., 2024; Rakes et al., 2024, 2025; Sperotto et al., 2025).

AgriBrasilis – O que é e para que serve o teste da garrafa?

Matheus Rakes – O teste da garrafa é uma avaliação simples e prática utilizada para identificar possíveis incompatibilidades entre produtos que serão misturados no tanque de pulverização. Consiste em combinar, em uma garrafa transparente com água na mesma proporção da aplicação em campo, os produtos na ordem recomendada, agitar e observar a mistura após o período estático. São observadas alterações visuais que indiquem instabilidade, como por exemplo, precipitação, floculação, separação de fases ou formação de espuma, grumos, entre outros.

A avaliação de incompatibilidade física é baseada em uma escala de notas (graus), geralmente de 1 a 5, atribuídas de acordo com o tempo necessário para a separação das fases. Misturas que apresentam separação imediata (grau 1) ou em até 1 minuto (grau 2) são consideradas incompatíveis, não sendo recomendada a utilização. Já separações entre 5 e 10 minutos (graus 3 e 4) indicam compatibilidade parcial, exigindo agitação constante durante a aplicação. Já as avaliações químicas podem ser realizadas, de maneira mais prática, com a utilização de um pHmetro e condutivímetro de bolso. Essa abordagem permite antecipar problemas operacionais e agronômicos, promovendo segurança e eficácia na pulverização.

AgriBrasilis – Existe efeito desalojante comprovado para misturas com fertilizantes foliares?

Matheus Rakes – Nos últimos anos, tem-se observado um aumento no uso de produtos à base de nutrientes (macro e micro), frequentemente registrados como fertilizantes foliares, mas empregados em campo com a finalidade de promover o desalojamento de artrópodes-praga. Embora não sejam oficialmente registrados como agrotóxicos, esses produtos são aplicados com o intuito de interferir no comportamento dos insetos, promovendo sua movimentação ou queda da planta, o que pode auxiliar no manejo.

Por exemplo, Morais et al., (2024) ao estudarem, em condições de campo, misturas binárias em tanque de pulverização de inseticidas sintéticos com fertilizantes foliares, não identificaram acréscimos nas eficácias de controle, bem como na produtividade do milho, visando o controle do perceve-barriga-verde Diceraeus spp. Além disso, em alguns casos, incompatibilidades químicas (misturas em que o pH da calda foram superior a 9) e físicas (principalmente separação de fases), foram observadas, ao qual nestes tratamentos, os valores de eficácia de controle foram reduzidos pela metade. Vale ressaltar que, estudos visando avaliar o efeito desalojador em misturas com inseticidas são escassos e, em hipótese alguma esses resultados devem ser generalizados, tendo em vista que há diferenças significativas dos efeitos variando entre gêneros e estágio de vida do inseto.

 

Referências recomendadas:

Morais, M. C., Rakes, M., Balzan, F., Grützmacher, A. D., Bernardi, D., & Ribeiro, L. D. P. (2024). Effects of mixtures of arrestants, dislodgers, and phagostimulants with synthetic insecticides on green-belly stink bug: walking behavior assessments, physicochemical interactions, and laboratory and field trials. Journal of Economic Entomology117(1), 167-177.

Ribeiro, LP., Amandio, D. T. T., Rakes, M., Belegante, F., Moresco, C., Nesi, C. N., … & Zanardi, O. Z. (2023). Insecticides for corn leafhopper management versus entomopathogenic fungal isolates: In vitro compatibility, physical-chemical interactions, and on-farm assessments. Crop Protection174, 106417.

Rakes, M., Morais, M. C., Sperotto, M. E., Zanardi, O. Z., Palma, G. R., Floriano, L., … & Ribeiro, L. D. P. (2025). Fungicides vs mycoinsecticides in the management of corn leafhopper: physicochemical, in vitro and in vivo compatibilities, and degradation kinetics in maize plants. arXiv preprint arXiv:2503.21606.

Rakes, M., Morais, M. C., Sperotto, M. E., Zanardi, O. Z., Bernardi, D., Anderson, D. G., & do Prado Ribeiro, L. (2024). Toxicity of Post-Emergent Herbicides on Entomopathogenic Fungi Used in the Management of Corn Leafhopper: In Vitro and In Vivo Assessments. Agriculture14(12), 2189.

Sperotto, M. E., Rakes, M., Morais, M. C., Bernardi, D., & do Prado Ribeiro, L. (2025). In vitro and in vivo compatibility of isocycloseram-based insecticides with entomopathogenic fungi used for corn leafhopper management. Crop Protection194, 107204.

 

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