Brasil tem “condições únicas” para liderar o agro de baixo carbono

Published on: October 23, 2025

“…possui escala produtiva, clima tropical, tecnologias adaptadas e décadas de experiência em sistemas sustentáveis…” 

Thiago Camargo é sócio-diretor do IBRA megalab, engenheiro de produção pela Unifei, com pós-graduação em engenharia da qualidade pela Unicamp. 


Thiago Camargo, sócio-diretor IBRA megalab

AgriBrasilis – O Brasil é capaz de liderar o agro de baixo carbono? 

Thiago Camargo – O Brasil reúne condições únicas para liderar o agro de baixo carbono: possui escala produtiva, clima tropical, tecnologias adaptadas e décadas de experiência em sistemas sustentáveis como Plantio Direto e ILPF. Programas como o Plano ABC e o ABC+ abriram caminho, incentivando práticas de baixa emissão. 

Um estudo publicado em 2022 na Nature Sustainability mostrou que, com a intensificação agrícola e a recuperação de apenas 12% das pastagens degradadas — aproximadamente 5,7 milhões de hectares — o Brasil poderia produzir 162 milhões de toneladas de soja até 2035, sem desmatamento e com 58% menos impacto climático em relação ao cenário base. 

Essa combinação de produtividade com sustentabilidade é o diferencial do Brasil. Para transformar esse potencial em liderança global, é essencial contar com métricas confiáveis — papel estratégico das análises laboratoriais e digitais do solo. 

AgriBrasilis – Como e por que são realizadas as medições de carbono nas lavouras? Quais os parâmetros adotados? 

Thiago Camargo – Medir carbono é quantificar quanto o solo estoca e como o manejo influencia esse processo — base tanto para validar créditos de carbono quanto para orientar o produtor a melhorar a saúde do solo. 

O IBRA alia métodos de referência, como a combustão seca, a tecnologias inovadoras como o SpecSolo® (Vis-NIR) e o Mapeamento Digital do Solo (DSM), garantindo rastreabilidade, qualidade e escala com menor custo. 

Os principais parâmetros medidos são: teor de carbono e densidade do solo em uma profundidade definida de coleta, permitindo calcular o estoque de carbono por hectare. Complementarmente, análises como frações lábeis e indicadores biológicos revelam a qualidade do carbono e se o sistema favorece o sequestro ou a perda. 

AgriBrasilis – Por que medir carbono no solo virou questão de credibilidade? 

Thiago Camargo – O solo é a base de uma nova economia climática que está se estruturando. Para que ela exista de forma legítima, os dados precisam ser padronizados, rastreáveis e aceitos internacionalmente. Quando falamos em credibilidade, não é apenas sobre ciência, mas também sobre acesso a mercados: só com números confiáveis o agro brasileiro poderá garantir diferencial competitivo em cadeias globais. É essa capacidade de comprovar com dados consistentes os efeitos reais de diferentes práticas agrícolas que dá lastro à nova economia do carbono. 

No IBRA, tratamos esse processo como um ciclo completo de rastreabilidade: desde a coleta planejada com algoritmos geoespaciais, passando pelo controle das amostras via QR Codes em campo, até as análises em laboratório utilizando padrões internacionais de referência. Esse rigor garante resultados comparáveis globalmente e confiáveis para uso em projetos de carbono, dando segurança a produtores, desenvolvedores, compradores e investidores. 

“…cresce o potencial de atrair capital para a intensificação agrícola de baixo carbono.”

AgriBrasilis – O maior desafio hoje é padronização, regulação ou financiamento? 

Thiago Camargo – Na mensuração do carbono do solo, a padronização não é um desafio: protocolos internacionais estão disponíveis e já são adotados pelo IBRA. O ponto agora é aplicar esses métodos em escala, com rastreabilidade, qualidade e custo acessível. 

O que precisa avançar é a adaptação dos fatores de emissão às condições brasileiras — país tropical, com múltiplas safras e pecuária majoritariamente a pasto —, o que exige gerar evidências científicas nacionais e seu reconhecimento internacional no âmbito da UNFCCC/IPCC. 

O mercado voluntário já funciona no Brasil, com instrumentos legais, como a Lei do PSA, que permitem a remuneração por serviços ambientais. Mas projetos na agricultura são mais recentes: só em 2021 surgiu o primeiro padrão global, a VM0042 da Verra. Mais do que criar novas regulações, o essencial é que os mercados voluntário e regulado convivam de forma complementar e com métricas comparáveis. 

O financiamento é determinante para dar escala. À medida que bancos e seguradoras reconhecem, com base em evidências, que o manejo regenerativo aumenta a resiliência e reduz riscos, cresce o potencial de atrair capital para a intensificação agrícola de baixo carbono. Para isso, os dados precisam ser robustos e auditáveis — papel central das análises laboratoriais. 

AgriBrasilis – O que as 375 mil medições do IBRA megalab revelam sobre o agro? 

Thiago Camargo – Essas análises confirmam que práticas regenerativas aumentam o estoque de carbono e a produtividade agrícola. Revelam também que áreas bem manejadas podem alcançar estoques iguais ou superiores aos de áreas nativas de referência. 

Isso foi evidenciado em um artigo científico de 2025, resultante do projeto SPD+Agro, coordenado pela Federação Brasileira de Plantio Direto (FEBRAPDP) e parceiros de pesquisa, com análises do IBRA e financiamento do Euroclima. O trabalho avaliou 63 locais nos biomas Cerrado e Mata Atlântica, com 3.402 amostras de solo. Os resultados mostraram que em 16 áreas (25,4%) o plantio direto superou os estoques de carbono da vegetação nativa e em outras 27 (42,8%) restaurou entre 80% e 100% desses estoques. 

Esses achados reforçam o que observamos em campo: solos bem construídos ao longo de décadas de manejo conservacionista acumulam mais carbono, apresentam maior atividade biológica e tornam as lavouras mais resilientes e produtivas. 

AgriBrasilis – Na prática, o produtor entende o que é agricultura de baixo carbono? 

Thiago Camargo – Na prática, muitos produtores já adotam manejos regenerativos de baixo carbono sem usar esses termos. O que engaja o produtor é ter um solo bem construído, que garante colheitas consistentes e abre portas para benefícios como créditos de carbono, financiamento e seguros mais acessíveis. Essa compreensão vem crescendo porque os resultados são palpáveis: práticas que já agregam valor à lavoura também reforçam a sustentabilidade e competitividade do agro brasileiro. 

 

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